Archives mensuelles : août 2014

Testimonial on Oskar Fischinger (Eng)

Oskar Fischinger 1900-1976 Experiments in Cinematic Abstraction edited by Cindy Keefer and Jaap Guldemond, Eye Filmmuseum and Center for Visual Music Amsterdam 2012

In the early 1970s, I wanted to make films as visual music. Theoretically music structure could be followed as a mean to compose a film, but it was not within the films that I was seeing at the time that I was seeing such ideas in practice. Searching for such films and filmmakers, I discovered at the same time some early avant-garde filmmakers, among them Oskar Fischinger. His films were a revelation and I realized that the visual music I was looking for was a different one.

The freedom of designs in motion within the pace of sound was amazing. It seemed that with Richter and Lye, Fischinger had opened new fields within the art of films. What surprised me at that time, were the potential and power of these white lines creating melodies and rhythms (remembering the atoms splitting in Studie nr. 8, or the white flashes in other later Studies) within the specificity of the apparatus. Treating lines as melody has been a constant in all his works, whether painting or films.

If within painting the motion is frozen or suspended, there are potential moments with further development to come as shown in Motion Painting no. 1. This emphasized a dimension of performativity which has been crystalized within the Lumigraph as much as in Motion Painting no. 1. Here the music of colors and lights is live, the recording of Motion Painting no. 1 induces delays while the performance works within the present of its making.

With the Lumigraph, Oskar Fischinger gave life to a live cinema. Lights become the instrument you play with, and with which Fischinger was able to create tri-dimensional effects within inward and outward movement spiralling toward the center of the screen (as done in his earlier film Spiralen) with films while the movement are often off centered and aligned along the diagonal within paintings. With Motion Painting no.1, and Quadrate (Squares), Fischinger articulated the two possibilities, one media dissolving or becoming another one; an early stage of this shift is encountered with the flip books.

The resolution of the movement and motion are done through a modulation of tensions according to melodic lines or dynamism of the beat for which repetition and variation are essential.

The pleasure to discover the multiple aspects of Oskar Fischinger’s works would not have been possible without William Moritz and Elfriede Fischinger. I can’t forget waking up after a long trip from New Zealand to LA and facing a stained glass of an Oskar Fischinger signet, hanging on the entrance door.

Illuminating.

 

 

 

 

 

O Super 8 é liberdade: uma revisão do cinema do gesto pequeno

em português em  Cinena é liberdade Derek Jarman, organização : Alessandra Castañeda, Raphael Fonseca,  Victor Dias, Rio de Janeiro, Jurubera Produções, 2014

Recife, junho 2014

Foi no final dos anos 1970, ou talvez no início dos 1980, em Paris, em uma época em que era possível encontrar um programa de cinema experimental cotidianamente no Centro Georges Pompidou.

Foi a primeira vez que travei conhecimento com Derek Jarman, e foi uma experiência bastante poderosa. O cineasta estava exibindo seus filmes em Super-8, não da cabine de projeção, mas dentro da sala, entre nós, e ele estava coordenando o diálogo entre o som nos filmes e o som na fita que ele estava carregando nos filmes que estava projetando. Notei que o artista estava fazendo em público algo que com frequência é privado, a projeção de diários. Sua projeção é geralmente uma experiência compartilhada com a família, em um círculo de amigos ou de relações estreitas, mas isso não foi antes de Jonas Mekas e alguns outros terem feito disto uma experiência pública. Jonas Mekas transformou a experiência na família estendida dos cineastas de vanguarda. Aqui, Derek Jarman estava mostrando, obviamente, um outro tipo de filme- diário, que combinava diferentes categorias, como retratos, paisagens de viagem, um evento à noite…

Podia-se ver que o conjunto de filmes tinha sido submetido tanto à vontade do cineasta quanto ao que ele estava sentindo do público. Isto ilustrou de uma maneira diferente que uma interação era possível nas exibições dos filmes, que fazia não ser a mesma uma repetição com suas cópias, mas um evento próximo a um acontecimento ou a uma performance ao vivo.

A segunda coisa que me surpreendeu foi que ele estava adicionando música de acordo com seu estado de espírito, um pouco como Jack Smith costumava fazer quando apresentava Flaming Creatures (o que eu descobri mais tarde quando o convidei para exibir os seus filmes no Scratch [exibições semanais de filmes marginais] em meados dos anos 1980). A experiência foi diferente porque em um caso teve o uso do vinil, a busca de um LP específico, enquanto no outro foi usado um gravador buscando trilhas. A fisicalidade da ação foi dominante com Jack Smith. Mas ambos exploraram o camp em seus filmes, isto nunca foi posto de lado nos filmes de Derek Jarman, fossem em Super-8 ou longas-metragens.

O uso da música era parte deste clímax e estava sujeito a dar cor às sequências de diferentes maneiras, surfando, por exemplo, em romantismo no segundo movimento do Concerto para a mão esquerda de piano de Ravel enquanto mostrava um retrato de um amante em uma suave câmera lenta. Uma característica de alguns filmes foi a utilização da câmera lenta, em uma velocidade mais lenta do que os habituais 18 quadros por segundo. A velocidade da projeção parecia estar ecoando a música, ou talvez fosse a música que estivesse no ritmo da edição, criando uma forte sincronização que será vista / explorada em seus últimos clipes. Isso não era incomum para Derek, pelo menos desde o final dos anos 1970, quando ele apresentou filmes com seus próprios projetores Bolex Super-81. Nos anos 1980, Jarman fará videoclipes para diferentes músicos (Genesis P-Orridge e sua banda Throbbing Gristle, ou cantores mainstream, como Marianne Faithfull, ou grupos como The Smiths2, Pet Shop Boys …).

Quando Derek Jarman começou a fazer seus filmes de gestos pequenos, o filme materialista estrutural estava dominando a produção de filmes experimentais na Inglaterra. Seus filmes foram um ataque direto à semente desta tendência, no sentido de ele estar afirmando uma subjetividade, uma sexualidade, enquanto os outros estavam abordando questões referentes ao que o filme era e como funcionava ideologicamente. Como o artista escreveu, ele começou a fazer filmes em Super-8 como uma resposta direta à sua exposição ao cinema comercial. Ele era o cenógrafo do filme Os demônios (The Devils) de Ken Russell e inicia uma produção de filmes “pessoais”. Descobriu naquela época que o filme era um meio contemporâneo, como reconheceu em uma entrevista falando sobre Imagining October: “Quão extraordinário é o filme. A pintura é obsoleta em um sentido; não lida mais com o mundo exterior. O que eu descobri no filme foi uma comunidade. Eu descobri o meu mundo no filme”. A aventura de Os demônios levou pouco mais de um ano na preparação, e a partir do outono daquele ano foi que “meus próprios filmes decolaram com a ajuda de Malcolm Leigh; sendo seguidos por toda uma série de Super-8 que gradualmente, sem me dar conta, reposiciou o meu trabalho”3. Mas, como reconheceu, não será antes de ele completar Art of Mirrors, que é “o primeiro filme que fizemos em Super-8 e para o qual não há parâmetro de comparação. Os outros Super-8 dos últimos meses ainda são muito assemelhados ao trabalho de 16 mm, considerando que isso é algo que só poderia ser feito com uma câmera de Super-8, com a built-in-meters e com efeitos. Finalmente, temos algo completamente novo”4.

O Super-8 tornou-se um instrumento para atacar a arte do retrato, para investigar a paisagem e para registar eventos, fossem públicos ou privados. O uso da sobreposição deu aos filmes uma qualidade pictórica, reforçada pela granulação (especialmente quando filmado em preto e branco) e pela projeção em velocidade mais lenta. Como Tony Rains disse: “Foi durante as longas e enervantes noites em seu apartamento da Sloane Square, no início dos anos 1970, que Jarman começou a experimentar a projeção com uma velocidade ultrabaixa, descobrindo que sua filmagem desorganizada e impulsiva adquiriu conotações ‘pictóricas’ quando examinada quadro a quadro. Foi um pequeno passo da sua descoberta para novas experiências com o processo de reprofotografia da tela e sobreposição múltipla. Novamente, no entanto, não houve qualquer tentativa de exercer controle artístico nesses processos: os filmes resultantes foram, essencialmente, alegremente arbitrários”5. Pequenas viagens, noites no estúdio de Derek, retratos de amigos e amantes tornaram- se a essência de seus filmes em Super-8 e um recurso para os longas. Uma série de filmes dá a ideia da Londres gay dos anos 1970, com o retrato de amantes ou eventos como homens travestidos para a Alternative Miss World Party (1972). Se, num primeiro momento, o entorno imediato do artista era seu principal foco, as coisas vão mudar com Jubilee (1978), que irá incorporar provocações políticas sobre a condição do cinema da Inglaterra e britânico. Filmar é de tal forma viciante que no início Derek Jarman começou a colagem de alguns de seus rolos de Super-8 para fazer obras maiores, em que In the Shadow of the Sun (1984), The Angelic Conversation (1987) e Glitterbug (1994) são os melhores exemplos. Esses filmes são bons exemplos do “cinema dos gestos pequenos” que Jarman estava interessado em fazer. Por um lado, este cinema é autobiográfico, pessoal, espontâneo e leve, por outro lado, amigável, um cinema envolvido com a mitologia e o simbolismo, como se pode ver com A Journey to Avebury (1971), Art of Mirrors (1973 ), The Angelic Conversation, The Dream Machine (1984)…

O Super-8 era um espaço possível para produzir e mostrar imagens de si mesmo, de seu próprio mundo, fora das normas repressivas hetero, que excluíam e apagavam violentamente qualquer diferença, especialmente se isso tivesse a ver com masculinidade, de uma forma tal que não havia outra alternativa a não ser resistir contra esta violência com uma afirmação provocativa, imagens a fim de quebrar esses valores morais alçados como estéticos. Estas representações que afirmam uma paisagem íntima do desejo vão se tornar mais abertamente militante em meados dos anos 1980 e dos anos 1990. Essa mudança só foi possível com a sua proximidade com a Frente de Libertação Gay6 e a dinâmica do Partido Revolucionário dos Trabalhadores e seu jornal NewLine7. Para Derek Jarman, fossem os filmes Super-8, 16 mm ou 35 mm, deveriam desafiar nossa visão e dar acesso à representação de homens homossexuais e sua sexualidade. Por isso foi tão importante para ele ter uma cena de amor em Sebastiane (1976). Pela primeira vez em uma sala de cinema, não em um teatro pornô ou em um lugar dedicado ao vanguardismo, foi possível ver uma transa. A homossexualidade não era mais um problema como já fora, por exemplo, nos filmes dos anos 1960 e 1970 Domingo maldito8 (1971), O criado 9 (1963) e, em menor escala, Nighthawks de Ron Peck, que foi feito dois anos após Sebastiane. Um aspecto muito importante em Sebastiane, e que se encontra em alguns dos Super-8, é a dimensão homoerótica do filme. Como o cineasta disse: “O filme foi historicamente importante; nenhum filme tinha se aventurado por aqui. Houve filmes underground, Un chant d’amour e Fireworks, mas Sebastiane estava em um espaço público”10. Sebastiane se tornou companheiro de outro icônico filme gay, Pink Narcissus11 (1971). Se a dimensão homoerótica é afirmada, não é tão explícita quanto ele gostaria: “Eu teria amado se tivesse tido uma verdadeira transa nos meus filmes, eu teria tido um orgasmo. Imagine todos esses adolescentes se masturbando na cama por causa de sua televisão portátil… / …eu teria como ser mais explícito, verdadeiros filmes sobre nossas vidas no aqui e agora”12. Este sentimento inevitavelmente será reforçado pelas políticas conservadoras promovidas por Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos. A luta contra o moralismo dessas políticas se tornará mais exacerbada quando o ataque à crise da Aids (a partir de 1983), acompanhado por uma negação extraordinária e um grande retrocesso social, promover políticas de saúde pelos conservadores e fanáticos de todos os lugares. Quando Derek Jarman foi diagnosticado com o HIV, sua militância aumentou e seria mais proeminente em suas obras, fossem pinturas, filmes ou livros.

Londres, Soho 1983 ou 1984, na abertura de uma exposição de Derek Jarman, a multidão de jovens e novos românticos está em seu melhor, diferentes gamas de socialites foram misturadas na exposição e ofereceram um bom exemplo da estrondosa classe da sociedade britânica. A música dava o tom dos tempos contra a perspectiva sombria da crise da Aids. Neste período, e devido às dificuldades na produção de seu filme The Angelic Conversation, que estava em processo, Derek Jarman fez um curta-metragem, Imagining October (1984), que se dedicou a questões mais amplas que seu entorno imediato e que continuava a desenvolver a postura de usar filmes caseiros a fim de fazer um longa, como no caso de The Angelic Conversation, ou um filme-ensaio, como em Imagining October. É nesta ocasião, enquanto preparava um show no ICA [Institute of Contemporary Arts], que Derek Jarman, com James Mackay, ao transferir o Super-8 para uma fita (VHS), descobriu novas maneiras de ter resultados a partir de filmes caseiros, misturando-os com outras sequências que vieram da observação e trabalho com os antigos13. A refilmagem das imagens em velocidades diferentes (principalmente a três quadros por segundo, depois editadas em U-matic, antes de entrar em uma fita de 1’ e, em seguida, 35 mm – para só então o trabalho do som começar e ser bastante estruturado se comparado com a imagem improvisada14), a edição e codificação em um equipamento de vídeo e a mistura de sons oferecem alternativas na execução do que seria aplicado em seus videoclipes, bem como em seus filmes. Fazer um filme não estava mais funcionando com alguém aferindo e alguém apoiando, isso tinha acabado, tinha-se que tirar proveito das possibilidades da edição de vídeo e da transformação que poderia ser produzida com a múltipla gama de efeitos que foram criados na época. Promiscuidade e hibridismo se tornaram as regras, não era apenas uma questão de sexo! Esta mistura geral era para contaminar todas as tendências de seu cinema, e se tornaria um fator-chave na estética de The Last of England (1989) e The Garden (1990). O sonhador, a qualidade onírica de seus filmes participam de uma tradição de vanguarda de cineastas subjetivos como Jean Cocteau, Jean Genet, Kenneth Anger.

Quando Imagining October estava sendo feito, uma greve de mineiros estava acontecendo, a violência usada pela polícia contra os mineiros, tanto quanto a atitude intransigente de Margaret Thatcher ecoa o regime soviético, e a arquitetura monumental são uma evocação do poder do Império. “A coisa mais surpreendente para mim do Ocidente foi a arquitetura de Moscou. Eu senti que era muito difícil filmar pessoas em Moscou.” Isto evoca a Revolução de Outubro, sendo filmada em outubro. Se a primeira parte trata de monumentos, a segunda introduz pessoas e um pintor fazendo uma tela de jovens soldados, enquanto os textos são exibidos ao longo de todo o filme criticando a Inglaterra, tais como:

Censura da Capital. Os próprios manipuladores manipulados, e na sua loucura procuram revogar todo valor. Tudo. Isto é uma merda, mas nós achamos que você vai gostar.15

O caráter sombrio do filme antecipa o tom de The Last of England, no qual Derek Jarman medita sobre o que se tornou a Londres e a Inglaterra nos anos 1980. Nesse filme, a colagem das fontes são muito diferentes, de filmes caseiros feitos por seu avô e seu pai em preto e branco, ou em cores de sua família ou de filmagem de guerra, para Super-8 transferidos para vídeo antes de passar para 35 mm, como ele fazia antes com seus videoclipes. O uso do Super-8 foi uma necessidade, “A câmera de Super-8 é liberdade, a de 35 mm é acorrentada pelo dinheiro às instituições”16. O filme não tem uma narrativa real, mas momentos em que estamos testemunhando o declínio da Inglaterra. A reminiscência do tempo anterior é enfatizada pelas sequências de abertura em que vemos Derek Jarman em sua escrivaninha escrevendo em um ambiente onírico, rodeado por objetos de arte, naturezas mortas. À beira do despertar de uma realidade terrível: a Inglaterra vista e moldada por Thatcher. Enquanto fazia este filme, Jarman descobriu ser soropositivo, o que contou em seu livro- diário The Last of England. O filme tem algumas cenas provocantes, como a transa entre um jovem nu e um terrorista, cenas assustadoras de pessoas esperando em um cais, nas docas, filmado por quatro câmeras de Super-817. Ele deu uma qualidade coreográfica distinta para essas cenas, tanto quanto nas cenas de dança e de casamento. A improvisação é exemplificada no filme e iria encontrar a sua perfeita realização na cena do casamento e na cena em que Tilda Swinton rasga seu vestido com uma tesoura.

O filme é uma ode: “The Last of England trabalha com imagem e som, uma linguagem que está mais próxima da prosa do que da poesia. Conta sua história um tanto feliz em imagens silenciosas, em contraste com o cinema no limite da palavra”18. The Last of England é um um filme avant-garde amplamente distribuído pelos principais cinemas, e como The Garden e Blue (1993), chega a uma audiência mais vasta do que se poderia esperar de tal produção cinematográfica. A natureza do trabalho de Jarman foi misturar e colidir gêneros “opostos” de cinema em seus próprios filmes, misturando a tradição do filme de arte no de avant-garde, unindo fragmentos, tornando público o que é privado, mostrando a relevância do íntimo nas questões sociais. A questão da identidade, a irrupção da política sexual no núcleo de seu filme não é ímpar, é parte de sua vida, ele era um membro do grupo ativista Outrage. A homossexualidade tinha de ser afirmar na arte e no cinema do establishment britânico, tanto quanto a campanha de ódio contra pessoas com Aids. Vamos ver, por exemplo, membros do Outrage apoiando o rei em Edward II (1991). Em The Garden, temos a evocação de ativismo em diferentes cenas do filme celebrando a homossexualidade, tanto quanto atacando a ideologia católica. Isto será mais uma vez destacado em Edward II, enquanto a separação de Galveston e Edward é acompanhada por Annie Lennox cantando “Everytime We Said Goodbye”, do Projeto Red Hot & Blue19. Como Mark Nash escreveu: “A política sexual de Jarman é intransigente. A subcultura e a sexualidade que participam de seus filmes não são simplesmente ‘gay’ ou ‘camp’. Os filmes assumem questões marginais da política sexual, especialmente as noções de masculinidade, prevendo, antecipando uma mudança na ordem e costumes sociais que seus filmes tão apaixonadamente exigem. No entanto, esta apresentação e celebração, esta construção de uma estética subcultural, também aspira a uma condição mais geral – falar para a Inglaterra e para o cinema britânico. Traça uma direção criativa alternativa: longe do imperialismo estético de Hollywood (seu conservadorismo moral, sua lógica narrativa simplista); longe também do chauvinismo, ainda que com o espírito ‘britânico’ de cinema americano do British Film Year”20.

Com seu cinema, Derek Jarman descortinou novas maneiras de olhar para figuras históricas, dando-lhes um corpo, uma sexualidade, um contexto que tem muitas vezes, para não dizer sempre, sido excluído, invalidado, negado pela sociedade. Seus filmes resistem contra a tentativa da sociedade normativa de interpretar e produzir uma história de acordo com a sua visão hetero. O cineasta não estava preocupado em produzir uma visão clínica de gays e, nesse sentido, ele pode ser considerado como um dos pais do New Queer Cinema. Ao mesmo tempo, ele é uma figura do Romantismo inglês do século XX.

Amsterdam 1991, Festival of Lesbian and Gay Film, uma homenagem a Derek Jarman e Ulrike Ottiger. Derek apresentou seus filmes e lançou The Garden; ele reconciliou com seu discurso as diferentes tendências e forças de oposição em jogo durante o festival.

Com Blue (1993), Derek Jarman ofereceu uma nova maneira de falar sobre a Aids. Como Douglas Crimp disse em 1991: “A Aids não existe para além das práticas que a conceituam, a representam e lhe correspondem. Conhecemos a Aids somente através dessas práticas”21. Blue representa uma conquista nesta conceituação. O filme propõe uma peculiar experiência imersiva em cor e som, em que a cor azul é a única imagem visual concedida ao olhar. Ao mesmo tempo, a riqueza das trilhas sonoras de várias camadas, misturando as vozes dos cineastas ou de suas personificações, o som ambiente, ruídos… ecoa uma sinestesia virtual em que não teriam qualquer mudança no campo visual, enquanto o som causa nossa perambulação nas profundezas da cor. Blue22 lida com biografia, Aids, amor, sexualidade, morte. Justapõe todos os elementos da vida e os filmes de Derek Jarman em uma espécie de peça de rádio, tornando possível imaginar o trabalho como uma instalação. É um trabalho de meditação, uma assembleia, uma memória.

Blue transcende a geografia solene dos limites humanos23.

A caridade tem permitido ao indiferente parecer se importar e é terrível para aqueles que dependem dele. Tornou-se um grande negócio, pois o governo foge de suas responsabilidades nestes tempos de indiferença. Nós cooperamos com isto, então os ricos e poderosos que nos ferraram uma vez, vão nos ferrar outra vez e conseguir de ambas as maneiras. Temos sido sempre maltratados, então, se alguém nos dedica uma simpatia mínima, nós exageramos em nossos agradecimentos24.

Yann Beauvais é cineasta, curador e crítico independente. Vive no Recife desde 2011, onde fundou com Edson Barros o espaço cultural B3 (Bê Cúbico). Fundador da Light Cone em Paris, em 1982, cooperativa de filmes experimentais e videoarte na França. Últimos filmes: Artificial Poetic (2013) e Schismes (2014). Última publicação: Ryan Trecartin – Internet comme mode vie. Gruppen, n° 9, Paris, 2014. Últimas curadorias para B3: Erwin Wurm: video works, Um dia sem artes; Keith Sanborn: duas Instalações.

Tradução: Rachel Ades

 

1. MACKAY, James. The Jarman Award, James MacKay on Derek Jarman.
A exibição a que James MacKay se refere foi em 1979.
Disponível em: <http://www.apengine.org/wp-content/plugins/as-pdf/generate.php?post=1553>

2. Ver videoclipe da música “The Queen is Dead”, feito para o Jubileu de Diamante da rainha da Inglaterra por Derek Jarman, com música do The Smiths.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YS3UMjNUqFM>

3. JARMAN, Derek. Dancing Ledge. London: Quartet Book, 1984. p. 105. 4. JARMAN, Derek. Op. cit., p. 124.

4. JARMAN, Derek. Op. cit., p. 124.

5. RAINS, Tony. Submitting to Sodomy Propositions and Rhetorical Questions about an English Film-maker. In Afterimage, no 12, London, 1985.

6. A Frente de Libertação Gay foi fundada em 1970
7. O Partido Revolucionário dos Trabalhadores foi um partido trotskista que nos anos 1980 implodiu em diffrentes grupos. Vanessa Redgrave era um símbolo quando Lee Drysdale era um membro do partido. Ele estava no set de Jubilee e trabalha há três anos no projeto de Neutron com Derek Jarman.

8. Sunday Bloody Sunday, de John Schlesinger.
9. The Servant, de Joseph Losey
10. JARMAN, Derek. At Your Own Risk: A Saint’s Testament. London: Hutchinson, 1992. p. 73. 11. De James Bidgood.
12. JARMAN, Derek. At Your Own Risk: A Saint’s Testament. London: Hutchinson, 1992. p. 74.

13. Ver MACKAY, James. Op. cit.

14. Sobre The Angelic Conversation, ver JARMAN, Derek. The Last of England. London: Constable, 1987. pp. 145-8.

15. Textos de Imagining October em The Last of England. Op. cit., p. 102. 124

16. JARMAN, Derek. The Last of England. London: Constable, 1987. p. 169.
17. Câmeras operadas por Derek Jarman, Chris Hugues, Richard Heslop e Cerith Wyn Evans.

18. JARMAN, Derek. The Last of England. London: Constable, 1987. pp. 185-87.

19. The Red Hot era um projeto para conscientizar e levantar fundos para lutar contra o HIV/AIDS através de cultura pop e CD.

20. NASH, Mark. Innocence and Experience. In Afterimage, no 12, London, 1985.

21. CRIMP, Douglas. Aids: A cultural Analysis Cultural Activism. In October, v. 43. Cambridge: Mit Press, 1987.

22. O texto do filme está publicado em Chroma, A Book of Colour (Jun. 93). London: Century, 1994. 23. Idem, p. 109