1 dezembro 2010 12 Festival Internacioal de Curtas Belo Horizonte, Palacio das Artes,
Curso de Introdução ao Cinema Experimenta l(1)
Considerar o cinema como uma prática artística emancipada de todo controle, afirmá-lo desdobrando as particularidades que o médium esconde, compreender e esclarecer a singularidade de atuar que ele permite, examinar as modalidades de fabricação, apresentação e distribuição dos filmes – aqui encontramos algumas das particularidades que caracterizam este espaço artístico conhecido como cinema experimental. Tal prática responde de maneira crítica ao cinema dominante, tanto pelas formas como pelos conteúdos, pelos meios de produção e as condições de exposição (distribuição e espaços de exibição). Assim definido, o cinema experimental é um cinema que abole as regras e normas do discurso cinematográfico clássico : é este o seu caráter transgressivo ou subversivo, se preferirmos o termo pelo qual optou Amos Vogel (1921), o extraordinário fundador-líder em New York do ’Cinema 16’ (1947), antecessor do « Cineastas Coop. » (1962), que antecipou, ele mesmo, o agora famoso Anthology Film Archives « (1970), ambos fundados pelo cineasta-ativista Jonas Mekas (1922)). No entanto, tal prática, encontra-se marginalizada no domínio da produção de imagens em movimento, é hoje uma forma forçada de invisibilidade. Muitas vezes, certamente, reconheçe-lhe-se uma relevância histórica, mas é então para despojar melhor as suas produções contemporâneas, as quais não parecem frequentemente corresponder ao discurso crítico do momento. O cinema experimental contemporâneo partilha com outras formas de arte viva, a particularidade de “ ilustrar-se pela sua ausência « , claramente um problema nas redes de difusão que detêm hoje o consenso estético. Como tal, ele deve se (re)definir constantemente. Por isso, é também, cada vez, simultaneamente combate e resposta. Em conseqüência, ’fazer’ cinema experimental, é reconhecer a vitalidade de uma prática menor e lhe oferecer o acolhimento de um desejo que a amplia e renova a possibilidade. Entende-se, para toda a área do cinema, a necessidade de um filme que herde explicitamente do movimento específico das vanguardas , conforme o desejo, formulado nos anos trinta, por Len Lye (1901-80) e Moholy-Laszlo Nagy (1895-1946). Fazer cinema experimental , é ser o agente desse cinema. E ser cineasta em tal campo é encontrar constantemente formas de gerar estratégias de resistência, para evitar a sua aniquilação. É também inventar as condições de uma partilha pública, diferente a cada vez, qualquer que seja a forma. Fazer cinema experimental é finalmente refletir, ao mesmo tempo, sobre uma história subavaliada, mas também, interrogar as formas desnarrativas (isto é, que rompem com os padrões históricos de narração no cinema) de um suporte linear : o filme.
Eu apresentarei aqui a performance de Hollis Frampton : uma conferência
Este espaço cinematográfico específico desenvolveu-se principalmente na América do Norte nos anos 60 e, como marcou tão bem Annette Michelson (crítica e co-fundadora da revista de October, e que nos anos 60, abriu espaço ao cinema experimental na prestígiosa revista Artforum), « A produção de cinema independente nos Estados Unidos se centra na idéia de transgressão, duplamente definida como uma celebração do erótico e a produção (antes restrita) de filmes fora do sistema industrial. » Entretanto, existe fundamento encontrar suas premissas a partir do cinema surrealista (bem como os seus seguidores), ou seja, neste cinema que fomentou a « derrota » da narrativa linear e cronológica, prejudicando ao mesmo tempo o acordo tácito entre o narração e personagem. Detecta-se a mesma coisa nos filmes Letristas de Isidore Isou (1925-2007) e Maurice Lemaitre (1926) e nos filmes situacionistas de Gil Wolman (1929-95) e Guy Debord (1931-94). Trabalhando com outros registros cinematográficos, todos os seus filmes não têm tanto por característica a forma da narrativa (que, foi pelo menos pervertida, encontrou-se, ao mesmo tempo a presa designada da crítica tradicional), mas o questionamento das formas de apresentação deste objeto que é o cinema, em seu uso industrial. Trata-se, portanto, de interrogar “a sessão”, bem como a configuração da relação induzida pelo espaço físico que é a sala, ou ainda as modalidades da gravação do suporte. Note-se que essa crítica é contemporânea dos happenings, e prenuncia o surgimento do expanded cinema (ou « cinema expandido », que incorpora a atualidade de uma performance durante a projeção – essa apresentação pode recorrer as múltiplas telas, ou as outras disciplinas artísticas), em seu questionamento dos elementos da projeção. No entanto, esses diferentes momentos do cinema experimental não são puramente político e militante : frequentemente eles prestar muita atenção ao trabalho da forma cinematográfica, explorando ou expondo zonas confidenciais, pois deriva em áreas urbanas sem objeto (como lotes de terrenos vagos).
O filme experimental têm um outro aspecto, transversal e recorrente : um interesse constantemente afirmado pelos corpos e suas capacidades muitas vezes impossíveis de antecipar. Isso traduziu-se primeiro, nos anos 1920, por um grande interesse na mecânica do corpo. O corpo-máquina se exibindo então já na tela, através da fragmentação e a redução dos corpos à alguns movimentos repetitivos. Elaborando assim um paralelo entre corpo e máquina, os exemplos mais marcantes do gênero continuam a ser o Ballet Mécanique (1924) , de Fernand Léger (1881-1955) & Dudley Murphy (1897-1968), e Impacience de Charles Dekeukelaire (1905-71). Encontra-se nos filmes de Ed Emschwiller (1925-90), este fascínio pela “maquinaria” corporal, mas apreendida segundo outras modalidades estéticas e ideológicas : saída do corpo-máquina, em favor de uma cosmogonia que só a imagem do corpo parecia-lhe capaz de invocar.
Mas este dinamismo encarnado, dispositivo bem lubrificado,, eficiente, e cuja finalidade é precisamente a fábrica de corpos mecânicos (The birth of a Robot, 1938, Len Lye), não é em nada idêntico aos que apresentam os filmes de Kurt Kren (1929-97) e Otto Mühl (1925), relativas às performances dos acionistas de Viena. E quanto às questões suscitadas pela representação da sexualidade, ela será, cada vez diferentente, o fato de cineastas como Stan Brakhage (1933-2003) e Carolee Schneemann (1939, na qual será uma tematização explícita e direta, autobiográfica), Taka Iimura (1937) ( a quem sera consagrada uma retrospectiva Galerie du Jeu de Paume em maio proximo), ou Alfredo Leonardi (1938, mais indireto, desviado). Mais perto de nós, com Kurt McDowell (1945-1987), Barbara Hammer (1939) , Jan Oxenberg (1930) ou Hiroyuki Oki (1964), podemos ver uma problematização explícita das questões relacionadas com a representação / visibilidade da sexualidade gay (segundo perspectivas de abordagem necessariamente plurais).
No entanto, o que todos têm em comum é, como se vê, o trabalho de lidar o corpo com a questão da representação e examinar os seus termos, uma vez que afeta os corpos. E o que se resulta é a aposta na crise deliberada destas noções sempre espinhosas que são o « público », o »privado », o’intimo… Ao fazer isso, todos trabalham o que é possível mostrar : nascimento, prazer, gozo, saúde, movimento, dor, morte, decomposição. Assim, nota-se que eles enfrentam, são sempre as lógicas ou as conduções tradicionais de representações, necessariamente mais organizadas.
Pela própria escolha do tema, e neste caso as representações da sexualidade dominam : o homo-erotismo em Jean Genet (1910-86), Kenneth Anger (1932), Gregory Markopoulos (1928-92), Andy Warhol (1928-87 ), Derek Jarman (1942-94), Lionel Soukaz (1953) ; afirmação de suas sexualidade s de mulheres com Carolee Schneemann (1939), Valie Export (1940), Bárbara Rubin (1945-80), Barbara Hammer (1939). Para outros ainda, é a possibilidade de mostrar uma sexualidade onde encontra-se imediatamente problématizada, ou mesmo evacuada, a norma imperativa do orgasmo (« Divirta-se ! »). Pois, assim como o desafio da reprodução (da « espécie ») é o culto dedicado ao corpo eficiente (até no erotismo e suas várias representações cinematográficas) que se encontra aqui radicalmente perturbado, ou melhor, deslocado – tanto por um Jack Smith (1932-89) como José Rodriguez Soltero (1943-2009). Não é de estranhar, portanto, que este tipo de percurso terminou por desentupir sobre uma tematização explícita das noções de « gênero » (gender), como um atributo triplo (e tripla atribuição) : social, histórica e cultural. É esta tematização que identificamos por exemplo, em alguns filmes Matthias Müller (1961), ou Mike Hoolboom (1959) ou Wayne Yung (1971)
Para outros, a câmera se torna uma prolongamento do corpo, como sua possível extensão. Os cineastas nãofazem então grande caso da fixidez do enquadramento, e os movidos são integrados. A fidelidade ou a conformidade da representação à coisa filmada não é então mais uma prioridade, o que é tanto visado, é sobretudo a imediatez e a espontaneidade da reação em relação ao que é filmado. Esta indiferença frente a técnica põe em discussão o primado da imagem sob controle, mais ou menos estéreis. O ato da filmagem como apropriação da representação efectua-se então através de uma afirmação das possibilidades que oferece ao mesmo tempo o domínio do instrumento-câmara e deste suporte que é a fita. Submetida a tais tratamentos, é a relação subjetiva à coisa filmada que domina : Apresentação da ’visão’(no sentido Inglês), singular, do cineasta. Historicamente, tal postura é encontrada primeiramente em Marie Menken (1909-71) através de seus desenhos e jornais filmados, que privilegiam todos uma grande liberdade de movimento de câmera, tanto quanto a espontaneidade da tomada de vista. Daí procede o que poderia ser chamado de economia do acidente, que não é sem entrar em ressonância com o percurso ademais diferente de um John Cage (1912-92). Na verdade, ela é uma das primeiras cineastas que trabalham a câmera tida na mão, liberta do seu tripé, muitas vezes abandonando o trabalho de montagem (para o benefício de uma qualidade de leveza, característica da montagem direta na câmara). Lembramos que a câmara “portada” igualmente permitiu a realização de belas seqüências de o Homem da câmara (1929) de Dziga Vertov (1896-1954), assim como, na admirável viagem efectuada por Oskar Fischinger (1900-67) através da Alemanha em Munique Berlim Wanderung (1927). Mas com Marie Menken (e os cineastas do final dos anos cinqüenta), a câmara torna-se independente, e facilita o surgimento de um método em que a prioridade imediata é atribuída à tradução de uma disposição sensível.
Esta liberdade, conquistada como se vê, encontra-se aumentada para Stan Brakhage, em seu « cinema visionário ». Seus filmes, de carater intimista, paradoxalmente, também assumem dimensões quase mitológicas. Window Water Baby Moving (1959) Dog Star Man (1961-64), bem como nas Canções (1964-69), faz desabrochar sobre a superfície da tela visões hipnagógicas e outras percepções ópticas internas, convencionalmente ocultadas, ou mesmo banídas pela cinematografia clássica. O suporte destes objetivos é então o filme doméstico, « amador », por assim dizer : home cinema. Privilegiando o borrão, trata-se de jogar com oposições cromáticas intensas, confrontando ao mesmo tempo as texturas : o grão da emulsão com planos de tintas coloridos ou as estrias, a qualidade das diferentes emulsões, o uso de imagens negativas, etc. Carolee Schneemann por sua parte, em Fuses (1964-67) ou Plumbline (1968-72), produz tratamentos gráficos que são semelhantes aos descritos anteriormente, mas para aplicá-los à suas seqüências de jornais íntimos. Encontramos de forma semelhante, nos jornais filmados por Jonas Mekas, esta libertação em relação a exposição « correta ». Porque o que conta nele é ao mesmo tempio a dimensão afetiva e o estado no qual se encontra no momento em que filma – quer se trate de produzir um plano de curta duração, ou uma seqüência de vários minutos. Em todos estes cineastas, a filmagem não responde à uma economia da rentabilidade, ela torna-se momento de “revelação de um sujeito” através das imagens que este regista. Esta descoberta será ainda mais eficaz do que ela é, tanto nele como em Jack Chambers (1931-78), acompanhada de um trabalho sobre as lembranças e a formação de uma memória subjetiva, quem procura assim inscrever-se no fluxo da história. em Lost, Lost, Lost (1949-76) ou Reminiscences of Journey to Lithuania (1971-72) por exemplo, são as lembranças ligadas à comunidade lituana de Nova Iorque que conduzem Mekas a se perguntar de seu pertencimento a um território, um país. Neste filme, ele confronta o seu deslocamento forçado (e, conseqüentemente, seu não-pertencimento efetivo a um país) à forte aderência que um Peter Kubelka (1934) assume em relação à Áustria. Jonas Mekas, ele, não se aparenta nem saberia pertencer à nada ; exemplarmente, ele assume o caráter inegável da sua situação de exilado – cineasta
cineasta que persegue de filme em filme os ecos de um país distante e uma infância perdida (cuja procura influenciará sobre a percepção de Nova Iorque da qual seus filmes testemunham ao fio do tempo).
Esta maneira de encarar o cinema como processo de implementação de subjetivação permitiu a realização de um grande número de filmes, e especialmente quando eles usam o pequeno formato como o « 8 milímetros » e « Super 8 ». A facilidade, a maneabilidade e a extrema flexibilidade do instrumento são exemplares desse modo de filmar todos os aspectos do cotidiano, até nos seus encontros mais imprevisíveis. É por exemplo isso de que soube tirar proveito, e magnificamente, um Teo Hernandez (1939-94). Mas estas mesmas qualidades também facilitaram em certo sentido o reconhecimento de um campo específico de investigação : a de uma reavaliação do « íntimo ». E é a partir da exploração da riqueza irredutível inerente às imagens ditas « de caráter privado » (tornados documentos visuais desde o advento da fotografia) que tal trabalho não deixou de comprometer-se.
Essa irrupção do íntimo como questão trabalhada, vale lembrar aqui que só recentemente ela se tornou prerrogativa do Cinema (com letra maiúscula, industrial pois), como do vídeo contemporâneo. No entanto, o que acabou sendo marcado sob a forma de dominação do íntimo como “objeto dardo « (Duchamp), tem a sua fonte (que é muitas vezes ignorado) nos trabalhos realizados durante o 1960-1970 por alguns artistas- performers. Aqui é o nome de Vito Acconci (1940) que, sem dúvida, vem em primeiro lugar entre os que o conceito de ritual foi constitutivo da ação, ela mesma produzida para registro. É então sobre suas rotas que se inscrevem filmes de Gina Pane (1939-90), Christian Boltanski (1944) Michel Journiac (1943-94), e de uma grande parte da « escola do corpo » , francesa, anos 70 (da qual Dominique Noguez tem sido a voz teórica por muitos anos).
Estes filmes-performances se diferem marcadamente de uma outra corrente decisiva do cinema experimental, o que lhe permitiu superar inclusive a noção de personagem (entendido como apoio psicológico da narrativa). E esse distanciamento deliberado efetuou-se em beneficio da única atividade do ator. Trata-se então de afirmar o papel de um performer, criando eventos, encontros, para a câmara (pensamos aqui, mas muito diferente em relação aos termos, nos filmes-performances de Bruce Nauman, Gordon Matta-Clark e Richard Serra). Mas esses atores no asumen então mais un papel : eles são o papel. E a questão não consiste mais em saber se são « boas » ou não. O que está em jogo, é este acontecimento do qual são ao mesmo tempo agentes e consequência : situações diárias e domésticas ;
situações que misturam mundos até então separados (inocência, droga, sedução, travestismo, queer, sexo, boêmia…). Situações que visam abolir a fronteira entre o « mundo da arte » e o da « vida ». Esta crítica da separação pela anexação do pessoal, e seu rebatimento no campo estético-político (dos mundos e das representações) pode ser encontrada tanto na produção feminista dos anos 70 (Adrian Piper (1948), Jan Oxenberg) como em certas trajectórias da arte contemporânea. Os dois instigadores de tal inversão de prioridades entre “autor” e “intérprete” ao cinema foram, sem dúvida, Taylor Mead (The Queen ofSheeba Meet The Atom Man (1963), Tarzan e Jane Regain sort of. .. (1963) Che (1968)) e Jack Smith (Camp (1965), Blonde Cobra (1959-1961)). Estes atores são para o cinema o que os happenings são para a pintura : uma terceira via. Diretos, crus, eles também são mais severos no uso que eles fazem deles mesmos – sábia dosagem feita de amadorismo fingido e do domínio perverso de seus meios. Não poderíamos aqui muito agradecer a esses recursos, pois se mantiveram a marca de suas trajetórias extraordinárias. Mestres incontestáveis da confusão de gêneros, eles não pararam de prejudicar a imagem do homem vencedor. Fazendo da ambigüidade uma arma perigosa, é um humor cáustico (da anfetaminas, mais exatamente) que alimentou indefinidamente cada uma das suas intervenções na tela – quebrando a linearidade de uma drama turgia pré-fabricados deliberadamente. Esta quebrada de narração se encontra nos filmes Hitler 3° Mundo de José Agrippino de Paula, e menos pronuciadamente nos filmes de Yvan Cardoso…
Acrescentamos aqui que é precisamente a capacidade inconcebível de tais personagens para apropriar-se de um filme (ou uma peça) que justifica-se o uso de stars de todos os matizes, improvaveis ou não, no cinema Warholiano.
Trata-se então de autorizar tacitamente cada um a tirar a (cobertura à ele ?),
de acordo com regras estabelecidas e logo minadas pelo próprio Warhol, a fim de permitir o surgimento de uma alteridade na imagem composta (Sreen Tests de 1963-1965, Henry Geldzahler 1964, Lonesome Cowboys, 1968).
Através da documentação de suas vidas, cineastas como Andrew Noren (1943), Saul Levine, Ming Yu Lee (1980), Joseph Morder (1949) ou Charlotte Anne Roberson (1949), à sua maneira igualmente puseram-se questões de cinema. Cada um a seu modo, eles investiram no campo da narrativa, através da restituição dos acontecimentos do quotidiano. Onde encontramos o surgimento da intimidade como assunto de um filme, e onde constata-se de novo que se trata de um espaço de questionamento em obra. Qualquer um que procure entender o que motiva a freqüência da representação da homossexualidade (masculina ou feminina) no cinema experimental não podera fazer economia deste desvio (eo mesmo vale para as questões das identidades e das minorias). Pensa-se naturalmente aqui em Jerry Tartaglia (1950), Friedrich Su (1954), Benning saddie (1973), Bordowitz Gregg (1962), Pratibha Parmar (1955), Trinh Minh-ha (1952), Lizzie Borden (1951), Isaac Julien (1960), Birgit Hein (1942) e Richard Fung (1954) …
Se definíssemos diferentemente o cinema experimental, então surgiria outro corpus, outras metodologias na abordagem da ferramenta, que beneficiaria a análise dos meios e dos elementos constitutivos do aparelho. Isso não significa que as abordagens divergentes não se cruzem nem se alimentem , muito longe disso. Simplesmente parece-me que o enfoque histórico deste corpus permite delimitar mais facilmente linhas de força, de onde podemos libertar as categorias ou « tipos » de filmes. Desta abordagem mais analítica, emergem naturalmente a maior parte das figuras das vanguardas históricas, aquelas dos anos 20 e 30, tanto quanto as dos anos 60-70. Breve exame.
Se a primeira vangarda questionava a possibilidade de construir um « cinema puro », um « cinema integral », emprestando seus conceitos e ferramentas para analisar a música ea pintura abstrata, não é mais o caso para a dos anos 60, que questionou todos os elementos constitutivos do filme : da projeção à distribuição, passando pela apresentação.
Trata-se pois para os artistas dos anos 20, que participam do modernismo, de constituir uma nova linguagem de acordo com modalidades que emprestam os seus esquemas para a compreensão da abstração, sobre o modelo do discurso musical e da pintura não-objetiva, da poesia ou do maquinismo. Esta elaboração passa pela afirmação de algumas qualidades relativas à este médium e o que o distingue de outras suportes.
Os cineastas e artistas dos anos 20 cuidaram de elaborar novas possibilidades perceptivas. Entre elas, selecionamos aquelas que dizem respeito à questão de luz e ritmo. Devemos ter em mente a célebre conferência de Hollis Frampton (1936-1984), intitulada Uma Conferência (1968), pela qual se liberou « da luz qualificada » que o cinema é inicialmente, lembremos o seu exemplo a respeito da filme como fita, cujo assunto “pode às vezes ser Lana Turner” e que, “à tal momento, mostrou-se sensível à luz”. Agora, conservando um vestígio fiel dos lugares onde havia, ou não, da luz, ele modula o nosso raio luminoso, opera subtrações, há um vazio, o qual toma para nós a aparência, por exemplo, de Lana Turner « …
Para alguns cineastas, tais Viking Eggeling (1880-1925), Hans Richter (1888-1976), Walter Ruttman (1887-1941), Oskar Fischinger e Len Lye, a questão do deslocamento e da circulação de formas no espaço do quadro é concomitante àquela de suas transformações. Essas transformações convocam soluções musicais a partir das quais nós fazemos evoluír formas no tempo, dentro de um conjunto de variações, horários e padrões ou temas cruzados.
A utilização de conceitos musicais facilita o desenvolvimento filmes que trabalham relações sinestésicas. Elaboram-se assim das obras que trabalham o deslocamento de formas orgânicas, em função de linhas mélodiques (como seria uma pintura no tempo de Walther Ruttmann, ou por meio de formas geométricas, de acordo com uma rítmica e uma composição contrapunctique precisa com Viking Eggeling e Hans Richter). Tais abordagens privilegiam as noções de velocidade e de síncope, a fim de estabelecer os elementos de uma linguagem específica. Nós encontramos o mesmo controle tocando a qualidade de abordagem sinestésica nos Estudos (1929-1934) em preto e branco de Oskar Fischinger, quem vêem evoluir arcos e linhas, transpostas cinematograficamente. Estas investigações visam evidentemente a constituir o cinema como prática artística autónoma, de acordo com o desejo modernista, emancipado dos imperativos de dramaturgia e de encenação herdados do teatro clássico ou do referente literário, em prol de uma afirmação da visualidade. Quanto ao campo musical e usar seus recursos, eles constituirão na história do cinema experimentais um dos motores mais férteis, propício à criação de obras singulares.
A criação de tal arte, que se quer « absoluta », encontra-se em cineastas que, como Wagner ou Kandinsky, promovem uma espiritualidade da prática artística,
concebendo a obra como etapa desta elevação para um “outro lugar”, desejado como ninguém “aqui” (James Whitney, 1921-82 , Jordan Belson, 1926, ou em um Harry Smith,1923-91).
A defesa deste “cinema absoluto” explica a maior parte das pesquisas teóricas destinadas a estabelecer o cinema de vanguarda como o único “verdadeiro” cinema.
O estabelecimento de tal programa destinado a constituir uma nova arte de ver. Assim à questão do modernismo e da apologia do maquinismo em Eugène Deslaw (1900-93) ou Dziga Vertov, substitui-se uma corrente mais fotográfica, mas quase pictórica, impressionista, que favorece a emergência de um cinema poético (Paul Strand, 1890-1976, Germaine Dulac, 1882-1942). É este cinema que apagará a voz de um registo mais realista, proximos dos documentários, e fortemente influenciados pela escola russa (Eisenstein, Vertov, Poudovkine e Schub). Pensamos, naturalmente, em Joris Ivens (1898-1989) e Laszlo Moholy-Nagy (1895-1946), mas também em Erno Mezner (1892-1942), Jean Vigo (1905-34) et John Grierson (1898-1972). Este cinema, não lhe exclui em nada uma relação ao espaço literário. Ele incorpora alguns elementos : fazendo da palavra um sinal, uma imagem (em Léger e Vertov), mas também jogando com o fora-de-campo que implica a presença da palavra na tela (Man Ray, 1890-1976) Marcel Duchamp (1887-1968 ))… Estas investigações estimuladas pela efervescência e trépidation da época esclarecem novos territórios que serão reexaminados nos anos 60. A presença da letra, da palavra será constante neste cinema depois dos anos 20 (quer se trate de Joseph Cornell 1903-72, de Bruce Conner 1933, Maurice Lemaitre, ou Hollis Frampton, de Michael Snow, Peter Rose1947, Yvonne Rainer 1934, Paul Sharits (1943-93), Joyce Wieland 1931-96, ou Jennifer Burford 1952). A inclusão da letra no espaço cinematográfico abre o campo a um uso heterogêneo, que encontra-se no recurso trans-histórico ao found footage. O cinema de found footage é também um gênero em si : o cinema de prélévements, de recuperações que, radicalmente, faz a economia da filmagem e afirma somente a edição como o momento de elaboração (Esfir Schub, Bruce Conner, David Rimmer, Al Razutis, Artur Omar, no Brasil, etc. ..).
Inicialmente, são as questões da luz que predominam e que nos permitem escrever esta outra história do cinema, história que teria por objeto não tanto as relações com o fotográfico como com o cromatismo. Contudo constata-se nestes em filmes uma predominância das relações entre as texturas, o reflexo das matérias (como por exemplo nos filmes de Nathaniel Dorsky, 1943). Estes filmes de cores parecem assim prefigurar um cinema que não relevaria mais da montagem. Então é um processo que, articulando a materialidade do suporte, procura livrar-se da questão da imagem como um reflexo de uma realidade externa a si mesma. Consideremos, então, um cinema que trabalha a dissolução, a perda, dos quais Jurgen Reble (1956), David Sherman (1966) e Cecile Fontaine (1957) Lee Hangjun, Carl Brown (1959) estão entre os representantes mais destacados contemporâneos. Mas ainda existem outras maneiras de impressionar o suporte, por rayograms : raspagens e aplicação direta de cores, marcações sobre a película (era o que concebiam e exploravam Man Ray, Len Lye, Norman McLaren (1914 -87), Dieter Roth (1930-98), Hy Hirsh (1911-1961), Maurice Lemaitre e outros). Estas técnicas diretas são frequentemente utilizadas, bem como a imagem fotografica e são entremeadas com elas para gerar comentários, por adições ou por subtrações usando rotoscopia (Robert Breer, 1926). Elas podem também se perguntar sobre as maneiras possíveis de desdobrar uma arte da luz. (entendido como médium temporal), trabalhando portanto a luz como questão : interrogando o transporte da imagem, ou variando as modalidades da própria projeção.
E esta consideração do fenómeno da projeção beneficia os trabalhos multi telas bem como instalações de cinema que (re) colocam em questão a pertinência da sessão, tanto quanto a sala de cinema como um espaço de pura frontalidade (Linha Descrevendo um Cone, 1973 Anthony McCall). Essas questões abordadas radicalmente nos anos 70 por cineastas como Paul Sharits, Malcolm LeGrice (1940), Ken Jacobs (1933), estão novamente reconsideradas hoje pelas novas gerações que interrogam a natureza do fenômeno de exposição, através da produção de performances cinematograficas (live cinema) (Metamkine, Jurgen Reble, Peggy Ahwesh) ou instalações (yann beauvais, Keith Sanborn ,Thomas Köner). O que importa é a constituição de um fenômeno cinematográfico que analisa o objeto cinema. É a partir de tais questões que os cineastas examinarão o que é, tanto do suporte como da projecção.
Esta abordagem rigorosa nas questões endereçadas ao objeto cinematográfico não é evocar aquelas que colocam os trabalhos (radicalmente diferentes), realizados por muitos artistas e cineastas na área de cinema expandido. De fato, quando os artistas procuram abrir as práticas multiplicando as linhas de fugas e os cruzamentos, eles questionam a natureza da projeção, não tanto como suporte de gravação, mas bem como, suporte de distribuição.
Esta revisão do suporte levou os cineastas a trabalharem os fotogramas, os movimentos dos dispositivos e a própria tela. Determinar o que acontece quando você coloca à prova a cada elemento isolado vindo a estabelecer as condições de possibilidades da experiência cinematográfica em si. Produzir uma realidade cinematografica , é abordar o cinema a partir daquilo que ele pode produzir no momento que é para ser visto. Esta realidade cinematografica, a qualquer momento, não pode ria ser cpreendida fora da experiência da projeção do filme, é o que se revela nos filmes que trabalham a serialização photogrammique (distribuição em ciclos mais ou menos complexos a partir do tecido de fotogragramas ou de seqüências inteiras). Incluem-se aqui Nekes Werner (1944), Rose Lowder (1941) e Takashi Ito (1956), Jean Michel Bouhours, para citar alguns.
Hoje, o cinema experimental não é mais dependente do suporte de distribuição : a pelicula, a sala. Estas preocupações são comuns a muitos artistas contemporâneos que, através do seu trabalho, fazem propostas que questionam os usos do tempo, às vezes impondo uma atemporalidade ao menos encorajadora. Assim, a manifestação dos processos, retardado devido à própria natureza do médium (desvio entre a filmagens, o desenvolvimento, tratamentos secundarios…), encontra-se hoje reintegrado pelos protagonistas do « cinema ambiental ». Estes compartilham com as pratiques musicais contemporâneas (techno, electro-acusmática …) modalidades de intervenções e de registros semelhantes, favorecendo, ao mesmo tempo, uma nova abordagem do cinema experimental, esta arte do movimento.