Re-Act (Pt)

por yann beauvais em yb 150213 40 anos de cinemativismo, organização Edson Barrus, B³, Recife, Novembro 2014

Moro no Brasil, há vários anos, envolvido num projeto em Recife, criado por Edson Barrus e eu, nosso engajamento em áreas distintas da arte deu origem ao B³. Pareceu necessários para nos seguirmos em frente e fazer novas coisas, então em 2011, nós fizemos esta mudança.

Ao filmar quadro a quadro de acordo com a marcação que eu fiz, eu podia ouvir alguém tocando um prelúdio de Bach com seu cravo atrás de mim. A tarde estava quente, a grama do terreno em frente à casa estava grande e balançava ao vento. O trabalho era tedioso, meticuloso, enumerando e posicionando a câmera nos ângulos exatos, então filmando um ou dois quadros de acordo com a marcação: uma transcrição e o improviso da fuga e prelúdio de Bach. Para chegar à marcação, em um papel desenhei um padrão em que todos os ângulos da câmera estavam marcados, isto se provou uma referência mais conveniente do que fazer a marcação no próprio tripé. O rolo de filme era preto e branco. Eu havia comprado a câmera 16 mm há apenas algumas semanas no mercado das pulgas e nunca a havia utilizado. O rolo de filme estava vencido. Naquele momento aquela informação não parecia importar. Eu apenas sabia que tinha dois deles. Eu descobri sua importância apenas após o filme ser revelado. Havia certa rotina na filmagem. Tinha que ser filmado diariamente no mesmo horário, idealmente com o clima similar. As tardes eras passadas ao som de música barroca do festival Saintes. (Eu particularmente me recordo da performance de Monteverdi´s Orfeo, em uma tarde de julho). No início do verão, eu passei boa parte das minhas tardes filmando, isto é, até um amante de Royan vir me visitar, o que significou numa busca por lugares para trepar fora de onde nós estávamos hospedados. Isto deu outra dimensão à experiência da filmagem que não pôde ser percebida no filme. Em meados dos anos 70, bem como hoje em dia, havia uma diferença entre aceitar alguém como gay e tendo esta pessoa fazendo sexo com seu parceiro em sua casa.

Fazer filme experimental na França nos anos 70 era como uma duplicação daquela experiência pessoal, no sentido que « le cinema militant » e « la nouvelle vague » eram as formas dominantes de se fazer filme, e não permitiam a existência de outras práticas. Para piorar, essas formas excluíam outros tipos de filmagens. Ser marginal significava ser invisível ou pertencente a outro gueto. Ser gay e fazer filmes experimentais compartilhavam respostas comuns de si mesmo em relação à sociedade. Você tem que dirigir-se, resistir e lutar contra as normas: sua existência sexual demanda que você crie e compartilhe o seu próprio espaço com os outros. O irônico era que em cada uma dessas áreas podia sentir um selvagem fascínio com a normalidade. Era necessário afirmar simultaneamente e não uma contra a outra. Eu trabalhava por meio expediente quando estava na faculdade. Eu estudava Filosofia em Nanterre e aos sábados pela manhã na Cinemathèque Français do Palais de Chaillot fazia aulas de filme com Jean Rouch. Eu rapidamente debandei das aulas dedicadas a semiologia do filme. Então descobri que no Vincennes, você podia ver e estudar filme experimental com Claudine Eizykmann e Guy Fihman. Eu finalmente fui la no fim de 74 ou começo de 75, assisti algumas aulas quando não estava trabalhando e tentando aproveitar ao máximo.

Quando o filme finalmente foi revelado, que filmei de acordo com a minha partitura, fiquei surpreso ao descobrir que o que eu havia planejado funcionou, eu podia ver claramente no negativo que espalhei sobre minha cama. A estrutura e a movimentação dentro da paisagem podiam ser vistas, uma impressão de movimento era criada ao menos quando a filmagem foi examinada a mão. Quando estava filmando, eu não estava ciente que ao cobrir as lentes da câmera, meus dedos não a cobriram completamente, eles deixaram um pequeno triângulo de luz passar. Esse erro, cujo descobri ao colocar os negativos sobre a cama, se tornaria o ponto chave da qualidade oscilação da luz e daria a oportunidade de expandir o trabalho. Essa expansão viria a ocorrer alguns anos depois, na versão dupla reversa (RR 1976-85)) e na versão final quando o filme foi quadruplicado para uma instalação (Quatr´un 1993). Esse espelhamento foi baseado em comuns figuras de músicas barrocas e serialistas. Eu não sabia que a baixa densidade do negativo se tornaria um problema ao tentar gerar mais impressões e fazer um internegativo a fim de criar uma versão estendida. Demorou um tempo até um laboratório na Virgínia conseguir uma versão invertida de cabeça para baixo do negativo inicial, no filme duplo com dupla perfuração, pois eu queria poder inverter uma vez mais, para poder criar um reflexo quadruplicado. Em certo ponto eu tive que gerar uma copia com grau fina para conseguir mais impressões.


Quatr'un 4

Quatr'un 8

Durante muito tempo eu quis transcrever uma obra por piano de Schubert em filme. Devido a sua grande complexidade eu consegui fazer apena uma parte do trabalho e nunca nem comecei as filmagens. Eu encontrei uma locação para as filmagens, próximo a Poitiers, na margem de um pequeno rio, mas eu nunca voltei lá e eventualmente perdi o interesse no projeto. Ao começar a trabalhar com um músico, a relação entre filme e música tomou outra direção.

Os encontros da Gaipied¹ no flat de Jean Le Bitoux eram sempre divertidos e intensos. Eu fui apresentado ao grupo principal por Philip Brooks no inicio do projeto. Naquele tempo (1978-79) eles estavam terminando sua edição de lançamento. Eu estava para fazer parte do grupo, escrevendo geralmente sobre cinema, até que o meu próprio trabalho em filmagem demandou minha atenção. Havia certa escassez desse tipo de revista da França, e apesar de todas as críticas da comunidade, foi a primeira do seu gênero; existiu até 1992. Desde seu começo, qualquer um podia participar e isto resultou, ao menos no seu primeiro ano, em um incrível retalho da cultura gay. Sua ênfase era no pessoal, em experiências diárias, que era compreendida como política. Era importante atingir uma variedade de gays¹, uma vez que os problemas importantes da época era a revogação das leis discriminatórias a respeito da homossexualidade. No fim dos anos setenta, homossexualidade era ainda considerada perigosa socialmente. Era vital forçar ações legais, as quais Gaipied, entre outros grupos, estavam fazendo. Esta lei foi sancionada em 1982. Desde o início da década de 70, eu presenciei suficientes demonstrações nas quais a esquerda estava perpetuando o velho e cansado machismo, só então percebi que não havia tanta diferença entre a polícia e a esquerda em relação às questões gays, nem mesmo em relação à formação. Em um de meus diários filmados Disjet (1979-82), eu inclui algumas tomadas de uma demonstração por direitos igualitários para os gays; esta demonstração aconteceu uma semana antes da eleição presidencial de 1981.

Disjet boys kiss

No final de 79, eu já havia percebido a importância de ter espaços além da faculdade para expor filmes experimentais. Naquele ano, tendo ganhado mais dinheiro que normalmente ganhava, eu decidi investir num lugar onde eu pudesse organizar mostras de filmes. Essa primeira experiência foi um interessante fracasso. Eu paguei o aluguel do filme, porém a audiência era escassa e a área na qual organizei o 10º Arrondissement ainda não estava tão na moda, e as pessoas ainda não tinham o costume de ir la para ver filmes ou ao menos arte, como o fazem agora. Eu tomei conhecimento de que a experiência deveria ter sido organizada em um nível coletivo e não um impulso individual como eu fiz. Obviamente o conteúdo do programa era muito respeitoso em relação às tendências oficiais e pecava na falta de liberdade de acordo com suas seleções. Chamou muita atenção para uma tendência em particular nos filmes, ignorando a diversidade da atividade, cuja tinha uma grande importância naquele dado momento. Isto me deixou atento ao fato de que, como programadores, nós éramos muito dependentes da disponibilidade de trabalhos disponíveis pelo país. Se você não tivesse contatos com cineastas ou organizações fora da França, você simplesmente repetiria a história de sempre com umas pequenas variações e recombinações. Quando estava envolvido nessas projeções, e ao mesmo tempo escrevendo e fazendo filmes, eu não tinha um entendimento claro do que não estava funcionando, mas eu podia alguns aspectos. A área de filme experimental na França era considerada um campo de batalha entre teóricos mais velhos, críticos e cineastas, e uma nova geração que surgiu no começo dos anos 70. Se você fosse um cineasta mais jovem, não era fácil de aceitar que a cena existente duplicava os conflitos uma vez vivenciados no mundo da arte ou com os movimentos políticos de esquerda. Era um campo minado. Você poderia decidir fechar os olhos para tal realidade e se tornar um cineasta, um artista, ou você poderia entrar na luta e tentar fazer algo a respeito. Eu escolhi o segundo caminho como uma alternativa ao abandono ou a uma situação tolhida. Isto me levaria à criação de uma nova cooperativa em 1982, chamada Light Cone².

A criação dessas séries de projeções refletiam meu desejo e meus esforços para ver mais filmes. Se você não possuísse um projetor, vir trabalhos fora de um museu, cinema, sociedade de cinema era quase impossível. Eu tinha a necessidade de ver mais trabalhos. Fora do domínio das projeções privadas, onde cineastas mostravam seus trabalhos entre eles, descobrir novos trabalhos era difícil, nós tínhamos pouco acesso ao grande acervo de filmes. Você tinha que ir onde os filmes estavam disponíveis, ou exibidos, o que implicava em viajar ou, você tinha que criar as possibilidades de exibição dos filmes. Por outro lado, as projeções privadas podiam se tornar eventos nos quais os limites do cinema na sala de cinema podiam ser ultrapassados através da experimentação com projeção. Esses eventos íntimos ao mesmo tempo em que definiam um território inseriam a diversidade de grupos de uma comunidade. Era la que você podia perceber que você pertencia a uma comunidade de filme experimental, onde você podia encontrar comunidades semelhantes pelo mundo a fora. Estas trocas eram importantes, pois elas afirmavam a vitalidade e urgência do que estava sendo criado. Apesar das dificuldades em ser reconhecido no mundo das artes e dos filmes, uma cena underground oferecia uma oportunidade de estabelecer uma via, e, ao mesmo tempo indicar caminhos a serem esclarecidos. Dava-lhe a energia necessária para seguir em frente (para então fazer filmes) para constituir um cenário como um todo.

Apesar de ser relacionado à minha vida pessoal, meu desconforto não era o único foco do filme experimental. Decisões haviam de ser tomadas, para se libertar desse jeito de lidar e realizar as coisas. Minha programação baseada em oportunidades oferecidas era: ir à Inglaterra e Estados Unidos ver trabalhos e vivenciar novas realidades. Fui convidado por Adicinex³ para fazer parte do seu grupo principal, eu comecei a programar semanalmente, o que me deu a oportunidade de entender de um modo diferente a economia do filme experimental e me forçou a perceber que eu deveria criar neste mundo um espaço vivo sabendo que eu não ganharia o dinheiro para sobreviver com os filmes. Eu sempre teria que fazer algo mais para conseguir continuar fazendo filmes e promover o tipo de filme que gostava. Em cinco anos, o número de empregos que tive era tão numeroso quanto o número de flats que vivi ou ocupei até 1985.

Os anos de 1985, 86 e 87 foram importantes, pois Light Cone e Scratch4 começaram a trabalhar com outras instituições, lidando com filmes em uma escala maior. Colaboramos na organização de eventos e publicações de catálogos para a Cinemathèque Francesa e o MoMA (NY) entre outros. As negociações de uma série de filmes de música e seu catálogo com a Cinemathèque Francesa viria a dar uma amostra do que iria vivenciar alguns anos depois, ao lidar com o departamento legal do Centre Georges Pompidou para minha instalação Des rives (1998), feito com um empréstimo. A fim de que o catálogo de Monter/sampler fosse publicado eu teria que assumir responsabilidade total pelo seu conteúdo visual; sem meu aval, o catálogo não teria sido co-publicado pelo Centre Pompidou. Em meados dos anos 80, o jogo mudou: para fazer parte do mercado e realizar coisas ou você aceitava as regras impostas ou você era um forasteiro. Nós jogávamos dos dois lados. Esta postura criou um trauma em pessoas que tinham o costume de fazer as coisas a sua maneira, em seu próprio ritmo fora do mundo da arte e do filme. Essas mudanças eram difíceis de acompanhar e não eram inteiramente compreendidas, criando contradições e conflitos na Light Cone e Scratch, bem como na minha prática pessoal. De fato, eu não tenho certeza por que não lidei com essas contradições para assumir certo profissionalismo contra o qual eu sempre me rebelei. Era mais fácil assumir certas estratégias com um propósito coletivo do que no âmbito pessoal. Eu assumi essas dificuldades como um fardo na maioria das situações onde a realidade econômica podia sofrer uma guinada, ser mudada ou transformada pelos projetos, como o projeto do Festival de filmes de Gays e Lésbicas do American Center nos anos 90, no qual participei como assistente de curador (no fim dos anos 70 e 90), e o B³.

Quando fui ao Rio para participar do show « Arte Cinema », em Dezembro de 1997, do qual fiz parte da co-curadoria, eu não sabia que conheceria um artista, que em alguns anos, mudaria minha vida. As exibições dos filmes foram formatadas de forma densa: duas semanas de programação sobre o filme experimental dos anos 60, dos anos 79 na Europa, América do Norte e Brasil.

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Aqueles que estavam presentes nas exibições descobriam e compartilhavam o seu entusiasmo por esse tipo de cinema. Na primavera e outono daquele ano, passei cinco meses em Nova York fazendo Des rives. A fim de manter uma comunicação entre Brasil e Estados Unidos, nós utilizados extensivamente a internet, o que era relativamente novo para a maioria das pessoas na época. Para se conectar, o modem fazia uma série de sons, que transformava aquilo acima de tudo em uma experiência auditiva. Durante minha estada no Rio, eu pude assistir, pela primeira vez, uma grande quantidade de filmes brasileiros experimentais e marginais, que normalmente não eram exibidos na Europa ou América do Norte, fora um ou dois programas específicos que não pude participar uma vez que eram em cidades diferentes de onde estava. Uma vez, por exemplo, em junho de 1989, estava em São Francisco enquanto Arthur Omar exibia um programa de filme experimental brasileiro durante o Experimental Film Congress em Toronto. As escolhas feitas para o congresso foram criticadas pela geração mais jovem5, decidi então boicota-lo e fazer um tour pelos Estados Unidos com meus trabalhos da época.

O ano é 1981. Eu devo entrevistar Paul Sharits. Vamos passar a manhã juntos, mas a entrevista ocorrerá apenas à tarde. O lugar era Hyères, que havia recebido o Festival du cinéma différent por muitos anos. Após esse primeiro contato, Paulo e eu nos encontraríamos de tempos em tempos em Paris ou Buffalo. Na época de sua criação, Paul Sharits e Malcom Le Grice estavam entre os poucos cineastas que concordaram imediatamente em ter seus filmes distribuídos pela Light Cone. Seu acordo era um ato político; para que outras histórias pudessem ser contadas, seu reconhecimento possibilitava a quebra dos padrões de distribuição como eram feitos até então. Naquele tempo, os cineastas britânicos recebiam um reconhecimento limitado de seus trabalhos na França. O fato do London Coop também ser um laboratório, parecia degradar o trabalho, tornando-o menos interessante. As políticas eram claramente diferentes; a distinção entre diferentes categorias de filmes existia no Reino Unido, mas não eram abordadas da mesma forma. E apesar da separação do chamado « two avant-gardes » incentivado por Peter Wollen6, as políticas do cinema não eram compreendidas da mesma forma. Neste sentido, o gesto de Malcolm Le Grice e posteriormente o de Peter Gidal, se tornaram declarações. Rose Lowder e Alain Alcide Sudre que eram ligados ao cenário inglês e organizaram várias exibições em Avignon onde moravam, facilitaram o depósito de seus trabalhos.

A Light Cone viria a distribuir filmes que não era possível encontrar na França. Isso era essencial para nós. Era o nosso raison d’être. Nós recepcionávamos diferentes práticas, tendo uma atitude diferente de outros centros de distribuição na França relacionado a diferentes gêneros de filmes: não promovendo alguém mais ou contra o outro, mas criando um espaço para a diversidade coexistir. Não era mais hora de promover apenas uma tendência única, quando questões sobre gênero, raça, minoria e o cenário punk estavam transformando nossas formas de pensar, lidar e fazer arte. Filme não podia ser uma exceção à realidade e não era; o problema era dar uma chance a essas diferenças. A França era nesta época – se mudou muito é outra questão – um país totalmente dobrado sobre si mesmo, vivenciando grandes dificuldades em se abrir para o mundo, na percepção de muitas pessoas a mitologia francesa dominou e levou a tendências estéticas e pensamento crítico. Teve seu papel, mas não o que as pessoas imaginavam. Mutação através de apropriação e redistribuição de conhecimento eram ferramentas que deveriam ser utilizadas para remodelar as coisas em outras culturas. Essa ruptura era particularmente óbvia dentro dos filmes experimentais. A França estava de certa forma por fora do pensamento crítico da época. Questões relativas ao feminismo, estudos culturais, colonialismo, estudos de gênero – nomeando alguns apenas – eram território desconhecido. Nada estava disponível. Se você não lia inglês, era simplesmente impossível para você ficar a par do que acontecia, e não apenas no território dos filmes de estúdio. Cada show que eu vi fora do contexto histórico francês foi uma nova experiência: Derek Jarman, Scott e Beth B, Erica Beckman, Barbara Hammer, Su Friedrich, Peggy Ahwesh. Cada um deles lidava com um conteúdo novo.

EPSON scanner image Este tipo de trabalho tinha que estar disponível e isso apesar da questão linguística, a qual era uma importante barreira de circulação dos trabalhos. Infelizmente esses tipos de limitações devido a barreiras linguísticas sempre entravam em jogo; eles dificultavam a criação de programas. Eu me lembro de algumas cartas histéricas reclamando sobre Scratch ou a exibição de filmes americanos no Centre Georges Pompidou sem legenda9, afirmando serem políticas elitistas. Era impossível evitar o nacionalismo e atitudes protecionistas, que refletiam o acesso confuso do colonialismo e a dificuldade em admitir o declínio cultural. Estas mesmas pessoas não comentavam sobre as políticas do arquivo de filmes exibidos sem legendas: Henri Langlois defendeu tais exibições. Coincidentemente tal irritação parecia sempre se aplicar a filmes em inglês. Este argumento era utilizado contra o nome Light Cone: Por que usar um nome em inglês para uma cooperativa de filmes localizada na França? O nome era por sinal, uma dupla homenagem: por um lado para o excepcional trabalho de Anthony McCall, e do outro, era uma referência a um baseado. O nome prestava homenagem a diferentes fontes de prazer.

Após fazer Sid A Ids (1992), um amigo fez com que fosse possível eu fazer algo novo. Ele me deu total acesso a uma sala de edição de vídeo e um assistente para ajudar a finalizar o trabalho. Em 1996, utilizar uma sala de edição de vídeo era caro e reservado a grandes produções. Meu amigo trabalhava como diretor artístico da Mikros Images em Paris. Eu comecei a ir la à noite para colocar o texto que usaria e para preparar todos os elementos necessários para o aspecto visual do filme; o som estava sendo feito em outro lugar onde eu podia usar um estúdio de gravação. Este projeto se tornaria Still life, e foi finalizado em 1997. Uma importante fase do trabalho foi determinar a forma de seus componentes: texto, cor, velocidade, direção e o uso de elementos textuais como quadros estáticos, textos rolantes e palavras piscantes. Com a ajuda de Camille, a técnica, eu pude finalizar o aspecto visual de Still life. Nós percebemos que a fita deveria ser criada como uma forma de performance. Tudo deveria marcado no esboço em relação à duração, reduzido ao número de quadros, mas tinha que ser feito como se fosse uma performance ao vivo. Tudo tinha que ser testado. Levou um final de semana completo para dar conta do trabalho. Houve apenas alguns erros a serem consertados no final das contas. A intensidade daquela experiência transformou o processo de realização daquele filme. Stress e improvisações eram coisas que eu já havia vivenciado ao fazer filmes multi-telas, utilizando projetores de 16 mm. Esta experiência será renovada com Des rives e a utilização de um computador para Tu, sempre (2001). Este ato de estender o trabalho estendido expandiu-se em um ato de recepção, dando-lhe alguma relação com o vídeo, onde o atraso entre as gravações e ver o resultado foi praticamente abolido. Para mim como cineasta, foi uma maravilhosa revolução…

Em 1993, a exibição de instalações de filmes no Zonmée (défilé de film decadré) se tornaria importante não apenas no cinema experimental, mas também em uma pequena panelinha do mundo da arte parisiense. Isto criou a oportunidade para certos trabalhos serem vistos fora de casas de música e locais alternativos e teve como efeito a mistura desses vários tipos de audiência. O evento ocorreu numa grande ocupação artística em Montreuil na qual estive envolvido por um ano e meio fazendo exibições de filmes e instalações. Consistia em uma exibição de instalação de filmes e tardes de expanded cinema. A mistura da população artística com as pessoas do filme era algo incomum, especialmente em relação à localização do evento na periferia de Paris, bem no final da linha de metrô, porém a dinâmica e os conceitos dos eventos vespertinos eram fortes catalisadores. A mistura de projetos contemporâneos com trabalhos históricos criou as melhores condições de recepção, marcando a continuidade através da ruptura e êxtase.

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A exibição vinha sendo complicada de montar; nós tínhamos que ter certeza que teria energia suficiente para todos os equipamentos funcionarem naquele período de inverno antecipado. O lugar era uma ocupação, e os três andares tinham 300 metros quadrados cada. A escolha da obra foi destinada para refletir a diversidade da pratica atual em formas diversas em relação a alguns trabalhos históricos de Paul Sharits, Anthony McCall, e Tony Morgan.

3799Nosso objetivo era mostrar que artistas dos anos 90 com o seu « cinema d’exposition« 10, não estavam criando do zero, e que havia precedentes, os quais exploraram outras formas de fazer e pensar a respeito de instalação de filmes, usando uma tira de filme, tela e projetores como ponto de partida e não o cinema como um conceito, ou um objeto de investigação para um projeto artístico. Nós queríamos promover o diálogo entre práticas alienadas eventualmente negadas por razões que não tinham nada a ver com filme, mas muito a ver com o mercado da arte e seu fetichismo do objeto, sua produção. Aqui, a mudança para a nova tecnologia era uma importante forma de fonte de dinheiro no mundo da arte. Por sinal, durante os anos 80, o filme experimental era o pária das artes, tudo era para o vídeo, e todo mundo estava declarando o cinema morto, o qual nós sabemos, ainda não foi queimado e continua vivo em diferentes formas. Com isso em mente, as escolhas de trabalhos se tornaram mais fáceis e a re/construção de algumas peças como as instalações de Tony Morgan, dentro do espaço ofereceram uma variedade de links entre os anos 70 e a arte dos anos 90. Uma performance de Maurice Lemaître para um grande público diverso criou conexões não apenas com a poesia, mas também mostrou a importância da presença do artista. Foi interessante estabelecer este trabalho com respeito a trabalhos similares feitos por cineastas materialistas-estruturais ingleses.

Em meados dos anos 80, eu percebi que eu não iria escrever sobre filme experimental para a Gaipied. A revista, que estava aberta a todas as modalidades, estava progressivamente marchando em direção à cultura de consumo, a qual o filme experimental não pertencia. Qualquer um podia perceber isto, em qualquer exibição de filmes gays. Não havia muito interesse nos filmes que não se encaixavam no padrão dos trabalhos canônicos de Jean Genet, Kenneth Anger e Jean Cocteau. Quando estávamos exibindo alguns trabalhos de Warhol, foi a sua raridade, que os fez ser apreciado, enquanto eles não fossem mudos ou muito longos. Quando a manipulação das imagens era intensa como nas sequências de filme pornô gay de Tom Chomont, Luther Price, Edson Barrus ou Lawrence Brose (que ainda enfrenta um surreal caso de posse de imagens de pornografia infantil)11 a impaciência rapidamente podia ser percebida. Experimentos com o conteúdo da imagem, o fato de parte da imagem ter sido apagada, arranhada, transformou o objeto de desejo. Estas estratégias perturbadoras empregadas no espetáculo criaram uma frustração que foi oposta ao que é natural ao cineasta experimental. A inclusão do cinema experimental no festival de cinema gay e lésbico foi uma concessão feita a fim de promover uma diversidade superficial; foi aceito contanto que permanecesse “menor”.

Escrever se tornaria outro meio para mim através dos anos, um modo de promover trabalhos individuais ou tendências. O primeiro artigo que escrevi foi para a revista Melba, uma revisão do livro Abstract Film and Beyond12 de Malcolm Le Grice. A crítica latente do modo de abordagem materialista ao cinema poderia ser explicada pelos diferentes hábitos na produção de filmes nesses dois países (Inglaterra e França). A missão era desafiadora, porém o escopo do histórico de cinema do Malcolm oferecia conexões interessantes entre a produção de pintura abstrata e filme. A crítica da figura do autor como o produtor principal do trabalho, era desafiadora como uma reafirmação no campo do cinema, e a ideia de Marcel Duchamp onde o espectador dava sentido ao trabalho. Esta questão do espectador era uma questão importante para Le Grice, mas secundária para os cineastas parisienses.

Escrever para a imprensa gay foi outro envolvimento através do qual eu articulei minha identidade: sendo gay eu também estava defendendo o tipo de trabalho no qual eu tinha um papel ativo. Era como sincronizar duas identidades. Era impossível não reconhecer que no filme experimental, você podia encontrar a melhor representação de sua própria vida, seus próprios desejos. Não era Hollywood ou La nouvelle vague que estavam disponibilizando estas imagens de nós mesmos (ou raramente), porém o mundo do filme fora do circuito principal era onde as diferenças eram rotineiramente mostradas, expressas nos trabalhos de Watson e Webber, Kenneth Anger, Gregory Markopoulos, Jack Smith, Jean Genet, Jane Oxemburg, James Bidgood, Andy Warhol. 13 Os anos 70 e 80 continuaram sendo uma importante fonte de produções de tais imagens paralelas à nascente indústria pornô gay, utilizando como meio uma super 8, notável no trabalho de Lionel Soukaz, Maria Klonaris & Katerina Thomadaki, Derek Jarman entre outros.

O uso de texto sempre se fez presente nas minhas filmagens. Teve sua primeira aparição quando estava fazendo o meu primeiro 16 mm de 1974, chamado Voici Image. Desenhando diretamente sobre o filme de 16 mm, do qual consegui tirar das imagens gravadas com muito esforço, eu pensei que eu pudesse reduzir minha tese de mestrado em filosofia sobre cinema, a meros conceitos, que oscilavam entre quadros coloridos e linhas que se torciam. Texto, palavras e sentenças como imagem, era uma contínua fonte de inspiração. No início, palavras de placas de trânsito, ou grafite nos metrôs de diversas cidades estavam presentes em alguns filmes14 e nos meus diários. Com Divers-épars (1987), a questão do significado se tornou importante. Eu estava juntando os grafites nos prédios de Paris com comentários gays e sociais, os quais pareciam uma forma de expressar a raiva contra a sociedade, que se direcionava a economia neoliberal, com sua cultura ao dinheiro. Alguns textos eram provocativos, transformando a fachada nos quais foram escritos em uma parede militante.

Ao desenhar ou arranhar o filme na emulsão, devido ao espaço limitado na tira de filme, a presença da mão, o gesto de escrever, o traçado de sua duração geravam interesse, mas era menos óbvio com filme. Estes sinais de excesso eram agradáveis; eu queria ter um registro de alguns desses momentos e atos de produção literária. Em outros filmes, a presença de texto é essencial, e põe em jogo a escolha da tipografia, ritmos de aparição e a estrutura do texto, palavra por palavra, ou linha a linha… Em Vo/id (1985-87) eu usei duas telas, uma para cada língua (Francês , Inglês), oferecendo possibilidades que seriam expandidas com Still Life (1997) e Hezraelah (2006). Ler um texto em um filme difere de ler um texto impresso, pois a duração não é produzida pelo leitor. Ela não sabe por quanto tempo essas palavras, linhas e textos rolando irão ser visíveis. Esta indeterminação criava uma urgência no processo de leitura. Isto se tornou ainda mais complexo quando dois textos paralelos eram apresentados em diferentes velocidades. Nossa visão estava confusa, então começamos a divagar com dúvida em relação a textos como imagens. Texto como imagem era usado eventualmente em pintura, fotografia, mas com filme e vídeo, era possível refinar seu aspecto de apresentação, sua duração e criar uma espécie de poesia musical utilizando modulações de velocidade, tamanho das letras e sua localização na tela. Ao utilizar texto no filme, você prioriza o aspecto gráfico do filme ao invés do aspecto fotográfico. Esta separação próxima a um deslocamento do símbolo gráfico, sua afirmação como evento cinematográfico, permeia muitas das questões do cinema digital, para o qual aspectos tradicionais da cultura cinematográfica pareciam obsoletos, ou menos importantes. Tratamento, movimento, a compondo a retomada da imagem, transformando nosso entendimento da definição de cinema, mas ao mesmo tempo expandido-a ao digital. Ao trabalhar com texto como imagem lhe faz consciente em relação a estas metamorfoses, as quais usamos diariamente sem prestar atenção.

A programação e sua multiplicidade e versatilidade.

Como permear espaços que não eram abertos a este tipo de filmagem, e como levar ao limite e quebrar o código aceitado. Programar como uma forma de resistir e remodelar o lugar do filme com a inclusão de práticas ocultas e desconhecidas. Isto significava articular diferentes tipos de intervenções com diferentes públicos ou instituições. Enviar um programa a um museu onde seria mostrado uma vez por semana era diferente de fazer um programa ou sua curadoria onde você traria os projetores, o filme e introduziria o trabalho. Como qualquer outra cooperativa de cineastas, nós tivemos que encontrar formas de lidar com diferentes solicitações, em relação ao conteúdo dos filmes. As locações variavam de espaços em museus higienizados a galerias alternativas, ocupações, exibições ao ar livre de filmes etc. Ficou decidido que não haveria hierarquia entre os locatários em relação ao preço do aluguel e que o equipamento tinha que ser no nível padrão, o que às vezes significava em emprestar um projetor a fim de que as reproduções estivessem seguras. Era inicio dos anos 2000, 70% das locações de filmes eram para espaços alternativos. Como o cenário não estava muito forte nos anos 80 era importante manter a visibilidade para o trabalho e um acesso aos filmes através de uma exibição semanal, a fim de estimular outros lugares a se aventurarem neste campo do cinema. Este é o motivo pelo qual Scratch surgiu. Também era importante garimpar, para procurar filmes bem como sugerir programas para espaços diferentes. Neste sentido, trabalhar com museus era importante, pois era possível contestar a visão de que imagens em movimento eram limitadas a vídeo-arte, mostrando o que estava disponível por aí.

É sempre interessante perceber o quanto podemos aprender com nossos erros, de ocorrências anormais que acontecem, enquanto nós estamos fazendo um trabalho ou enquanto tocando no sentido de atuar ou interpretar uma peça musical. Nem todos os erros necessariamente são interessantes, porem alguns podem ser utilizados quando você se torna consciente em relação a suas possibilidades, quando você percebe seu potencial. É uma questão de experimentação. Enquanto eu estava filmando R (1976) um erro aconteceu e pude tirar grande vantagem dele. Mais tarde, quando eu fiz a versão de quatro telas, eu podia fazer este cone girar dentro da imagem composta (dividida em 4 partes, cada uma refletindo a outra, de acordo com as regras musicais da composição). Quando eu transferi Shibuya (2003-04) da fita ao computador erros começaram a ocorrer de maneira similar, decompondo e se separando da reprodução fiel do que foi capturado. A ruptura dentro da duplicação da imagem inicial criou uma supressão do tempo no momento que paralisa a representação de espaço. Esta mudança e ruptura na leitura da fita desorganiza e quebra a fluidez, a linearidade da gravação para se impor perante o quadro; o ato de reprodução tinha como um parasita o pixel. Eu não tinha pleno conhecimento que esta interpretação dispersa era um glitch.

shibuya 2Eu tive que lutar com o computador para conseguir fazer uma fita editada com os fragmentos da filmagem que eu estava tentando organizar, misturando fluidez com momentos de quadros de pixels congelados. Por sinal, o termo era possível ser encontrado na cultura geek, mas não era utilizado no domínio estético15. Eu conheci um técnico que estava analisando a fita antes de fazer a fita mestre de 1 polegada enquanto finalizava Still Life. Ele ficou horrorizado, não pelo seu conteúdo, mas pelo grande contraste e cor presente na fita. Para ele isso era esquisito e não poderia ser televisionado, pois excedia o alcance cromático normal de transmissões na televisão. O cinema tradicional e a televisão estavam sempre impondo pseudo regras em nome da reprodução técnica, que é apenas uma questão de regras impostas, um controle tecnológico para diferenciar o amador do profissional. Cada vez que eu tentava fazer a cópia final de Shibuya, apareciam novos quadros congelados que eu queria integrar ao trabalho. Eu não tinha certeza se era possível reproduzir esses acontecimentos fora do normal, como também não tinha certeza se o filme rodaria pelo mesmo motivo. Isto aconteceu quando eu fiz a instalação do trabalho para o Le Mouvement des images16. O técnico achou que a fita estava estragada, e disse que eu devia ter entregado a eles uma fita boa; ele simplesmente esqueceu que eles já haviam feito as cópias para exibição e já haviam comentado sobre este fato estranho.

Em Disjet, eu quis criar uma nova maneira de edição na qual a imagem rolaria na diagonal, este tipo de movimento foi criado ao cortar a tira de filme na diagonal os mais de 36 quadros. Era uma forma de gerar deslocamento na imagem em movimento. Eu costumava exibir o original, pois devido à fragilidade da tira de filme editada e o corte entre o positivo e o negativo utilizado para esse deslocamento dificultaram a obtenção de uma cópia, até que Rose Lowder pagou pela única cópia do filme em distribuição. Esses movimentos, a proposta das tiras de imagens era um objeto de fascinação para mim. O deslocamento de imagens paralelas no mesmo quadro era do meu interesse/ e era visto em vários filmes e vídeos que eu fiz apesar de suas diferenças específicas de aparências. As pessoas veem o seu trabalho através de óculos codificados pela história da arte e conceitos relacionados à figura e a ideia do artista e seu trabalho. Não é apenas uma questão de estilo, porem o trabalho era determinado pelos processos e pelos dados. Era possível perceber isto no trabalho através da minha produção, apesar de sua diversidade visual. O movimento da imagem como uma faixa ou uma listra seriam mais presentes em trabalhos como Enjeux (1984), Eliclipse (1982), Sans Titre 84, New York Long Distance (1994), Des Rives. Este tipo de movimento é utilizado em filmes-texto que usam linhas de texto passando, rolando em velocidades diferentes. Porém para alcançar a ideia que tinha em mente levou um longo tempo. Primeiro eu tive que parar o movimento da imagem para entender como eu poderia criar uma lateralização dentro quadro. Eu só consegui juntar estes movimentos diferentes dentro do quadro e nas diferentes tiras de filme compondo o quadro, ao começar a utilizar uma impressora ótica. As sequências da performance de Des Rives foram feitas no verão de 98, em Grenoble com Christophe Auger (da Cellule d’intervention Metamkine17). Eu queria que a imagem funcionasse como um limpador de para-brisa. Nós conseguimos fazer isso para a instalação de Des Rives e aperfeiçoamos mais a frente para performances que precisavam de loops, com diferentes limpadores que utilizei para fazer uma coreografia entre o movimento e a varredura da imagem. A imagem por se tratar de um raio de luz, ia para frente e para trás, dentro do enquadramento alternando com o movimento do feixe. Você poderia induzir o movimento e torcer os dois movimentos para dentro e para fora do enquadramento. Esta era outra maneira de trabalhar com eventos simultâneos.

A maioria das curadorias que fiz foi motivada pelas minhas pesquisas ou investigações de tópicos que fiz em relações ao meu próprio trabalho. Musique Film18 estava relacionado com o conteúdo da minha tese de PhD e era nutrida pelos filmes que estava fazendo, como R entre outros. Mot: dites, Images19 tinha seu texto motivado em meu trabalho e especialmente por Vo/Id. Enquanto Le je filmé20 era organizado no Centre Pompidou, com Jean-Michel Bouhours, que foi inspirado pelo interesse que eu tinha em filme diário. Eu vinha fazendo filme diário desde o começo da minha atividade de cineasta, como uma forma de distração, uma forma de criar memórias. Meu trabalho nesse tipo de trabalho, começou em 16 mm, então mudou para super 8, que era mais fácil de usar e mais intima. Também era mais barata que a 16 mm, principalmente por que estava criando um depósito de imagens, das quais eu podia retirar depois, quando necessário, ao fazer um projeto específico. Desde então, a super 8 se tornou uma filmadora e depois um celular.

O uso de found footage no meu próprio trabalho e seu uso recorrente por cineastas no final dos anos 80 e 90, me intrigou de tal forma, que eu fiz uma curadoria de alguns mostras em torno desta questão21. Cada um desses programas extensos foi reduzido, modificados, adaptados para outros locais. O propósito desta série era focar em um tema e um público mais amplo, que estava menos envolvido com o filme experimental que com artes ou música.

Cada um destes tópicos se tornou um cenário para investigação, envolvendo a busca por filmes raros, obtendo cópias de arquivo e solicitando a recriação ou recuperação de trabalhos e eventos. Por exemplo na noite de abertura de Musique Film se viu uma recriação de uma exibição de 1925 em Berlin onde os trabalhos expostos eram apresentados com musica ao vivo. Precisamos-nos recriar Ballet Mécanique (1924) com a musica de Georges Antheil, bem como sincronizar os filmes Opus (1921-25) de Walther Ruttmann com sua musica22. Se o Centre Pompidou era receptivo, seria em parte devido ao curador de filmes, que como cineasta estava sempre interessado em expandir seu programa, recebendo curadores e cineastas para mostrarem seus trabalhos.

O programa não estava limitado pelos meus próprios interesses e pesquisa, era também motivado pela necessidade de atuar no cenário internacional, a fim de que institutos de filmes franceses respondessem a pedidos de outras instituições. Outra series foram motivadas pela necessidade de exibir trabalhos que por muito tempo não estavam disponíveis, como os filmes de Len Lye, Lazlo Moholy-Nagy ou Gregory Markopoulos23, para os quais fiz em 1995, fiz a curadoria de uma retrospectiva em 1995, a primeira deste gênero desde o fim dos anos 70. Criar condições para receber estes trabalhos, significava destilar a pratica de cinema, para que ele pudesse induzir, estimular, aliviar, transformar, gerar emoção, trabalho e desejo por tais trabalhos. Todas estas atividades da curadoria, geraram escritos de minha parte. Alguns destes programas viajaram para fora do país, enquanto outros eram organizados para eventos específicos, a fim de criar um panorama do filme experimental Frances, ou eram inspirados em algum programa que eu havia organizado no passado. Por exemplo, parte de Le Je filmé, foi a Bucareste para um programa de uma semana, e depois foi a Utrecht, enquanto outros programas como o que falava sobre filme e vídeo arte na China e Taiwan foram de Paris a Berlim e então para outros vários lugares.

Quando estudante, escrever pra mim sempre foi insuportável, então nunca imaginei que eu escreveria tanto. Eu entendia desta pratica era que você tinha que seguir regras rígidas e uma retórica que eu não estava acostumado, e não apenas isto, ortografia era um pesadelo! Diferentemente de Jonas Mekas, eu não tinha habilidade para escrever poesia e eu não sabia como organizar meus pensamentos… então escrever continua sendo um desafio, mas com o aparecimento do computador, eu percebi que poderia escrever sem deixar rastros. Isso mudou o modo como eu via isto, me libertou de certa forma dos limites existentes e restrições. Eu posso escrever e apagar ao mesmo tempo, ou com alguma demora. Escrever no computador é de uma natureza não materialista, transformou e abriu a experiência para mim numa maneira similar como o vídeo modificou o modo de pensar de Hollis Frampton sobre filme e vídeo e suas diferenças, especialmente em relação à espera que você vivencia antes de olhar o que foi gravado.24 Com o interesse em alta pelo filme experimental e a apropriação pela academia, o cenário mudou bastante. A academia impõe suas próprias regras no seu domínio. Por exemplo, uma tendência era afixar, ligar, assegurar a cultura do filme experimental com as artes clássicas ou literatura. Certamente é sedutor, mas nem sempre pertinente. Tem mais a ver com demonstração de conhecimento do que o conhecimento do trabalho em si. Trabalhar com filme experimental não significa necessariamente que você tem que lidar com historia da arte tradicional, porém para alguns trabalhos pode ser pertinente. Eventualmente, filmes experimentais são analisados em relação a historia da mídia, ou historia do filme, o que pode ser outra forma de reduzi-los a um gênero.

Na realidade, eu continuo não me sentindo confortável com este tipo de entendimento e escrever implica numa falta de urgência. Eu escrevi para informar, compartilhar e alavancar trabalhos. Eu escrevi para mostrar outra visão dos trabalhos produzidos sob o âmbito do filme experimental; uma enciclopédia não fazia parte do projeto. O importante era definir as regras, transformações, ajustes e redefinições por quais os filmes estavam fazendo para manifestar sua resistência, sua experiência em confronto com as experiências diárias no entretenimento que visavam uma lavagem cerebral. Escrever sobre filme era e continua sendo uma forma de se firmar e lutar por uma alternativa a aos modos dominantes de pensar com e sobre imagens que se movem. Ao fim dos anos 80, para promover o trabalho de Cécile Fontaine, era necessário mostrar que esses outros modos de fazer filme, utilizados por ela, eram de fato possíveis ao mesmo tempo que defendiam a proposta de aproximação serialista do trabalho de Rose Lowder, na qual se fazia necessária mostrar uma continuidade histórica. Os escritos podiam ser desajeitados! caricatos, mas sempre reagiram as dificuldades da tarefa. Estava sempre em curso, assim como a área e as obras, que nela habitam.

Escrever compartilha com a programação e a distribuição um tipo de investimento no estabelecimento e na manutenção do cenário, e isto faz parte de uma forma de ativismo. Coletaando obras para exibir ou para distribuir bem como vendo trabalhos e revisando novas publicações era outro aspecto do fazer filme no sentido que demonstrava o dinamismo do campo. Neste sentido, entrevistas com cineastas era essencial; davam uma visão de suas obras e seus pensamentos. Minha primeira entrevista foi com Paul Sharits, depois com Robert Breer, Barbara Hammer entre outros, e ultimamente com Tony Wu, Wayne Yung. Algumas entrevistas – por exemplo a com Mike Hoolboom – gerou trabalhos colaborativos. Através dos anos você podia reconhecer certa fidelidade a um grupo de artistas com os quais eu trabalhava. Mais recentemente eu foquei em artistas menos renomados como José Agrippino de Paula, Mark Morrisroe, Jomard Muniz de Britto e artistas ainda menos conhecidos que eles.

Quando eu anunciei a chamada para SiFilmDa em 1992, eu pensei que era urgente que cineastas de filmes experimentais reagissem (re/act) politicamente. Parecia uma afronta presenciar a morte de tantos artistas, amigos, amantes ou indivíduos anônimos e não fazer nada no nosso meio. Baseado na ideia de que cineastas de qualquer espécie poderiam reagir, lancei este chamado que demorou um tempo para se tornar algo concreto, mas no fim das contas foi bem. Parecia que a separação entre o “two avant-gardes” era tão profunda, que havia uma recusa para trabalhar com conteúdo político naquele momento. Havia uma grande lacuna entre o que ocorria aqui e o que ocorria mundo afora, como os cineastas estavam começando a agir e reagir a fim de produzir outras representações para ir de encontro com a cobertura histérica da mídia que duplicava e expandia o moralismo da intolerância. Na frança nem isto estava acontecendo. Com a criação de Aides (1984), Positiv e Act-up Paris (1989), as coisas começaram a mudar, e as questões de representações se tornaram um problema por si só. Porém no reino do filme experimental, apesar das doenças e mortes, a voz dominante que poderia ser ouvida, estava muda. Uma cegueira visual (?). A demora na tomada de ações contra a AIDS, e mais especificamente dentro do filme experimental, exemplifica de outro modo às dificuldades que se enfrentam ao tentar superar as divisões entre as práticas. A natureza do ativismo variava de um país para outro. Não era habitual na comunidade do filme e do vídeo compartilhar a luta. Mas isto mudou.

Com B³ o objetivo foi incluir filme experimental numa história mais ampla, que não se restringisse a um suporte específico, mas que abrangisse as artes baseadas no tempo. Tal projeto destina-se uma articulação diferente dos filmes, e enfatiza os aspectos da instalação bem como uma abordagem pedagógica com palestras nas quais seria enfatizado a história global. Por estas razões, cada exibição tem um momento específico no qual nós contextualizamos a obra enquanto no resto do tempo o artista fala sobre seu trabalho. O projeto B³ foi resultado de um desejo compartilhado meu e do Edson, que era fazer algo onde nós poderíamos usar nossa experiência no meio da arte e do filme e com organização de eventos a fim de fazer possíveis encontros, conversas, exibições. Nosso envolvimento na criação desses espaços de arte e eventos (“Rés do Chão”, “Açúcar invertido”, “Nos Comtemporâneos25) ou espaços de filmes (Light Cone, Scratch…) formou a base da experiência para tal iniciativa, da qual eu comecei como iniciativa, a qual nós continuamos a modelar e redefinir ao longo do caminho. O fato de nos sermos amantes e de que nesses últimos 12 anos nos compartilhamos os eventos organizados por Edson como úcar Invertindo, as a satellite em Nova York em 2003-2004 e em Metz em 2005 e os eventos e exibições que eu fiz a curadoria facilitou as coisas.

Numa tentativa de fazer um diário de filme a partir do ponto de vista do som, surgiu Indices (2004). Philippe Langlois tornou possível para eu trabalhar neste projeto. O trabalho exigiu a coleta e montagem de diferentes fontes de uma grande quantidade de objetos sonoros. . Eu queria escutar documentos de diferentes épocas que ecoavam a guerra civil dos argelinos, Paris dos anos 60, a prisão de Baader no meio dos anos 70, etc.

Aos 14 anos eu aluguei um 8 mm dupla Paillard-Bolex, com a qual filmei diariamente minhas férias de verão em Roma e na Sicília. Eu só fui ver o que tinha filmado há tanto tempo no meio dos anos 80. Uma descoberta maravilhosa: apenas tomadas curtas!

Edson Barrus e eu fizemos vários trabalhos juntos: alguns diários filmados como Volta ao Longe (2005) no Brasil, Kopru Sokapi (2009) na Turquia, e um peculiar no qual usava do pretexto de caminhar sozinhos no Mont Ste. Victoire, um dos temas favoritos de Cézanne para suas pinturas. Este ultimo filme chamado d´ailleurs (2006) é uma investigação de paisagem, e se move para fora do domínio dos diários filmados evitando a nossa presença dentro da paisagem. Alguns destes trabalhos eram esboços para Transbrasiliana (2005), uma instalação multi tela (3 a 6) de 13 horas. Estes trabalhos eram diários de viagem. Eu venho fazendo este tipo de trabalho desde o fim dos anos 70 em uma Super 8. Minhas práticas diárias foram transformadas quando eu fiz Spetsai (1989) no qual duas linhas de um texto de Guy Debord apareciam no meio das imagens, criando outra linearidade de encontro com a criada pelas imagens. De Spetsai a Transbrasiliana,o uso de texto foi previamente informado através dos meus trabalhos antigos com texto. Com Transbrasiliana, textos de escritores brasileiros de diferentes fontes comentando no Brasil, ofereciam uma maneira de obter acesso ao fluxo intenso de imagens utilizadas nas diferentes partes da instalação26.

A diferença entre trabalhar com som e com filme é que a edição do som é baseada em uma forma de mixagem e sobreposição do fluxo, mais parecido neste sentido ao vídeo que ao filme. Ao mesmo tempo no entanto, o corte silenciado tem uma poderosa dinâmica na distribuição do ritmo e na fragmentação da melodia. Na composição de seqüências o serialismo é utilizado para definir as fases de temporalidades distintas, mas aqui, o serialismo não é aplicado a notas ou acordes, mas a seqüências e a posição da seqüências no espaço produzido no complexo de padrões de ondas tocadas com um aparelho de espacialização do som. A ideia de continuidade era questionada através da edição, não apenas em nível de recepção – pois não era possível antecipar o desenvolvimento da peça – mas também devido à natureza do projeto, a qual não está encerrada. Era um questionamento de sua memória lidar com a história pública e privada. Isto continua em progresso. Usei essa abordagem revisitar memórias passadas através da reutilização das filmagens, explorando-as mais uma vez, mas com a distância, as filmagens adquiriram outros valores. O cenário do jardim de Versailles filmado em Super 8 antes de sua restauração no fim dos anos 80, não é apenas uma recordação pessoal de um dia de natal em Versailles, mas também mostra como o jardim era apresentado naquela época. A intervenção do texto na imagem nos força a estabelecer conexões históricas que são completamente eliminadas da apresentação do cenário romântico do entre deux mondes (2010). Outras cenas feitas durante uma visita a Paul Sharits em Buffalo, tornaram-se uma homenagem para ele, utilizando esquemas de cores e cintilação de cor baseado nas pinturas e filmes de Paul para reavivar os momentos partilhados com um amigo. Esta reutilização de seqüências não tem nada a ver com um gesto nostálgico de reavivar o passado, mas está mais envolvido com a combinação de seqüências e a manipulação de imagens que você por acaso filmou por outros motivos. A reciclagem dessas imagens é menos que um gesto afetivo – não apenas por que o tempo passou – mas também devido à dimensão da história: seu aparecimento torna mais fácil ter outras atitudes em relação à filmagem, a qual você atualiza de uma forma diferente.

Trabalhando com músicos.

Eu trabalhei com diversos músicos desde o fim dos anos 70. A primeira colaboração intensa foi com um músico croata que vivia na França. Nós trabalhamos com uma partitura aleatória, baseada na ocorrência de uma leitura ao acaso aplicada a elementos de uma composição que incluíam performance, musica de teatro, etc. Martin Davorin Jagodic me contatou pela primeira vez para uma exibição de alguns dos meus trabalhos em alguns eventos que foram criados por um grupo de músicos que estava se formando e não fazia parte do Ircam27 e do GRM28 que eram instituições que dominavam as negociações de musica contemporânea na França. A partir deste primeiro encontro e de conversas mais adiante, nós decidimos trabalhar juntos num projeto de uma partitura que seria definida depois. Nós finalmente concordamos em trabalhar em uma partitura em particular que se tratava de uma transcrição de alguns artigos que eu havia escrito para a Gaipied, na realidade, era baseado na transcrição dos telex deles. A largura destes rolos de papel perfurado de telegramas eram maiores que o filme de 16 mm, então eu os cortei no tamanho exato e fiz uma impressão de contato artesanal extremo utilizando seções de 1 metro por vez. O papel que inicialmente era rosa claro, teve que ser coberto com uma tinta preta opaca para bloquear qualquer transparência para que só pudessem ver círculos brancos sobre a superfície preta. Os primeiros testes geraram apenas variações de tons de cinza. Uma vez que o que eu tinha o que era suficiente para imprimir o material eu os uni entre duas folhas de plástico para fazer um enquadramento imóvel do filme, que se tornaria a partitura para o músico. O filme foi obtido através da junção das seções uma após a outra em um rolo único, enquanto a partitura do filme foi obtida através da justaposição das seções lado a lado. O filme poderia ser projetado através de sua partitura antes de chegar à tela. Para o som, a musica seria tocada ao vivo utilizando um piano e fitas. Não havia uma forma definitiva de exibir a obra; nós sempre estávamos trabalhando nela, para resgatar, para expandir o projeto inicial. A obra foi chamada According to… (1979-80). O filme era frágil, por este motivo nunca consegui uma cópia completa, porém consegui 5 cópias do rayogram. O trabalho tinha 41 minutos de duração; eu vinha utilizando nas exibições a cópia “máster” até que a Light Cone decidiu que não seria mais possível devido a sua deteriorização. Enquanto trabalhava neste projeto, filmei as sequências de um filme de tela dupla para Jagodic que foi exibido como parte de um evento musical de 198029.

Durante muitos anos na década de 90, trabalhei com Thomas Köner que ficou intrigado com meu trabalho em filmes e especialmente por Still life. Até aquele momento Thomas Köner30 vinha trabalhando com Jurgen Reble31. A colaboração deles foi essencial para o cenário alemão num momento crítico, na renovação a ideia de filme ao vivo. A dimensão mística de seus trabalhos poderia ser definida através de seu uso de loops criando camadas de texturas na via do som e da imagem. As transformações progressivas e o ritmo lento eram e ainda são elementos essenciais de seu trabalho juntos. Minhas filmagens com suas edições rápidas bem como o uso de textos parecia bem distante do trabalho de Thomas Köner, mas na realidade, essas diferenças radicais lhe interessavam e especialmente o fato de que nenhum de nós queria criar um trabalho homogêneo, mas esperávamos desenvolver uma espécie de polifonia na qual som e imagem entrariam num diálogo. O som e a imagem estariam próximos em alguns momentos e então divergiam e seguiam caminhos separados, com suas velocidades, enquanto em outros momentos, eles estariam unificados, reunidos. A fusão e a ruptura seriam parte do trabalho. Nossa colaboração seria intensa durante cinco anos e resultaria em quatro projetos, duas instalações – Des rives e Tu, sempre – e uma versão sonora de Quatr´un antes do nosso último trabalho juntos para a instalação est absente no Maison Rimbaud (2005). As duas primeiras instalações eram frequentemente ao vivo, o que significava que no espaço da instalação que dizia respeito à Des rives, nos adicionaríamos um número de projeções, um computador e um sequenciador de som e apresentaríamos. Eu removeria o elemento principal da instalação para criar novos padrões e relações com essas seqüências, soprepondo-se a elas criando novas relações e coreografias, enquanto Thomas tinha a oportunidade de trabalhar para enfazitar as camadas que estavam escondidas ou não e eram escutadas durante a exibição da obra32. Apresentar Tu, sempre na França ou em outro país significava transformação, uma adaptação, traduções e a criação de outras linhas de informação, que viriam a substituir os textos existentes que rolavam da versão anterior. Para cada exibição, 33 eu queria ter informações precisas da área que estávamos apresentando o trabalho sobre a AIDS e pessoas que viviam com o HIV. A performance da obra se tornava mais complexa quando eram adicionadas informações ao vivo (na maioria das vezes textual) a fim de criar um diálogo com os textos gravados como imagem, cruzando informações criando um inacessível banco de dados em relação a AIDS. Ao apresenta-lo em Tóquio, houve certa dificuldade em conectar o texto japonês, a fim de criar uma interelação o texto foi adicionado ao vivo aos dados pré gravados. A independência das faixas de texto como imagem e o som faziam parte do projeto; o que os unia era um discurso ao vivo que fazia uma tradução do texto da ordem sonora. Nossa colaboração era intensa e de numerosas performances, mas depois de certo tempo eu não queria mais continuar com este tipo de apresentação, 34 que estava transformando a performance num tipo de rotina onde alguém deveria fazer algo novo a cada apresentação para seguir as regras do entretenimento. Em 2005 eu não estava mais disposto a continuar com este tipo de envolvimento. O som que Thomas produzia era tão poderoso, que eu tinha dificuldades de superar sua presença sedutora, que dominava o trabalho da imagem e regulava a forma como percebíamos as sequências. Nos tínhamos que encontrar outra forma de unir as duas experiências. Um veio com o uso de discursos nas camadas de som criando uma linearidade aos sons musicais oferecidos. Porém não foi suficiente, e quando eu comecei a passar menos tempo na Europa, dificultou nosso trabalho junto, para pesquisar novas modalidades para a interação do áudio com o visual.

Filmes encontrado novamente.

Nos diários de filme que fiz em 16 mm, eu incorporei filmagens que queria concentrar as quais foram encontradas de diversos locais. Esta apropriação foi estendida com We´ve Got the Red Blues (1991) e Work & Progress (feito com Vivian Ostrovsky1999). Ambos os filmes tratavam da Rússia. Outro projeto baseado em filmagens encontradas incluíam Soft Collision Dream of a Good Soldier (feito com Rick Rock 1991), d´um couvre-feu (2006), WarOnGaza (2009), Luchando (2011) e Schismes (2014).

Da seleção ao deslocamento ao se trabalhar com imagens que você não produziu lhe rende uma série de interpretações; tanto você quanto o espectador podem privilegiar quantas quiser. O uso de cinejornal, filmes descritivos ou documentários expressava outras leituras/significados/choques. Você estava lidando com conteúdo latente ou a produção de significado, que irrompe facilmente devido ao delay e o novo contexto no qual eles estavam imersos. Trabalhar com documentos de filme ou com representações já prontas do mundo facilitava a produção de filme como uma meta-linguagem. O filme se tornou um meio reflexivo através de seus desdobramentos, que envolvia a criação de significado através da imagem e do som. Esta apropriação de imagens de filmes tradicionais ou de fontes anônimas instituía um tipo de compartilhamento de informações, que indiretamente questionava a noção do autor, pois a mesma foi estabelecida/entendida no passado. Muito comumente alguém é confrontado com fato de que você não pode utilizar certas imagens, pois as mesmas são de propriedade de uma empresa de distribuição, um biblioteca, um museu… Que representar um autor ou a si mesmos como donos das imagens. Mas temos sido moldados pela imagem em movimento durante um século e não se pode proibir o acesso a seqüências que se tornaram ícones públicos. Se a evocação de um evento através de suas imagens é restringida pelos direitos autorais, você não pode mais compartilhar a representação de imagens em movimento lidando com eventos públicos do passado. Tornou-se propriedade privada sem acesso apesar de seu conteúdo ser publico, compartilhado e relevante à sociedade. Esta confiscação, essa negação de acesso às representações é similar ao que é feito numa livraria que restringe a alguns o acesso a sua coleção. Estas “happy few” nunca viram problema com estas restrições e o lucro gerado, pois eles fazem parte rede. Esta privatização de eventos estendendo a paisagem e prédios restringem mais uma vez o ato de fazer imagens e sua liberdade. Esta apropriação de paisagem é similar ao que as indústrias farmacêuticas fazem com as plantas, animais etc. e isto eram feito a favor do autor da produção. Em vez do autor, a corporação: bem vindo ao nosso século!

As questões relacionadas à programação e a curadoria revela as similaridades entre a edição e a exibição. Em cada caso a questão não são os quadros individuais, ou as sequências, nem os filmes ou instalações, mas todas as relações que podem ser estabelecidas entre os diferentes objetos nos filmes, nas instalações das exibições. Como no caso dos filmes, o significado é sempre dado nos intermédios: entre os quadros, fora dos enquadramentos. A oposição, a harmonia, o conflito de seus diversos elementos contextualizam as tomadas e as seqüências tanto quanto o filme e traz a tona significados específicos, e este mesmo tipo de contextualização está em ação ao selecionar trabalhos para um show ou uma exibição. Fazer a curadoria de um programa de filmes semanal para a Scratch ou para o American Center não é a mesma coisa que criar uma serie sobre um tema dado (filme musical, texto como imagem, o uso de couro preto no filme). Um programa semanal é um misto de shows individuais e temáticos. Ambos têm sua respectiva lógica, o primeiro sendo tema para a presença de cineastas para apresentar o trabalho, enquanto o segundo ilustra um tema e se faz necessária a presença de certa melodia, ou texturas rítmicas para articular os diferentes trabalhos que compõem o programa. Para este projeto é necessária uma seleção de filmes de um modo que eles não vão aniquilar uns aos outros; um filme mais fraco pode ser necessário para valorizar o próximo, ou para diferencia-lo dos outros. Com o passar dos anos, nós fomos da necessidade de acesso permitido, o qual induzia a priorização de obras históricas ou contemporâneas indisponíveis, a produção de programas onde não havia um limite real de seleção de trabalhos. Quando estava trabalhando em Mot: dites, images descobri que Adrian Brunel havia feito filmes com legendas subvertidas, porém não havia cópia disponível alem do original no BFI. A exibição estava ocorrendo no Centre Pompidou, e devido a isso, era impossível para eles conseguirem uma cópia segura para que nós conseguíssemos mostrar o trabalho. Para a retrospectiva de Gregory Markopoulos, nós conseguimos exibir trabalhos que não eram visto desde o inicio dos anos 70 ao requerer um empréstimo de copias de diferentes arquivos e coleções. Neste caso, fazer a curadoria destes filmes é similar ao que acontece em uma exibição, você tem que lidar com a distribuição do filme e suas sobreposições com a oscilação de diferentes economias entre a indústria dos filmes e a arte. Os arquivos, as cinematecas trabalhando junto com as linhas de escassez programada, ou as políticas de raridade impondo quem e qual lugar podiam exibir suas “joias”, enquanto museus e outros distribuidores trabalhariam de acordo com o mercado (eles fossem arte ou não).

O uso de múltiplas telas nas minhas filmagens bem como nas instalações que requeriam telas múltiplas, compartilhavam um interesse numa dimensão musical que pertence a minha percepção de cinema. Certamente a questão de múltiplas telas fez sentido para mim no momento em que eu tomei conhecimento das possibilidades contidas em R. A dimensão musical não estava localizada apenas no tipo de tradução de uma marcação, mas poderia ser alocada como um diálogo entre duas imagens exibidas ao mesmo tempo. O uso de diversas telas envolvia certa polifonia visual, na qual poderiam ocorrer momentos de fusão entre duas ou três telas, tornando possível a criação de uma imagem maior (29/11/1993, RR, Ligne d´eau (1989)) ou uma composição de imagem (Sans Titre 84, Soft Collision Dream of a Good Soldier, Work and Progress, Aller-Retour(2007)) ou estabilizar e manter a separação entre as telas (Boys and Girls (1989), Transbrasiliana) que ocasionalmente parecia se fundir ou convergir. A abordagem musical deu lugar a uma abordagem arquitetural na qual os instrumentos, e as telas são posicionadas num espaço para induzir um diálogo ou uma ruptura entre as imagens. Se Des rives requer um olhar que pode abranger duas telas, Transbrasiliana desafia qualquer visão unificada e trabalha na fragmentação e disseminação do conteúdo, tanto quanto a tela que roda de Tu, sempre que com seus espelhos abre espaço para a contradição. A imagem é refletida em movimento oposto ao fluxo do texto. Nesta ocupação efêmera do espaço, uma palavra, um texto passa pelo corpo dos espectadores quando eles se encontram naquele espaço.

  1. Como é contado na historia, a revista teve seu nome sugerido por Michel Foucault que escreveu um artigo para a primeira edição. De acordo com a explicação do seu titulo em inglês pelo Wikipédia, significa “gay foot” (pés gay) que é um homófono de guêpier, que significa um ninho de vespa, ou no sentido figurado, uma armadilha, uma cilada – uma referência da determinação da revista em ser uma tormenta ao status quo.

  2. Uma cooperativa criada com Miles McKane e um grupo de cineastas incluindo Rose Lowder, Paul Sharits, Kirk Tougas entre outros;

  3. A Adicinex foi criada em 1980, por Philippe Dubuquoy e Unglee e eu entramos para o grupo no fim daquele ano;

  4. Scratch” era o nome das exibições semanais na Light Cone. Iniciadas em 1983, estas exibições continuam acontecendo (agora uma vez ao mês) em um cinema em Paris.

  5. Veja o manifesto de Keith Sanborn: Let´s set the record straight, NY 1988;

  6. Peter Wollen, “The Two Avant-Gardes,” Studio International vol. 190, no. 978 (Novembro/Dezembro 1975), pp 171-175;

  7. No fim dos anos 70, Rose Lowder e Alain Alcide Sudre começaram a programar filmes em Avignon. Em 1981, eles criaram o que se tornaria o Archives du Film Expérimental d´Avignon [O arquivo de filme experimental de Avignon]. A coleção dos arquivos agora é organizada pela Light Cone;

  8. Para saber a história da Light Cone, você pode ler Scratch Book, ed Light Cone, Paris 1998;

  9. Em resposta a estas reinvidicações histéricas, fiz questão de ter todos os filmes e vídeos exibidos no American Centre com legendas em francês. Isto só foi possível, pois estava no orçamento da programação.

  10. Jean Christophe Royoux: “Pour um cinema d´exposition Retour sur quelques jalons historiques” Omnibus nº 20, Abril 1997;

  11. Como seu advogado disse ”Brose está trabalhando numa tradição de apropriação de imagem bem estabelecida, desenhando especificamente em imagens de masculinidade em filmes caseiros, filmes antigos, erótica Gay e documentários. Brose coleciona imagens imóveis, que ele então processa e reprocessa a fim de encontrar mais profundidade na imagem, produzindo camadas de imagens complexas que são altamente conceituais e oferecem um comentário pungente nas convenções da normativa de gênero e sexualidade. O produto final é abstrato como as pinturas de Willem de Kooning, e uma apreensão dos materiais de fonte que deturpa totalmente o resultado final”;

  12. Publicado pelo Studio Vista em 1977, e reimpressa pela MIT Press em 1982;

  13. Para a história do cinema Gay e lésbico que enfatiza a importância da produção da comunidade experimental veja Richard Dyer: Now you see it Studies on Lesbian and Gay Film Routledge, Londres 1990;

  14. Eu estou pensando principalmente no filme perdido stop danger sens unique interdit;

  15. Para uma história de tais efeitos veja Rosa Menkman : “The Glitch Moment(um)” Network Notebook 04, Amsterdam, 2011;

  16. Le mouvement des images foi uma exibição com curadoria por Philippe Alain Michaud para o Centre Georges Pompidou e que ocorreu de Abril de 2006 a Fevereiro de 2007;

  17.   Cellule d’intervention Metamkine é um coletivo de dois cineastas e um músico Christophe Auger, Xavier Quérel and Jérôme Noetinger

  18. Musique Film na Cinémathèque Française, May 1986, Paris para o qual um catálogo foi feito pela Scratch e Cinemathèque Française.

  19. A série aconteceu no Centre Georges Pompidou, de 19 de Outubro – 13 de Novembro Paris 1988, para o qual um catálogo foi publicado pela Scratch e Centre Georges Pompidou

  20. Le je filmé aconteceu no Centre Georges Pompidou, de 31 de Maio – 12 de Julho 1995, para o qual um catálogo foi publicado pela Scratch e o Centre Georges Pompidou;

  21. O primeiro destes foi para a Scratch no início dos anos 90, seguido por um grande show para a Galerie Nationale du Jeu de Paume : Plus dure sera la chute 1995, e então um programa especial para o Festival de Filme Oberhausen International em 1998, e em 2001 finalmente monter / sampler l’échantillonnage généralisé, no Centre Pompidou, para o qual um catálogo foi publicado pela Scratch e Centre Georges Pompidou

  22. Para este projeto nós utilizamos a versão criada por William Moritz.;

  23. Gregory J. Markopoulos (1928-1992), Uma retrospectiva de 1940 à 1971,” American Center Paris, Novembro de 1995.

  24. Hollis Frampton, The Whitering Away of the State of the Art, em On the camera and Consecutive Matters: The Writings of Hollis Frampton, p 266, editado por Bruce Jenkins, MIT Press, Boston 2009.

  25.  http://www.circuitosdadesdobra.com/#!edson-barrus/c12uh

  26. http://yannbeauvais.com/?p=371

  27. Para a história do Ircam veja: http://www.ircam.fr/62.html?&L=1

  28. O GRM iniciou em 1958 e em 1975 se tornou parte do INA http://www.inagrm.com/historique

  29. Parece que este filme de tela dupla desapareceu. Até o momento eu não tive sucesso em sua localização;

  30. http://thomaskoner.com/

  31. http://www.filmalchemist.de/

  32. Uma síntese da peça de som da exibição está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=fuzyxTWha14

  33. A trilha sonora de cada exibição se manteve a mesma, seria mudada apenas durante a performance. Uma síntese da trilha sonora está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=aYFwErZvfSw

  34. O que agilizou esta escolha foi uma viagem que fiz para a Nova Zelândia em 2000 com dois projetores de 16 mm, quatro sistemas de loop e cargas de filme 16mm para exibir filmes de duas e três telas e fazer performances ao vivo de Des rives. 80 quilos de equipamento.