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Le temps des images

in Malcolm LeGrice : Le temps des images, edité par yann beauvais , Les presses du Reel & Espace Gantner Dijon 2015

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Ouvrage de référence consacré au réalisateur d’avant-garde, figure emblématique du cinéma expérimental britannique, avec une vingtaine de textes de Malcom Le Grice ainsi que des essais inédits de Yann Beauvais et Philippe Langlois sur son cinéma et son lien avec l’art et la musique ainsi qu’un texte de Lucy Reynolds.
Avec une vingtaine de textes de Malcolm Le Grice, réunis pour la première fois, interrogeant sa pratique cinématographique et le cinéma, et quatre essais sur son travail, Le temps des imagesmet en lumière le lien entre peinture, cinéma et musique dans l’œuvre du réalisateur, en mettant l’accent sur les dispositifs privilégiés par l’artiste tout au long de sa carrière : la boucle, les permutations et la programmation, ainsi que sur l’œuvre vidéo qu’il développe avec des outils numériques depuis le milieu des années 1980.
Publié suite à l’exposition éponyme à l’Espace multimédia Gantner, Bourogne, en 2011-2012.

Ryan Trecartin O cinema mutante A internet real esta em vocês ! (Pt)

No início de 2000, Ryan Trecartin començou a realizar videos singulares. Singulares porque eles retratam um grupo em constante, e também mostram como as novas tecnologias e redes abalaram, e até mesmo hoje continuam abalando, nossas relações e nossos comportamentos, seja em se tratando do usuário, do elaborar, do processamento e da transformação dos aspectos audiovisuais que elas implicam, e que fazem os seus filmes parecerem estar em constante devir.

Estes primeiros trabalhos apresentam personagens que desempenham um papel, o seu próprio ou o de um avatar qualquer . Este personagem real ou fictício não se origina do « encontro casual em uma mesa de dissecação de uma máquina de costura e um guarda-chuva », mas baseia-se na presença explosiva de diferentes programas de televisão (tipo talk show ou Big Brother Brasil) a partir de um cotidiano banal. Este cotidiano é atingido pela farsa de um humor trash et camp, e ver se enxertar nele um novo campo autônomo que concerne a aparência e a mutação constituintes de imagens e sons.

Se a erupção do monólogo, da conversa para a câmera não é nova como podemos encontrar em Andy Warhol e muitos outros diaristas, (como Boris Lehman, Anne Charlotte Robertson, Nelson Sullivan ou Jonathan Caouette) já fizeram a sua fala “uma partilha”. No entanto, essa fala assume uma nova dimensão com as ferramentas da web, que nos habitaaram as redes sociais ou as plataformas de difusão. Ao contrário das “Estrelas” da Factory de Warhol que dirigiam para si mesmos, tanto quanto para a câmera, brincando com a possibilidade de uma conversa aparente, a fala é agora mais diretamente narcisista. Falando para a câmera, o nosso discurso e a nossa própria imagem estão imediatamente disponíveis e potencialmente acessíveis para muitas pessoas. O volume e tom da voz podem ser manipulado. A voz nem sempre corresponde ao gênero da pessoa que a expressa, e essa incongruência revela a extensão das manipulações execudatas pelo artista na pós-produção, manipulações que afetam a « doce » irrealidade de um cotidiano pelo menos assistido (na televisão realidade como ready-made assistido). O som da voz, como qualquer outro atributo do personagem são pensados como ferramentas, aplicativos e, portanto, transcende as idéias de pertencimento a um personagem definido.

Desde os primeiros trabalhos de Ryan Trecartin estamos imersos em um universo composto (no sentido definido Lev Manovich). Um universo fotográfico e sonoro criado a partir de um real modificado (encenado, roteirizado, interpretado), mas também procede da realidade de efeitos digitais aplicados ao som e à imagem desse real. Os filmes de Ryan Trecartin fundem essas duas instâncias da realidade para criar um mundo contemporâneo no qual múltiplas interpretações da realidade se atualizam ao mesmo tempo. Nós não estamos na presença da disjunção, mas do excesso. As realidades distintas que são essas duas etapas da produção de um filme são então colocadas a serviço, não do seu apagamento – como é o caso dos filmes de Hollywood que escondem a tecnologia para supervalorizar os efeitos especiais – mas para lhe mostrar na produção de uma realidade « compósito » que afirma estes dois momentos simultaneamente. Em vez de elaborar um espaço virtual contínuo, como faz os filmes de diversão, alisando, suavizado as superfícies, Trecartin, como Nam June Paik nas suas obras, preserva as fronteiras entre o mundo fotografico registrado e as imagens geradas, e com elas todos os traços que permitem estabelecer um choque de mundos, tanto quanto de culturas. Esse confronto é o centro do dispositivo narrativo desenvolvido pelo artista através de seus retratos de grupo, e no qual o banal e o cotidiano podem deparar a cada clique ou declique. A reificação do banal nos primeiro vídeos de Trecartin, está associada a banalização dos efeitos digitais básicos específicos dos softwares como i-movie. Esse duplo movimento atravessa a abordagem do artista que brinca com, e se diverte alegremente de todas as armadilhas de uma crítica frontal que alimenta os usos do mundo contemporâneo. Não se trata de denunciar as rupturas de comportamentos que a televisão e a Internet introduziram moldando novas atitudes e novas formas de relações, mas sim de compor com elas, e de ver como podemos transcendê-las.

O primeiro video de Trecartin, Kitchen Girl (2001)http://www.ubu.com/film/trecartin_kitchengirl.html , parece ser um pastiche, e demonstra a influência de pessoas como Mike Kelly e Paul McCarthy, sem esquecer Tony Oursler, muitos artistas em que o mau gosto se erguiu como uma crítica de uma vida cujas condições são bastante alienante. Mas essas influências que percebemos são construções nossas. Ryan Trecartin não sabia desses artistas. ComKitchen Girl estamos na presença de um “mal feito bem formatado“, mas no qual, a dimensão lúdica da web ainda não era afirmada como modo de propagação.

Trecartin opera esta passagem com uma política do excesso, uma acumulação de imagens e informações textuais ou sonoras.Esse acúmulo também afeta os personagens que deslizam de um gênero para outro, o que se travestem de um plano para outro, mudam de voz, ou até mesmo, são modificados pelos efeitos do sotfware. Se seu pertencimento a um gênero se limita à maquiagem, a questão do gênero, confinará-se então a sua dimensão teatral, e se oporá assim a compreensão de Judith Butler quando afirma que o “gênero não é um artifício que se coloca ou se tira a seu critério…“. Isso quer dizer portanto que a questão do gênero não é evacuada neste artificio da maquiagem. Para Ryan Trecartin, os gêneros não são definitivamente fixados a um tipo de sexualidade – de fato, a sexualidade não é muito presente em seu trabalho – eles estão sujeitos a várias transformações – os transgêneros sendo um daqueles que se manifestam mais freqüentemente – tranformações que podem habitar a mesma pessoa, simultaneamente ou sucessivamente. Como ele admite falando sobre seus personagens, o que lhe interessa é a instabilidade na definição e atribuição de um gênero, e essa indeterminação ou oscilação para o trans/gênero. « Isso parece mais à distorção de uma perspectiva e a criação de um gênero pessoal, a uma mudança perpétua e uma inconsistência. Eu a percebo como uma sexualidade distanciada do genital para a criação de um espaço pessoal ou de estruturas de percepção individualizadas “.

Em I Be Aera (2007),http://www.ubu.com/film/trecartin_area.html as questões do género tomaram uma outra dimensão em qual « cross dressing, cross-identificação e cross pensamento fazem parte de um estado de ser, não como declaração de posição política . (Cotter Holland). Neste video, Ryan Trecartin é I Be II, mais também o clone muito independente dele com o nome I Be A video e um dia na vida deste personagem. Neste video ele é uma moça chamada Oliver e um outra /outro chamada/o Pasta que tem um corte de cabelo ala holandesa…

extrato

A influência de Guy Debord no cinema experimental e na videoarte II (Pt)

A afirmação de um sujeito, a sua posição referente à crítica das mídias será questionada de várias maneiras em Amerika (1972-83-mil novecentos e setenta e dois-oitenta e três).

A construção em mosáico, com partes recorrentes tais como motivos espalhados no fluxo do filme, toma como sujeito os bancos de imagens. Nesse filme Al Razutis questiona de maneira plural a iconografia das mídias roubando [pilhando] os bancos de dados e de imagens de arquivos opondo-os aos instrumentos de percepção e de transformação. Ele mistura vários registros visuais e níveis de discursos que questionam as ideologias de massa sobrepondo modos de visão distintos que se afirmam, se contradizem, comentando as partes que o antecedem. Essa construção aparenta-se mais a uma desconstrução no sentido derridiano, quer dizer revelando as confusões, decalagens de sentido que a omnipresença das mídias contemporâneas induz, escravizando e vitimizando o espectador. Não se poderá dizer que Amerika foi influenciado pelo situacionismo, ele participa da época e na sua osculação do mundo espetacular aparenta-se a interrogações e coloca as mídias em situações. A sequência (The Wildest Show) (O espetáculo mais selvagem) na qual as imagens de arquivos (guerra do Vietnam, Segunda Guerra Mundial, execução, jogo TV…interrompidos por spots de propaganda, eles mesmos desviados visualmente pelo meio de textos colocados sobre as imagens) e slogans são incorporados a painéis publicitários. Inscrição nas paisagens urbanas de slogans e documentos que os parasitam. Essa invasão das imagens, e a sua encenação espetacular antecipam a invasão móvel da imagem em movimento. Na encruzilhada de um questionamento sobre a arquitetura e as modalidades de ocupações dos espaços por e dentro da imagem, o filme propõe várias modalidades e critica essa contaminação icónica. A cidade se revela através da apropriação dos espaços publicitários aos quais respondem a proliferação de grafos que se opõem, desviam, contaminam em camadas as paisagens abandonadas ou os lugares simbólicos de conglomerados, de instituições segundo travellings laterais de três sequências de Motel / Row. Na versão tripla tela desse filme, o trabalho, a discrepância, é fortalecida pela justaposição e a vertigem aparente induzida pelas três trilhas sonoras simultâneas, que ativam e afiam nosso olhar.

Esse filme soma, compartilha algumas das interrogações de Kirk Tougas que, em dois filmes da mesma época, implanta um questionamento relativo às mídias, em Politics of Perception (1973-mil novecentos e setenta e três) (Políticas de percepção), fazendo um trailer de um filme com Charles Bronson (The Mechanic- O mecânico) enquanto em Letter from Vancouver (1973)i (Carta de Vancouver) depois de uma primeira parte voltada para as mídias (tais como propaganda, cinema, televisão) e no Canadá usando um slogan do partido liberal canadense; o filme assenta uma experiência. Essa experiência próxima a de L’anticoncept (1952-mil novecentos e cinquenta e dois) (O anticonceito) de Gil Wolmaniiou das de Peter Kubelka e Tony Conrad pelo uso apenas do piscar preto e branco é intenso. Mas ao contrário desses dois cineastas, nota-se a presença de uma forma: um círculo preto ou branco num fundo preto ou branco evoluindo segundo os ritmos independentes daqueles da trilha sonora: o Bolero de Ravel. A ligação entre as duas partes compondo o filme nos encaminha a considerar o filme como uma ferramenta para pensar o presente evocada (o Canadá dos anos 70) confrontando-o à experiência do momento, quer dizer à projeção que estamos assistindo.

Der Riese (1983) de Michael Klier vai contra a espetacularização concentrando-se sobre o universo concentracionista das câmeras de vigilância do espaço urbano. O filme está constituído apenas de sequências retiradas e elabora micro ficções sem conclusão, ajustando a temporalidade indefinida do vídeo de vigilância à duração de um longa-metragem. É o cotidiano, os fluxos de trânsito que, atomizando-se, fazem o espetáculo.

A conclusão de sequências se generalizando nos anos 80, encontrar-se-á [se encontrará; encontra-se], com mais frequência, propostas de filmes e vídeos que consistem no desvio das [bandas de atualidades] a fim de analisar, descontruir as relações de poder. A esse respeito, Death Valley Day (1984-mil novecentos e oitenta e quatro)(O dia do Vale da Morte) das Gorilla Tapes é exemplar, encenando as relações de sedução entre Margaret Thatcher e Ronald Reagan a partir da banda (que contem 4): Secret Love (Amor Secreto). O recurso à amostragem e à repetição de trechos de discurso ou de entrevista faz surgir sentidos latentes, estes sendo espalhados e recontextualizados historicamente através da filmografia de Ronald Reagan. Com a aparição do vídeo Scratch na Inglaterra nos anos 80, vários artistas apoderam-se [tomam] de trechos de filmes hollywoodianos, bandas de atualidades e os trabalham segundo as técnicas de sampling, fazendo-os às vezes gaguejar, ao som de uma música com um bom ritmo. Georges Barber desenvolveu através uma montagem rápida, samplings curtos e efeitos eletrônicos low-tech, uma obra singular que faz parte de uma desconstrução massiva do modo narrador no cinema: Absence of Satan (1985-mil novecentos e oitenta e cinco) (Ausência de Satã). Com o vídeo scratching, a ligação com o situacionismo é mais distante mas as obras compartilham várias características estéticas e estratégicas com as de Thorsen e de alguns outros situacionistas, a presença do humor e do escárnio [paródia] são então essenciais.

Em 1989 (mil novecentos e oitenta e nove), enquanto eu dirigia Spetsai, um curto diário filmado de uma viagem numa ilha grega, os comentários sobre a sociedade do espetáculo acabavam de ser publicados. Pareceu-me pertinente opor as temporalidades perceptivas e cognitivas entre texto e imagem. O recurso ao diário filmado, com seus montes de fotogramas que sugam as paisagens, lugares e pessoas telescopando os planos nos quais estão colados trechos de Debord, falando de ecologia, do nuclear e do espetáculo. O texto em preto respeita a tipografia e a disposição que tinha no livro e tacha no seu centro a imagem em movimento. Cada linha ou dupla linha de textos aparece a cada 7 segundos introduzindo rupturas e suspense na leitura, e solicita assim a lembrança dos que foram lidos um tempo atrás enquanto nossa visão foi varrida pelas imagens de uma natureza «preservada». O texto é irradiado pela imagem, mas o texto nos tira constantemente da imagem. Nós devemos também escolher entre um ou outro, ou suspender um para melhor entender o outro.

Tribulation 99 (Tribulação noventa e nove), Alien Anomalies under America (Anomalias estrangeiras debaixo da América), de Craig Baldwin, nós chegamos numa intensificação do uso do found footage e numa releitura da história dos Estados Unidos na qual as teorias da conspiração ganhariam e justificariam os episódios guerreiros, neocolonialistas de Ronald Reagan e Georges Bush na América Central e pelo mundoiii. O filme inteiramente feito de trechos de filmes de série B, de bandas de atualidades diversas dos anos 50 e 60 nos revela as relações ligando diversas doutrinas e atos segundo diversas teorias da conspiração. Ele não esclarece essas teorias mas escurece ainda mais um pouco nossa compreensão, invertendo assim o trabalho crítico usando o exagero e a paródia. De um lado o filme parodia a propaganda dos filmes de ficção científica dos anos 50 ao mesmo tempo que ele sublinha suas plasticidades. A trilha sonora do seu discurso alucinado participa desse empreendimento de desconstrução da miragem americana parodiando as guerras de ocupação̸ como diz Craig Balwin: O que eu tento fazer é tomar posse de ideias, personaliza-las e melhora-las para que elas facilitem a argumentação política. Assim, eu posso inverte-las, de tal maneira que esses mitos urbanos possam servir qualquer coisa em qualquer lugar. Tal foi a estratégia usada: não seguir de forma besta a história política da Guatemala, o que seria universitário demais, desviariam os defensores da subcultura; a ideia era ir por baixo, pegar o caminho de baixo e contar histórias estúpidas, histórias paranóicas e conspirações de todo modo, mas de fato não é um pseudo documentário; trata-se do que eu chamo de pseudo-pseudo documentário. Um falso!iv»

O trabalho cinematográfico de Keith Sanborn deve se pensar a partir das relações que ele tem com as obras teóricas e fílmicas de Guy Debord e Hollis Frampton. Contudo, querendo mostrar cinematografias desconhecidas nos Estados Unidos, ele defendeu e mostrou filmes letristas e situacionistas propondo reconstituições de sessões e também traduções dos seus filmes e isso a partir dos anos 80. A sua obra “filmes e vídeos” se inscreve numa abordagem analítica quanto aos usos do cinema de moldar a realidade social. Em números filmes, realmente é a autoridade do autor que é questionada pela apropriação de trechos de qualquer tipo de materiais, mas é sem dúvida a apropriação do aviso do FBI quanto à interdição da reprodução do filme que adere mais ao desvio tal como pensado por Wolman e Debord, em The  artwork in the age of its mechanical reproducibility by Walter Benjamin as told to Keith Sanborn .( A arte na idade de sua reprodutibilidade técnica1 por Walter Benjamim como contado a Keith Sanborn)  © 1936 (mil novecentos e trinta e seis.  (1996-mil novecentos e noventa e seis) assinado por Jane Austen. Esse trabalho se faz em paralelo à história do cinema e das mídias com uma predileção para as sequências, filmes que são clichês ou ícones. Desse modo, o assassinato de Kennedy em the Zapruder Footage: an investigation sensual hallucination (1999 mil novecentos e noventa e nove), as propagandas do Exército Vermelho para recrutar novos soldados (The Beauty and the Beast, la propagande américaine dans Operation Double Trouble (2003-dois mil e três)…. Equivalences(2007.-dois mil e sete…)e mais especificamente os capítulos Kate Moss̸ Saddam Hussein, o execução de Saddam Husein. Com esse projeto Keith Sanborn «evoca e critica de maneira moderada os situacionistas», retomando os termos, se bem que foram justificados para não incluir os computadores nos seus arsenais por que dominados por estados e instituições capitalistas do momento, mas inesperadamente, as coisas se abriram no reinado digital enquanto os computadores se decentralizaram e as redes voltaram a se tornar importantes de outra maneira»v. Com Keith Sanborn, a releitura de perto das imagens e de suas montagens é examinada para mostrar os mecanismos de funcionamento reintroduzindo (para alguns) em outras redes de circulação, de difusão. O trabalho de gaguejo efetuado a partir do filme publicitário da Navy em Operation Double Trouble revelando a mecânica e as relações ténues que ligam Hollywood e a «Voz da América».

Com The Society of the Spectacle A Sociedade do espetáculo (dois mil e quatro)(A Digital Remix) 2004 de Rick Silva e Trace Reddell, nós estamos em frente a um trabalho que mistura imagens tomadas na rede a partir do provedor Google sobre termos ligados aos escritos de Guy Debord. As imagens tomadas são em seguida coladas a fotos em preto e branco vindo dos filmes originais de Debord. A justaposição e a acumulação dos tratamentos dos objetos icônicos se opõem ao desfile de textos teóricos induzindo uma grande dificuldade quanto à apreensão de todos os elementos em jogo na banda. Essa estratégia reatualiza assim o dispositivo usado por Debord em certos filmes jogando da oposição e da complementaridade do som e da imagem, enquanto nesse remix a trilha sonora é de outra natureza, os ritmos e as síncopes dominam, dinamitando um pouco mais a experiência do filme.

Do seu lado, The Production of Meaning (2006) do coletivo Adbuster, continua o trabalho inaugurado por Al Razutis em paralelo à invasiva presença das marcas em nosso ambiente cotidiano. A insistência sobre a junk food não é questão de gosto mas tem a ver com a cultura do proveito e o esquecimento de qualquer preocupação ecológica dos trusts alimentícios. A banda trabalha as representações do consumerismo e nossa alienação frente a seus diktats. O militantismo de Adbuster se desenvolve através diferentes ações, denúncias tais como o « Buy Nothing Day » pedindo que nós mudemos imperativamente o estilo de vida. Não pode ser tanto o filme como as ações, a revista e o engajamento de Adbuster enquanto potência ativista que evoca o engajamento de Debord e dos situacionistas, mas de uma maneira mais contemporânea, como Act-up pode ser nos anos 80 e 90 aqui e lá.

Em 2008, depois de uma brusca recusa de mostrar Critique de la séparationvi (Crítica da Separação) em um programa de filmes políticos, Ernie Larsen e Sherry Millner dirigiram a todo vapor um filme por duas telas Partial Critique of Separation. Nesse filme, Critique de la séparation- Crítica da Separação é desviado, e se opõe a situações contemporâneas. A distância geográfica e temporal permite insistir sobre novas formas da dissolução e de separação, a distância entre um original e seu remake contemporâneo. A apropriação do filme referencia e a utilização de Final Cut manifesta o abismo que separe as duas propostas. Se Critique de la séparation- Crítica da Separação  se fecha nele mesmo, o filme de Larsen e Millner leva em consideração essa distância e vai jogar com essas diferenças incorporando a cor: verdadeira heresia se se fala apenas da filmografia de Debord, mas lógico fala-se dessa política afirmativa das distâncias que afirmam desse jeito as interpretações. As duas bandas, uma traduzida, falada por uma mulher se opõe assim à do homem original. O machismo de Debord é então colocado em margem.

Em 2009, um filme e um livre de Jean-François Brient foram postos em livre circulação na internet. De la servitude modernevii (Da escravidão moderna) se apresenta como uma compilação de trechos de filmes de ficção e de documentários. O filme propõe uma crítica da sociedade usando estratégias formais próximas das usadas nos filmes, por Guy Debord. A escolha de opor a imagens formatadas pela indústria do espetáculo, um discurso crítico quanto à sociedade contemporânea e às modalidades de escravidão desse mesmo mundo é uma demarcação direta da Sociedade do Espetáculo, até no timbre da voz que lembra no seu ritmo e acentos a voz de outra figura de «má reputação». O texto e o filme são livres de direitos e se inscrevem em uma política aberta de difusão que questiona as limitações impostas pelos sistemas de difusão que protegem supostamente o direito dos autores enquanto de fato ele permite antes de tudo às companhias de exercer outras formas de dominação. Na apresentação do filme, refere-se explicitamente a Debord, Marx e Boétie. Um filme panfleto que retoma com uma formidável vontade de acabar com esse sistema odiado. A multiplicação dos trechos de filmes e suas montagens brinca com os códigos do cinema clássico que quer que toda sequência seja tecnicamente controlada, o ritmo relativamente lento se opõe à conclusão explosiva tanto do ponto de vista musical como audiovisual. Esse surgimento imprime do seu selo a necessidade de se revoltar.

No film The Society of The Spectacle (2013) by Heath Shultz se pode ver uma atualizaçnao da propost de Guy Debord, ms mais que uma atualisaçnao deveremos falar de colocar em perspectiva o doas temporalidade, dois preentes, qual de Debord (40 anos atraes) e nosso de hoje. Doas temporalidade, doas registos de imagem. A fonte das imagens que foram escoliadas e apropriado por Guy Debord são confrontadas com équivalente encontradas nos differntes bancos de dados do internet.

Heath Schutz escrevem sobre algunas das estratégias usadas para fazer seu filmeviii. A confrontaçao entre despues e agora, onde as imagens são especificas e não são substituto generico dos produtos, se encontro no acoplamento do tiros de Lee Oswald com o pendurar de Sadam Hussein. Aqui as observaçoes do texto original de Debord continu ter uma grande ressônancia.

Ao momento que nos vemos os assasinatos se pode ovir :

O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu

instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e

toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a

unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada.ix

Na sua proposta Heath Shutz tem consciência que no livro e no filme A sociedade do espactacolo, Guy Debord tem uma visao patraiachal e misoginst por isto ele va opor ao tipo de representaçao de mulheres por Debord imagens e textos de Scuicide Girls: What people think is strange or weird or fucked up, we think is what makes us beautiful, e mais tarde no filme na ulyimas minuttos ela va usar extratos deo filme La commune de Peter Watkins onde radical sfeminist sujetivdade afirma a necesidade das lutas.

Esse rápido percurso nos permitiu entrever a importância de Guy Debord pelos cineastas experimentais e os artistas vídeos, que souberam inspirar-se dele sem por isso duplicar seus filmes. O trabalho teórico, o questionamento sobre o estado do mundo e a sociedade mercantil reificada nesse mundo espetacular não podia deixar indiferente os cineastas, videoastas que se questionam sobre as modalidades de produção e de circulação das imagens. A interrogação sobre o dispositivo cinematográfico não pode descartar as questões relativas à ideologia das ferramentas de produção dessas mesmas imagens, e isso no sentido de numerosos trabalhos do cinema estrutural materialistax que poderiam ter tido mais eco nessas páginas, mas a referência com Debord é menos ténue, enquanto dominam as questões relativas à especificidade do medium.

A análise do dispositivo cinematográfico faz corpo com as formas de intervenção de «guerrilla» pelo meio das mídias para parafrasear René Vienet, apropriando-se os exemplos mais finalizados essa escrita cinematográfica que são: «as atualidades, os trailers e o cinema publicitário». A convergência de análise, os usos e o desvio fazem que o cinema experimental e o vídeo arte se aproximam de teses defendidas por Guy Debord e os situacionistas. Desde 1977 (mil novecentos e setenta e sete), a Segunda Internacional relevava a pertinência de tal prática «O underground é o meio de informação o mais extático de nossos tempos, fora seu papel motor e capital que ele tem em suas aptidões à transformação dos costumes do cotidiano»xi.

1Note de la traductrice: traduction officielle du titre du livre au Brésil.

iSur ces deux films de Kirk Tougas, voir Al Razutis et Tony Reif : Critical Perspectives on Vancouver Avant-Garde Cinema 1970-83, Vancouver Art and Artist, Vancouver Art Gallery 1981, disponible em ligne à http://www.alchemists.com/visual_alchemy/writings/critical_perspectives.html

iiSur L’anticoncept, voir Jean-Michel Bouhours : De l’anticoncept à l’anticoncept; in Wolman Défense de mourir, éditions Allia , Paris 2001

iiiTribulation 99 Alien Anomalies under America, existe aussi sous la forme d’un livre édités aux Ediciones La Cavalera , New York em 1991; il est préfacé par Jane Austen.

ivC’est nous qui traduisons un extrait d’une interview entre Craig Baldwin et Jack Sargeant: No Text/ No Truth/ Dissemination and Revolution. so what I try to do is take those ideas and customize then and tweak them, so they would accommodate the political argument. I could turn them inside out, so these urban myths would be vehicles to make points about whatever. So that was the strategy, not just going in with a straight political history of Guatemala, which would be too academic, and would turn people in the subculture off, so the idea was to go beneath that and take the low road, and tell stupid stories, paranoid conspiratorial kind of things, but actually, it wasn’t a pseudo-documentary, it was what I call a pseudo-pseudo-documentary just pretending to be a pseudo-documentary. Fake right

vEchange de mail avec Keith sanborn du 19 septembre 2012

viEchange de mail avec Ernie Larsen du 8 mars 2013 : « Cela a commencé par nécessité, en 2008 nous faisions un co commissariat pour le festival d’Oberhausen : Ceux qui traversent les frontières et les fauteurs de troubles, Un film important pour notre programmation était Critique de la séparation. Juste avant que nous quittions New York pour aller au festival on nous informa qu’Alice Becker-Ho, femme et exécutrice testamentaire de Guy Debord, avait décidé à la dernière minute d’interdire la projection , elle n’autorise pas que les films de Debord soit programmer à d’autres films que les siens. On décida immédiatement ne souhaitant pas sacrifier tout un programme à cause d’une décision arbitraire (et bien anti-politique) de produire notre version du film (ce qui serait conforme en tout cas avec les pratiques situanionnistes classiques). » It started it out of necessity: in 2008 for the Oberhausen Festival we were co-curating a series of programs, under the title « Border-Crossers and Trouble-Makers. » One film that was very important for one of the programs was « Critique of Separation. » Shortly before we left New York to attend the Festival we were informed that Alice Becker-Ho, Debord’s wife and executor, had at the last minute, refused to allow the screening; apparently because she wouldn’t allow Debord’s films to be screened on any programs with films other than his own….So, we decided very quickly, since we didn’t feel that we could sacrifice a whole program on this arbitrary (and frankly anti-political) decision, to make our own version of the film (which would be very much in line, in any case, with ‘classical’ situationist practices).

viihttp://delaservitudemoderne.org/francais1.html, pour un accès au film et à ses différentes versions, au texte du film.

viiiBUT NEITHER WOOD NOR FIRE FIND ANY PEACE OR SATISFACTION IN ANY WARMTH, GREAT OR SMALL, OR IN ANY RESEMBLANCE BETWEEN THEM, UNTIL THE MOMENT WHEN THE FIRE BECOMES ONE WITH THE WOOD AND IMPARTS ITS OWN NATURE TO IT. OR: HOW TWO FRAGMENTS MEET AND A FILM IS MADE PHD Heath Shutz 2013 http://smoothspaces.files.wordpress.com/2013/05/spectacle-thesis-may6-final.pdf

ix A Sociedade do Espetáculo – Guy Debord, 3 paragrafo , p9 Paráfrase em português do Brasil: Railton Sousa Guedes Coletivo Periferia www.geocities.com/projetoperiferia Editorações, tradução do prefácio e versão para eBook eBooksBrasil.com

xSur ce sujet voir Peter Gidal : Structural Film Anthology, dans le cinéma allemand des années 60-70 et dans le cinéma polonais des années 70 on retrouvaient ces même préocupations matérialistes em regard du dispositif cinématographique.

xiSituation du cinéma Undergroung independant, tract de l’Internationale Situationiste II, du 8 avril 1977.   

A influência de Guy Debord no cinema experimental e na videoarte I (Pt)

O projeto dessa conferência é observar qual é a influência das propostas cinematográficas de Guy Debord que necessariamente tratará ao mesmo tempo tanto dos filmes como também os escritos sobre cinema. Nós limitaremos aqui essencialmente à influência de tais propostas no campo do cinema experimental e vídeo arte, deixando de lado os trabalhos de inspiração situacionista que invadiram as telas publicitárias e filmes de diversão.

Não se trata de um estudo enciclopédico; nós queremos mais explorar as ligações existentes entre as propostas cinematográficas de Guy Debord no cinema de vanguarda e vídeo arte e aquelas dos anos 70 (setenta). Lembremos que a compreensão do cinema segundo Guy Debord se efetua visando uma oposição radical ao cinema dominante. Para fazê-lo é preciso desenvolver um setor realmente experimental do cinema. Quando Guy Debord fala em se apoiar em um setor experimental do cinemai, ele não faz referência às reivindicações similares tomadas por Lazlo Moholy-Nagy em 1932ii e menos ainda às de Len Lye que só conheceu mais tardeiii.

Ele reconhece dois usos do cinema: primeiramente seu emprego como forma de propaganda no período de transição pré-situacionista; em seguida como emprego direto de uma situação realizada. O pensamento do cinema implantando na Internacional Situacionista e por Guy Debord depende por uma grande parte da dinâmica letrista, a projeção do Traité de bave et d’Éternité (Tratado de baba e de Eternidade) de Isidore Isou foi importante, e também os debates em volta de um novo cinema tal como defendido por Gil Wolman, Marc O, cujos vestígios se encontram no número da revista Ioniv. O primeiro filme de Guy Debord vai radicalizar-se entre a publicação do seu primeiro roteiro onde incluía imagens filmadas e acabava-se por uma tela preta acompanhadas de um curto silêncio antes de fazer ouvir gritos violentos no escuro.

Após a interdição do Anticoncept (Anticonceito) de Wolman, ele vai radicalizar a proposta de Hurlements en faveur de Sade (Rugido [Grito] em favor de Sade) excluindo as imagens em favor somente do preto e branco, e no qual sequências de silêncios alternam com tela preta. A radicalidade da proposta, a provocação do gesto 24 (vinte e quatro) minutos de silêncio no escuro, fazem desse filme um antifilme buscando a abolição da experiência cinematográfica e que a produção de Debord, no entanto, vai contradizer ao longo dos anos; como si Hurlements en faveur de Sade (Rugido [Grito] em favor de Sade) representava a tabula rasa que torna possível pensar em outra prática do cinema. O filme participa da dinâmica instituída pelo aparecimento do cinema discrepante [divergente, discordante] do início dos anos 50 (cinquenta) implantado pela vanguarda letrista.

O filme se propõe a acabar com «toda expressão lírica pessoal », de fato ele evacua tanto a imagem que o som privilegiando a recuperação, a reciclagem, desviando as frases, incorporando recortes de jornal ou textos jurídicos; tudo estava feito para liquidar [acabar com] o sujeito, o que quer dizer o autor em si. A radicalidade da proposta se inscrevia imediatamente em conflito com o letrismo refutando as práticas habituais. Assim ele fala: as artes futuras serão mudanças radicais, ou nadav.

No entanto, não será o primeiro filme dele que obterá a maior repercussão no campo do cinema experimental e do vídeo arte mas os textos teóricos e o uso do found footage que ele incorpora nos seus diferentes filmes. A relação que o texto tem com as imagens e a separação dessa relação pelo menos divergente, complexa, vai ser trabalhada por numerosos artistas nos anos 70 (setenta).

A relação entre a imagem e o texto na maioria das vezes sonoro, para ouvir, produz tensões especiais. A disponibilidade da escuta, não responde à dinâmica da montagem das imagens; ela parece excluí-la. Do outro lado, as imagens também contêm com frequência textos que dobram as dificuldades e colocam o espectador em uma situação onde ele tem que escolher entre ler ou escutar. A escuta necessita uma atenção que vai além do entendido. A dificuldade consiste [reside] em uma possibilidade de uma experiência que pede diferentes níveis de percepção e compreensão implantados por cada filme, essa experiência singulariza o trabalho do filme. É lá, especificamente, nesse espaço particular [específico] que mostra o momento de recepção do filme, que se revelam reações de proximidade com alguns cineastas experimentais que tornam esse momento o elemento constituinte da experiência cinematográfica. Mas, ao contrário de Debord, isso leva os cineastas a questionar o dispositivo da projeção. A projeção é, então, uma performance no presente e não mais a simples reprodução de uma gravação, ou ainda o dispositivo é alargado e o filme apreende-se como uma instalação.

As questões relativas à noção de espetáculo vão encontrar um eco específico entre os cineastas experimentais que questionam o cinema de entretenimento que oculta as suas condições próprias de produção. Mercadoria por excelência, o filme no seu uso comercial é criticado pelos cineastas e videoastas que buscam definir a essência do cinema e do vídeo, ou questionam através da obra as condições ideológicas dessas mídias. Dessa maneira, ao questionamento do espetáculo, numerosos cineastas respondem por uma investigação sobre o condicionamento e a propaganda por e dentro das imagens, usando, por exemplo, o desvio dos clichês. São vários os filmes tentando inverter esses clichês, mais pop que situacionistas, eles manifestam assim uma crítica social que ataca o cinema narrativo dominante, questionando sua supremacia seguindo estratégias formais inovadoras. Nessa categoria de práticas, pode-se incluir sem dificuldade os filmes do período situacionista de Jens Jorgen Thorsen: The Situationist Life 1966 (mil novecentos e sessenta e seis) (A vida situacionista) e Captain Carlsen 1968 (mil novecentos e sessenta e oito) (Capitão Carlsen) , que como a maioria dos seus outros filmes usa o desvio de sequências de filmes e de «newsreels». A prática de reciclagem de imagem seguindo dos precedentes surrealistas e letristas se generaliza com os situacionistas que a usam como maneira de agir, de interpretar, de transformar o real: de coloca-lo em situação. Essa prática do desvio é usada em todas as mídias usadas pelos situacionistas das histórias em quadrinhos nas páginas das revistas do I.S, para as citações diversas dos textos teóricos, para a apropriação de sequências de filmes no conjunto das obras cinematográficas do movimento ou próximas ao movimento.

No seio do desvio, a provocação, o humor e a inversão dos valores têm um lugar predominante [preponderante], ainda como o corpo e os seus usos. Em Thorsenvi, essas inversões são a marca de uma transgressão que se desenvolverá depois através das ações e performances realizadas nos anos 60 (sessenta) segundo os princípios Co-ritusvii. O recurso ao found footage é constante nos seus filmes experimentais, encontram-se materiais em cada filme, um filme de propaganda em Do You Want Success (1963-mil novecentos e sessenta e três) (Você quer sucesso?), Fotorama (1964- mil novecentos e sessenta e quatro). Os seus trabalhos inscrevem a dinâmica do gesto através uma montagem apertada, intervindo graficamente, por exemplo, na imagem (escondendo a bola de um jogo de futebol) à moda do cinema letrista cortante.

O uso do desvio de sequências ou de fotos de filmes hollywoodianos usado em Critique de la séparation (1961- mil novecentos e sessenta e um) (Crítica da separação) e os encartes de textos em fundo preto em Sur le passage de quelques personnes à travers une assez courte unité de temps (1959-mil novecentos e cinquenta e nove) (Sobre a passagem de algumas pessoas através uma relativamente curta unidade de tempo) são empréstimos diretos às estratégias cinematográficas implantadas por Isidore Isou e Maurice Lemaître nos seus primeiros filmes. Tais empréstimos inscrevem o cinema de Guy Debord em uma continuidade formal e torna possível entender a pluralidade das ondas de repercussão do seu trabalho para outras gerações de cineastas e videoastas.

Aplicado ao cinema, o desvio toma várias formas dentro das quais a reutilização de um filme na sua íntegra subvertida pelo meio de legendas. Essa estratégia é utilizada em vários filmes de René Vienet: La dialectique peut-elle casser des briques?(1972-mil novecentos e setenta e dois)viii (Será que a dialéctica pode ser massa)? , Les filles de Kamaréix (1974-mil novecentos e setenta e quatro) (As filhas de Kamaré) ,L’aubergine farcie (A berinjela recheada) (1975-mil novecentos e setenta e cinco)… La dialectique… (A dialéctica…) existe sobre duas formas distintas, uma totalmente deturbada nas legendas e na qual a história original, pelo menos a parte sonora se ouve, agora que a outra versão é dublada. As duas versões se dirigem a dois públicos: de um lado os cinéfilos e do outro, os amadores de filmes de karaté que, nos anos 70 (setenta) começavam a suplantar no universo da juventude ocidental os mitos do western das gerações anteriores. O recurso às legendas como meio de desvio prolonga o uso dos textos nas colagens letristas e situacionistas (e além, os dadaístas e surrealistas) e parece inspirar-se do uso das bolhas nas histórias em quadrinhos, transformando o diálogo em um instrumento crítico, antes de aplicar-se à fotonovela. Esses recursos são postos em funcionamento na revista, mas sobretudo em vários panfletos que sejam situacionistas ou nãox. O panfleto faz do pôster um slogan. Ele se refere ao mesmo tempo à história em quadrinhos e à propaganda. A irrupção de um enunciado político, de uma reinvindicação, só faz realizar as potencialidades da ferramenta de comunicação. Por conseguinte [desde então], a sua aplicação à ferramenta cinema parece óbvia, mas traz perguntas relativas à propriedade intelectual e aos direitos. De fato, o desvio na íntegra de um filme faz da metalinguagem, da interpretação, o conteúdo do filme encobrindo para assim dizer o suporte originalxi.

O eclipse não é total, ela tem que deixar entrever o que ela está encobrindo a fim de produzir a colisão necessária a sua eficácia. « Tem uma força específica no desvio, que obviamente tem a ver com o enriquecimento da maioria dos termos pela coexistência neles dos seus sentidos antigos e imediatos – os seus fundos duplos»xii.

Contornar a narrativa inicial para conservar o espetacular dos confrontos coreografados é central nesse primeiro filme de Vienet e consorte, a questão é contar uma outra história multiplicando as linhas de fuga. As boas palavras surgem rivalizando com as cascatas do filme de origem. Enquanto em Les filles de Kamaré (As filhas de Kamaré) o desvio se torna num gênero desprezado, desqualificado em nome da arte, mas não do comércio: a pornografia. Quanto a esse filme, Georges Zeter nota que «os personagens criticam a trama, os seus papéis e a função dos espetáculos em geral, eles neutralizam constantemente a tendência dos espetadores a identificar-se com a trama, o herói, lembrando a eles que a verdadeira aventura, ou sua ausência, encontra-se na sua própria vida»xiii. Essa atitude que faz dos personagens uma consciência crítica, se manifesta em todos os filmes situacionistas e letristas. A consideração do espetador, sua experiência, é apreendida de maneira distinta das implantadas pelos cineastas estruturais materialistas que fazem da questão do presente da experiência um dado intransitável, enquanto os situacionistas denunciam os processos de identificações do espetáculo cinematográfico que remetem a um outro lugar, um fora-de-quadro da experiência do filme.

Para René Vienet, fazer cinema é uma necessidade pelos situacionistas: «O cinema torna possível tudo expressar, como um artigo, um livro, um panfleto ou um pôster. É por isso que, de agora em diante, nós devemos exigir que cada situacionista seja tão capaz de filmar quanto de escrever um artigo»xiv, exigência a qual Guy Debord não foge de maneira alguma. Com Chinois encore un effort pour être révolutionnaire (1977-mil novecentos e setenta e sete) (Chinês ainda um esforço para ser revolucionário), que usa um conjunto de filmes de propagandas chinesas, banda de atualidade [imagens de telejornais] [imagens de telejornais]s e filmes de karaté e de kung-fu em contraponto, René Vienet antecipa o uso de bandas de atualidade de In Girum imus nocte et consumimur igni (Nous tournons em rond dans la nuit et sommes dévorés par le feu; Nós não sabemos o quê fazer e somos devorados pelo fogo) e de Guy Debord son art et son temps (Guy Debord, sua arte e seu tempo). Nota-se também que o desvio aplicado por René Vienet torna possível fazer pontes entre dois tipos de vanguarda frequentemente separados, pelo menos tal como descrita por Peter Wollen em um artigo famoso. Uma interpretação não dogmática das produções teóricas tanto como artísticas só pode se dar como provocação. Esse senso da provocação, da extravagância de uma ação, de um evento, desafia o conforto burguês e o zumbindo do ‘pensamento já pronto’(prêt à penser) favorizando a pesquisa e o uso de novas formas cinematográficas, cujos ecos se ouvem muito além do círculo situacionista. Encontra-se esse aspecto em várias inspirações situacionistas ou proto-situ como o de Alain Montesse: Notes sur les situs heureux (Anotações sobre os situs felizes) (1970-78-mil novecentos e setenta- setenta e oito). O cineasta reconhece isso numa anotação de apresentação: « Evidentemente, não há nada de especificamente situacionista nesse filme, se não o seu método. Pode-se dizer, seguindo a terminologia ortodoxa que é um produto tipicamente anti situacionista (cf. I.S. #7, abril 1962, pp.27-28, decisão tomada na quinta conferência de Göteborg, 28-30 agosto 1961- vinte e oito-trinta de agosto de mil novecentos e sessenta e um). Quanto ao método, é obviamente um desvio, com sua desvalorização de elementos anteriores, a sua superação em uma construção de cunho superior. Com essa nuance que aqui trata-se de auto-desvio, e que a desvalorização estava incorporada desde a origem («Os finais, nós filmamos nós-mesmos», Annick, 1971 ou 72- mil novecentos e setenta e um- setenta e dois)xv.

A influência não se limita ao recurso à provocação que é um dos métodos dos mais usados das comunidades artísticas e ativistas. Outras infiltrações se manifestam no recurso aos textos de Guy Debord que sejam diretamente citados, plagiados ou imitados. O gosto pela invectiva, o questionamento da sociedade de consumo se faz frequentemente a partir de uma apropriação, reapropriação de elementos críticos, ou ainda apropriando-se elementos de propaganda de alienação, filmes publicitários ou de entretenimento. O trabalho de Klaus von Bruch e especialmente Das Schleyerband (1977/78- mil novecentos e setenta e sete- setenta e oito), Das Duracellband (1980- mil novecentos e oitenta) Das Softieband (1980) ou o de Sherry Millner e Ernest Larsen: Disaster (1980) são, desse ponto de vista, exemplares. Nesses primeiros vídeos Klaus vom Bruch confronta pelo menos duas realidades, a lisa da publicidade ás imagens da Segunda Guerra Mundial colocando autorretratos. Esses encontros entre a mecânica publicista dos anos 80 com os arquivos de imagens de guerra são mediatizados pelo seu retrato, fazendo de cada banda, uma reflexão quanto à impossibilidade de escapar dessa civilização da imagem que nos coloniza ao mesmo tempo que nos desenha. Pouca esperança de escapar [sobreviver]. O videoasta tinha começado uma reflexão similar com Das Schelyerbandxvi no qual ele se apropriava das reportagens televisuais relativas ao sequestro e ao assassinato de Hans Schelyer pela R.A.F [Fração do Exército Vermelho]. Em uma curta seção, ele incorpora uma propaganda por um batom, o lançamento de uma nave espacial, imagens de discoteca… em uma outra seção, uma homenagem está feita aos revolucionários e heróis da luta das classes através de uma música; o conjunto faz o retrato de uma sociedade fascinada pela repetição de uma morbidez sem fim que tende a mitologizar tudo. Um trabalho de Bruce Conner de 1963-67(mil novecentos e sessenta e três- sessenta e sete): Report xvii(Reportagem) antecipava tal tratamento das bandas de atualidade a partir do assassinato de John Kennedy. A justaposição crítica proposta pelo artista não induz uma dinâmica de resistência, mas mais [mas sim] um desânimo quanto ao potencial de aniquilação de tal sociedade.

Disaster (desastre), o filme de Sherry Miller e Ernest Larsen responde a outras preocupações na medida em que os dois artistas fazem parte, nos anos 70 (setenta), em San Francisco, de um grupo situacionista: City That Never Sleeps (A cidade que nunca dorme). Em um ensaio sobre os filmes catástrofes dos anos 70, Ernest Larsen se questiona sobre essa fascinação que nós temos pela destruição e que Hollywood explora tão bem e cuja função «é de lembrar de maneira irracional e repetitiva a fragilidade de nossas existências»xviii. Ele nota que esses filmes nos condicionam e pavimentam o caminho em direção a uma outra realidade, menos abundante e quem sabe, mais repressiva. À essa fascinação, Sherry Millner vai opor os pequenos desastres do cotidiano deles numa tela, às imagens roubadas de La Tour infernale (A torre infernal), como também sequências utilizadas por outros cineastasxix. A questão é reificar a dimensão pessoal opondo-a a espetacular manifestação da catástrofe, essa dimensão da cotidianidade se ilustrava pelo situacionismo na produção de situações, mas não se pensava necessariamente segundo uma dimensão tão pessoalmente afirmada. Quando ela se transforma nisso, principalmente em In Girum imus nocte et consumimur igni… é cheio de nostalgia.

Em Disaster, a oposição entre o cotidiano e o mundo se realiza através diferentes situações do cotidiano que convocam a dimensão pessoal frequentemente descartada para não dizer esmagada pela história. O emprego dos textos vem para romper o fluxo das imagens, como o fazem as sequências pretas. O emprego do som é interessante nesse filme por que ele mistura várias estratégias de sincronização e disjunção, alternando como se vai de uma imagem de uma tela para outra segundo induções ou segundo apenas nossa vontade.

Nos anos 70 e 80, a aproximação com o situacionismo se exercia sobretudo segundo uma abordagem crítica das mídias, que seja a recuperação analítica por fragmentação e repetição contínua de propaganda ou desvio de todo ou parte de filmes «hollywoodianos», no entanto outras modalidades e efetuação eram possíveis, tal como por exemplo em um filme de Gisèle e Luc Meichler: Allée des signes (1976-mil novecentos e setenta e seis) (Corredor dos signos).

A foto aérea que abre o filme, a citação tirada de um projeto de uma casa com uso situacionista no corredor dos cisnes, são algumas das referências para entender o filme, mas este se inscreve além pelo uso de texto post situacionista. O projeto do filme é de circunscrever um espaço urbano abandonado, que foi objeto de uma psicogeografia de Guy Debord, um ilha estreita enfrentando a concretagem da beira esquerda do Sena. «O lugar, no seu estado atual, funciona como signo desse mais amplo fracasso em frente aos signos espetaculares triunfantes.»xx como o nota Luc Meichler. O filme trabalha conceitualmente os efeitos induzidos pela urbanização sobrepondo planos dessa ilha a números textos que tratam, entre outras coisas, da esquizofrenia. Fazendo da desherança da ilha uma linha de fuga catatónica frente à destruição, reconstrução, reificação do espetáculo através dos monumentos. A voz em off citando diferentes textos, assina as imagens mantendo-as à distância. A associação discrepante entre o som e a imagem releva a questão do urbanismo tal como pensado pelo I.S. Esse filme se implanta no que é chamado de ensaio-filmado, mas diferentemente de numerosas propostas desse gênero, ele evita todo rastro de um «eu», o subjetivo está tratado com silêncio. A afirmação de um sujeito, a sua posição referente à crítica das mídias será questionada de várias maneiras em Amerika (1972-83-mil novecentos e setenta e dois-oitenta e três).

iAvec et contre le cinéma in Internationale Situationiste n°1, Paris 1958

iiAn « Open Letter » Sight and Sound vol 3 n°10 1932, dans le point 4, de sa lettre, Lazlo Moholy-Nagy, parle de la nécessité de l’expérimentation pour le cinéma, lettre republiée in Vision In Motion Paul Theobald, Chicago 1947

iiiLen Lye : Is Film Art?, écrit en 1959 et publié en 1963 dans Film Culture n°29, traduction français ein Len Lye sous la diréction de Jeam michel bouhours et Roger Horrocks centre Pompidou, Paris 2000

ivIon, n° Spécial sur le cinéma, Centre de création, Paris 1952, réedition Jean-Paul Rocher, Editeur Paris 1999

vProlégomènes à tout cinéma futur, in Ion p 217, op. cit.

viSur les films de Jens Jørgen Thorsen, voir Carl Norrested : The Drakabygget Films in Expect Anything Fear Nothing, The Situationist Movement in Scandinavia and Elsewhere, Edited by Mikkel Bolt Rasmussen & Jakob Jakobsen, Nebula, Autonomedia, Coopenhagen, Brooklyn 2011

viiCo-ritus Manifesto de Jørgen Nash, Hardy Strid et Jens Jørgen Thorsen, 1962, disponible dans What ever Happende to Sex in Scandanivia? Office for Contemporary Art Norway, Koenig Books London 2011,

viiiFilm original : Crush de Kuang-chi Tu

ixAussi connu sous le titre Une petite culotte pour l’été, il s’agissait d’un film de Suzuki Noribumi: Le pensionnat des jeunes filles, pour plus de détails sur ces films voir Laurent Chollet : L’insurection situationniste Dagorno Paris 2000

xVoir par exemple le tract clandestin Espagnol dans l’I.S.n°9 p.21, Août 1964, ou bien Le tract sutuationiste du l’I.S. N°10, p 68, mars 1966

xiPour une analyse de ce film par Keith Sanborn dans un texte de présentation du film lors d’une manifestation qu’il a organisé en 1990 à Exit Art, New York : Film Modernism and its discontents : a perspective from Paris.

xiiNotes editoriales, Le détournement comme négation et comme prélude, I.S. n°3 p10, décembre 1959

xiiiRené Vienet : “Le Western soja” en sous-titré, Divergences Revue Internationale Libertaire lundi 26 dec 2006, N°5 Janvier 2007

xivRené Vienet : Les situationistes et les nouvelles formes d’action contre la politique et l’art in l’I.S. n° 1, p 36, octobre 1967

xvPrésentation du film Notes sur les situs heureux, in http://alain.montesse.voila.net/films/lsh/index.html

xviSabine Maria Schmitt décrit les conditions de fabrication de cette bande, dans 40 Yearsvideoart. De – Part 1 Digital Heritage: Video Art in Germany from 1963 until the Present, eds Rudoph Frieling / Wulf Herzogenrath Hatje Cantz Verlag p 162 à 167, 2006

xviiUne analyse intréssante de ce film est faite par Kevin Hatch dans Looking for Bruce Conner p 157-166, MIT Press 2012

xviiiErnest Larsen : Critical Dialogue on Disaster Films. Lemmings and Escapism, Jump-cut n°8, p 20, 1975.

xixcomme Bruce Conner avec la séquence du pont suspendu qui s’effondre,, et que l’on retrouvera aussi chez Craig Baldwin, ou bien encore le dirigeable qui vole au dessus de New York avant de s’embraser.

xxLuc Meichler : texte de présentation du film em 1976, http://lgm.meichler.free.fr/allee%20des%20signes%20,%20textes.htm

Introduction Scratch Book (Fr)

Publié dans Scratch Book, ed yann beauvais et Jean-Damien Collin, Paris 1999

Cet ouvrage a pour objet de célébrer le cinéma expérimental dans sa diversité et de rendre hommage à l’une des structures qui l’a promu et défendu le plus activement en France, au cours des quinze dernières années. Il veut rendre compte de la spécificité de Scratch comme espace de projection en présentant les témoignages de critiques, de programmateurs, et en reprenant des entretiens de cinéastes (parfois inédits en français) publiés dans l’éphémère Scratch Revue et des travaux graphiques et plastiques qui nous proposent un état du cinéma expérimental.

Scratch marque l’engagement d’artistes – cinéastes et plasticiens – envers une pratique trop fréquemment minorée. Si la création de cette entité répondait au besoin de renouvellement des lieux de diffusion du cinéma expérimental à Paris, elle dénotait, ne fût-ce que par son nom, une volonté d’ouverture et de remise en cause. Loin d’être la chambre d’écho d’une avant-garde, Scratch se voulait avant tout différent, en marge, à côté : nous prenions nos distances vis-à-vis de l’histoire, nous inscrivions nos résistances et nos partis pris dans le choix des programmes. Scratch représentait donc – dans les premières années de son existence – une alternative à l’approche du cinéma expérimental en se singularisant par un éclectisme revendiqué que venait souligner la programmation.

Après toutes ces années de projection dans différents lieux, à un moment où le cinéma expérimental bénéficie d’un regain d’intérêt très marqué en France, il nous semble opportun de renvoyer, à travers l’histoire de Scratch, à l’histoire des cinéastes eux-mêmes et aux enjeux esthétiques dont leurs oeuvres sont porteuses. Il s’agit de démontrer en quoi des structures alternatives – quasiment des ateliers -, conçues et gérées par des artistes, au-delà de leur projet initial limité à un champ précis, peuvent s’étendre à d’autres domaines et se poser en modèles pour d’autres champs artistiques contemporains. Comme tout modèle, ces structures ne demandent qu’à être dépassées. Toutes sont très mobiles ; cela leur permet d’intervenir rapidement, au gré des opportunités et d’adapter leurs réactions aux circonstances, ce qui signifie diversité des projets et des lieux. Une mobilité et une souplesse comparables caractérisent aujourd’hui les laboratoires cinématographiques alternatifs comme les différents collectifs d’artistes, qui ne mettent pas en commun une esthétique mais des processus visant à produire des projets plastiques, aussi bien des « oeuvres » ou des « pièces » que des manifestations. Tel a été le rôle de Scratch dans le domaine du cinéma expérimental, oeuvrant dans un lieu déterminé, en relation avec d’autres villes, d’autres pays. Aujourd’hui les enjeux ont changé. Scratch a une histoire dont il doit se déprendre afin d’envisager d’autres modalités d’action vis-à-vis du cinéma dans le contexte contemporain.

L’actualité des arts plastiques et du cinéma expérimental est venue à point nommé pour renforcer l’idée d’une publication autour de Scratch, idée née au cours d’un dîner estival réunissant Jean-Damien Collin, Miles McKane et moi-même, où nous évoquions les problèmes rencontrés par la diffusion du cinéma. La publication devrait faire le point sur le chemin accompli, tout en conservant l’ouverture sur le contemporain, sans esprit de clan ou de mouvement. Montrer et défendre des démarches novatrices et des cinéastes inconnus ou méconnus. Sans nous en douter, nous étions sous l’influence d’illustres prédécesseurs qui avaient su manifester leur indépendance – des membres du collectif Close Up et des membres de Fluxus (si tant est que l’on puisse parler dans ce dernier cas de collectif). Notre liberté en face de l’histoire favorisait notre ouverture vers les nouvelles générations de cinéastes, attitude que partageaient les critiques et les programmateurs invités. Dans les années quatre-vingt, il s’agissait comme aujourd’hui de défricher le terrain de manière intense et de favoriser les rencontres entre les œuvres, les cinéastes, le public. Cela éclaire le choix des programmations – présence/absence de tel ou tel cinéaste – souvent conçues en fonction des autres lieux, mais aussi sans égard pour eux. De ces années, on peut évoquer les projections régulières du Centre Georges Pompidou, celles du ciné-club Saint-Charles, ou des manifestations ponctuelles comme le F.I.A.G., la programmation Man Ray, ou le festival de Rouen, entre autres… Scratch était donc libre de ses choix et n’avait pour ambition que de faire partager sa passion pour une cinématographie en constant devenir. Sa volonté d’indépendance apparaît donc essentielle dans la mesure où il sortait le cinéma de l’université, seul lieu permettant cette pratique cinématographique, puisque, à cette époque, les écoles des beaux-arts ne s’y intéressaient guère. Le choix de Scratch, fidèle à une tradition bien ancrée dans les arts plastiques, de se confronter à sa propre histoire, rendait aux cinéastes un espace de projection spécifique qui s’affirmait comme laboratoire ou atelier public. Espace par et pour les cinéastes, Scratch vous convie à « user » vos films sur ses projecteurs.. Le côté « atelier » se manifeste autant dans la permanence des projections multi-écrans que dans les expositions d’installations ; la première manifestation conçue par Scratch était à la fois une proposition de cinéma présentant des installations, et des projections. Scratch se pensait comme un dispositif d’échanges. L’important n’était pas d’être les premiers à montrer tel ou tel cinéaste, mais de permettre à des cinéastes de rencontrer d’autres cinéastes lors de projections, ou de renouer des dialogues entre des pratiques artistiques pour le moins séparées. Car l’un des paradoxes de la cinématographie expérimentale est qu’elle doit à la fois démontrer son actualité et affirmer constamment son passé, situation pour le moins inédite dans le domaine artistique, qui fait de chaque cinéaste comme de chaque structure, un vecteur et un support de l’histoire. Favoriser les échanges entre les cinéastes nous semblait de la plus haute importance afin de (re)créer des réseaux de diffusion.

Cette logique d’ouverture et de rencontre a présidé au choix des textes de cet ouvrage. Que nous ayons fait appel à des cinéastes, des critiques, des conservateurs ou des programmateurs, il nous a semblé important, plutôt que de nous auto-congratuler, de favoriser des démarches plurielles, qui font écho à la multiplicité du public touché par les projections Scratch. C’est ainsi qu’il faut comprendre les textes de Gilles Royannais, Nicolas Gautron, Marie-Pierre Ducoq célébrant des oeuvres autant que des possibilités que leur a offertes Scratch dans le choix des films. Il faut regarder sous le même angle les textes et les expériences réalisées au Brésil avec Gloria Ferreira, en Italie avec Andrea Lissoni et Daniele G, qui partant d’un constat similaire – l’absence de projection régulière de films expérimentaux dans leurs pays respectifs – ont souhaité travailler avec Scratch. Le projet avec Gloria s’est concrétisé, à Rio, dans un cycle sur le cinéma des plasticiens et expérimental des années soixante-dix et leur mise en perspective avec le cinéma brésilien. Le projet italien se veut un écho fidèle de la démarche de Scratch ancrant le contemporain dans l’historique et ce de manière transversale. Avec ces deux propositions s’affirme une caractéristique sous-jacente de Scratch qui consiste à envisager la programmation comme un moment dans le travail du cinéaste – voir des films, confronter, mettre des oeuvres en rapport les unes avec les autres – et aussi comme un espace d’agitation. Ces deux axes ont souvent servi, au fil des ans, de moteur de programmation et permis de créer des liens et des réseaux avec les cinéastes et les programmateurs.

Cette faculté, cette ouverture est au cœur du projet Scratch, elle alimente d’une certaine manière notre créativité à quelque niveau qu’on la situe. Elle consiste à donner à voir d’autres images – Helga Fanders, Anne-Marie Cornu, Marcelle Thirache -, faire entendre d’autres voix. Jürgen Reble, Abigail Child, Metamkine sont quelques exemples parmi ceux qui composent le Scratch Book. La découverte d’un cinéaste, d’un cinéma est toujours un moment privilégié, qu’il s’agisse de Mike Hoolboom, Vivian Ostrovsky ou Luther Price par exemple. Les formes de partage offertes par Scrtach et par le livre sont un moyen de susciter de telles rencontres, qu’il s’agisse d’un travail photographique d’une cinéaste ou d’une critique sur un artiste. Il s’agit de (se) donner des moyens de voir autrement. Il n’est pas question de clore une histoire mais d’affirmer le cinéma expérimental comme une pratique majeure de ce siècle qui se situe toujours entre les arts. C’est ce statut du cinéma expérimental qui interroge les structures qui le défendent et font de celles-ci des passeurs de lumière.

Nous souhaitons, avec cet ouvrage comme avec les projections, créer des envies irrésistibles de voir les films, de les programmer ailleurs et autrement et, qui sait, pourquoi pas d’en faire, encore.

À Taiwan (Fr)

Initialement écrit en 2010 à partir d’un texte de 2003, pour Scratch publée à Taipei en 2014 dans Stranger Than Cinema : A Study of Taiwanese Experimental Films organisé par Tony Chuin-Hui Wu

À Taipei, on trouve des cinéastes expérimentaux qui travaillent avec les moyens du bord. Jusqu’à la fin des années 90, l’intérêt pour le cinéma expérimental était très irrégulier, de plus, il était difficile pour la plupart des cinéastes et artistes, de retour, de continuer une telle pratique non seulement par manque de moyens mais manque d’accessibilité et visibilité à Taïwan.

Si la cinémathèque de Taipei a montré par le passé des films, elle n’accompagnait ni un mouvement, ni des cinéastes, quand bien même la production  cinématographique sporadique de certains plasticiens et les nombreuses traductions que la revue de la cinémathèque a entrepris depuis les années 901. Le festival de Taipei de 2005, avait été exemplaire à cet égard en incluant de nombreux films et vidéos expérimentales contemporaines.

Jusqu’il y a peu de temps, presque tous les futurs cinéastes découvraient le cinéma expérimental lors de leurs études à l’étranger : Hsiu–Ching Wu, au début des années 90, est à Chicago où elle réalise quelques films dont A Play in Water (1992), avant de s’orienter vers un cinéma plus documentaire, une fois réinstallée à Taipei. Rue Yi Hung et Wu Chun Hui étudient à San Francisco. Ce dernier poursuivit sa formation à Bard, tout en organisant des programmes à Taipei dans le cadre d’Image Mouvement. Il a été l’un des rares à continuer de faire sur place des films avec la plasticienne Mei-ling Hsiao, qui a étudié au Fresnoy vers la fin des années 90. D’autres encore, récemment émigrés, décident de rester dans leur pays d’accueil. Pour ceux qui revenaient, le retour signifiait en tout cas, jusqu’au début 2000 l’abandon d’une pratique face aux difficultés rencontrées face à la culture cinématographique taiwanaise. Comme le reconnaissait Wu Chun Hui, les cinéastes n’avaient pas grand choix à leur retour :“ Ils doivent avant tout survivre, les seules solutions qui leur sont offertes sont l’enseignement ou le cinéma commercial, ce qui a pour résultat qu’ils continuent rarement de travailler le cinéma expérimental. ” Pour Vincent Wang, lui-même cinéaste2 : “ Toute la question est de savoir si l’on peut continuer à faire des films lorsqu’on sait que le gouvernement taiwanais ne reconnaît le cinéma que sous deux formes : les long-métrages ou les documentaires. ” Depuis cet entretien, en 2002, la situation a changé car l’enseignement de cinéastes et théoriciens a modifié le paysage et entraîné  la production de films. Taiwan Video Club (1999) de Lana Lin illustrait cette dépendance entre la culture importée la production chinoise traditionnelle que l’on retrouve dans ces soaps et séries, consommées avec avidité par des générations de Chinois émigrés, comme l’illustre le documentaire.

Un grand nombre de cinéastes privilégient les formes courtes, s’exprimant à travers le documentaire, l’animation et parfois le cinéma expérimental, tandis que d’autres investissent le cinéma sous la forme de vidéos et d’installations, comme Mei-ling Hsiao, qui réalise parfois de courtes pièces : dans Lettre L’être (1996), le visage du peintre apparaît au fur et à mesure du transvasement de l’eau d’un récipient à l’autre. L’artiste Yin-Ju Chen fait appel à des formes courtes. Elle met en scène des micro-récits, quasiment des courtes performances, qu’elle filme de manière simple. Dans Untitled (2001), le visage d’une femme grimaçante, se tordant de douleur, fait écho au fait qu’elle donne naissance à un phallus : elle l’expulse de son corps. Des situations simples mais efficaces sont enregistrées sans commentaire, se suffisant à elles-mêmes : Escaping For a While nous montre une tentative de noyade dans un bol. L’artiste plonge son visage pour un long moment, puis relève la tête, reprend le bol et quitte le champ. Dans Recycle System (2002), elle nous propose une vision également absurde : elle passe l’aspirateur alors que le tuyau est connecté à sa bouche, faisant du corps féminin un aspirateur autonome. La position critique n’a pas à être soulignée, les images se suffisent.  Depuis plusieurs années le monde de l’art accueille les propositions de cinéastes aussi bien sous la forme d’installation et approche critique permettant ainsi à des plasticiens et à des cinéastes de croiser les pratiques en atteignant d’autres publics. Taiwan n’échappe pas à cette inclusion du medium film part et dans le monde de l’art. La biennale de Taipei, mais aussi les revues comme Artco Monthly3 jouent un rôle dans la propagation du cinéma à travers le monde de l’art.

Le cinéaste Machunfu, privilégie l’animation. Il partage avec nombre de ses contemporains une exploration de l’animation selon une pluralité de registres4; il fait le lien avec le monde de la publicité, des vidéos clips et le monde de l’art. Mélange des genres mais aussi imbrications des techniques qui redistribuent les icônes de comics et de manga selon des modalités inattendues : Unblessed Love (2008). C’est le graphisme qui dynamise le traitement et la dynamique des images, ainsi dans Murder A Face (2005), le processus de destruction de document, papier est mis à profit afin de mettre en pièces (en lamelles) un portrait d’enfant en noir et blanc.

Murder a face MachunfuLa maîtrise technique rappelle les manipulations de photos de Spacy (1981) de Takashi Ito. Dans Lost in Remembering (2005) c’est la soustraction du même personnage à différentes étapes de sa vie qui interroge le souvenir selon un registre qui fait de l’effacement la condition d’une maîtrise et qui sait, de la survie. Par ailleurs on remarque que le cinéaste joue avec les jeux vidéos et son esthétique en recourrant au machinéma dans la série kodomo ?

La découverte du cinéma expérimental au cours d’études à l’étranger est révélatrice d’une attitude spécifiquement occidentale vis-à-vis du cinéma. On constate son importance et son influence dans les premiers travaux de Lana Lin, RueYi Hun, Anita Chang, Wu Chun Hui, Chen HsinWei. Certains de leurs films font état de préoccupations relatives au développement artisanal (Untitled, 2001, RueYi Hung). D’autres utilisent des found footage (I Begin to Know You, Through The Door, Sphere and Circle Round, 1992, Lana Lin ; Intimacy , puis More Intimacy (1999, Wu Chun Hui), Pluto 2008, de Yang Kai Yen, où affirment une subjectivité au travers des journaux filmés (A Play in Water, 1992 ; Untitled, RueYi Hung, Far Side of the Snow 2007 de Zhen Niam Kuo). Chacun s’approprie les images à sa manière : Lana Lin choisit de représenter l’activité des femmes, alors que Tony Wu utilise des images pornographiques homo dans Intimacy et ses variantes successives, qui trouveront un prolongement troublant dans Making Maps (2001). Dans ce film Tony Wu mêle à des images de jeunes garçons se baignant à la mer, en vacances des images pornographiques. Chaque série d’images induit des relectures en regard de celles qui les précèdent ou les suivent ; comme David Wojnarowicz, le faisait avec Untitled (One day this kid…,1990), dans une forme plus activiste en associant à la photo d’un jeune garçon un texte dénonçant ce qu’il endurera socialement en tant que gay. Le montage dense de Making Maps privilégie les éruptions sporadiques de grappe de photogrammes aux longues séquences, afin de dresser une cartographie potentielle des désirs. Making Maps utilise le sang et le sperme afin de créer des textures sur les images pornographiques autant qu’ils sont objets de la représentation, et comme on le voit parfois chez Andres Serrano5.

Certains artistes s’écartent de cette approche, privilégiant de longs plans (Chen Chieh-jen) ou le plan-séquence, comme Shuo-wen Hsia dans Intrude Sanctuary (2000) qui offre au regard un moment dans le métro de Taipei, alors que les défilent les stations, que les gens entrent et quittent la rame au son des annonces trilingues. Un film sans prétention qui rend indirectement hommage à Ernie Gehr, filmant les passants dans une rue de Brooklyn ou le temps qui s’écoule dans une avenue de Manhattan. L’écoulement du temps appréhendé différemment dans l’espace clos d’une caserne est à l’œuvre dans 03 : 04 (2000) de Ting Fu Huang. L’aspect photographique du documentaire restitue la banalité de la vie des conscrits, la rendant presque attrayante par sa plasticité. Quelques visages, quelques attitudes sortent de l’anonymat, tranchent sur l’ennui inhérent à l’enfermement. Sans commentaire, utilisant différentes vitesses d’enregistrement, le film dresse un portrait accablant d’une jeunesse confinée, réduite à un champ d’activités restreint, dans un lieu pour le moins désolé, une des îles dans le détroit de la Mer de Chine. Ici, comme dans She Wants to Talk to You (2001) d’Anita Chang (émigrée de la seconde génération, née aux Etats-Unis), où des Népalaises racontent leur expérience de l’émigration, c’est l’aspect expérimental du documentaire qui, au-delà des sujets, retient l’attention.

Anita Chang She wants to talk to you Dans 30 : 04, l’utilisation de l’accéléré permettait de condenser l’expérience routinière des soldats, dans le film d’Anita Chang, le refilmage de documents et le développement manuel confère au film des textures, un grain, des taches et des rayures, qui deviennent la marque d’une subjectivité. Subjectivité de ces femmes qui commencent à faire l’expérience d’une certaine liberté. La personne déplacée est également au cœur du film de Lana Lin, Taiwan Video Club, comme de la courte fiction And Now Happiness (2001) de Tung Wang, qui oppose désir et religion dans la vie d’un garçon à New York.

Beaucoup de cinéastes d’origine taiwanaise travaillent sur la mémoire selon des modalités propres à chacun.  Le journal filmé et l’évocation d’un temps plus ou moins distant sont à l’œuvre dans Grandma (2008) de Sumigyen et dans les films de Zhen Niam Kuo. Ces retours vers un ailleurs sont explorés plus systématiquement dans les films de Ming-yu Lee. Depuis That Day (2005) en passant par Going Home (2008)6 et jusqu’à Home Not Yet Arrived (2010) le cinéaste recourt prioritairement au super 8 où au téléphone portable pour réaliser ses films qui se focalisent sur de micro événements du quotidien, ou s’absorbent dans les regards et les gestes anodins, presque sans qualité et qui pourtant permettent de saisir une atmosphère, des émotions, des sentiments. 

Home not Yet Arrived Mingyu LeeHome Not Yet Arrived revêt la forme d’une lettre adressée au père décédé, l’informant de la vie familiale actuelle, et ce alors que le souvenir du père s’estompe et qu’on finit par y penser moins fréquemment. Les films sont développés par le cinéaste et souvent refilmés selon des stratégies évoquant les matérialités des laboratoires alternatifs d’Europe ou d’Asie. Sont privilégiés les liens que Ming-yu Lee entretient avec les groupes de super 8 et, avec le mouvement des laboratoires dont l’esthétique affirme  similairement la matérialité et les spécificités du support argentique. La plasticité du portable est affirmée par de nombreux cinéastes contemporains et, qui à l’instar de Lionel Soukaz pensent que: « L’image est moins bonne que celle des caméras DV, mais elle est plus chaude, plus proche de l’image du super 8.7 ». De plus, comme le remarque justement Yung Hao Liu8, ce n’est pas tant l’authenticité qui est privilégie, bien que ce soit celle ci qui fasse écran au film, qui est recherché par le cinéaste que l’affirmation d’un style à travers le flou, le baclé, etc. Il partage cette volonté de ne pas se plier à une esthétique policée dominante que l’on retrouve chez quelques cinéastes et artistes contemporains.

Deux artistes plus anciens se distinguent : Wu Chun Hui et Chieh-Jen Chen. L’un venant du théâtre et du cinéma, l’autre des arts plastiques et plus particulièrement de la photographie.

Pour Wu Chun Hui, la rencontre avec le cinéma se réalise en priorité à travers le found footage. Travaillant à partir d’objets déjà filmés, on peut manipuler à son gré, surtout si l’on développe soi-même les images trafiquées à la tireuse optique. Dans le cas d’Intimacy puis de More Intimacy, une séquence de film porno homo, retravaillée, permet de montrer le rapport entre le grain de la peau et celui du film, et met en jeu notre capacité à trier les informations dans une image complexe. Que voit-on vraiment, qu’appréhende-t-on ? Ce qui est enregistré où ce que l’on aurait aimé voir enregistré ? En manipulant cette séquence, et grâce au jeu des surimpressions, le cinéaste crée des relations qui n’ont pas d’autre existence en dehors de la pellicule. Il induit des rencontres inédites, mais moins fortuites qu’elles ne paraissent de prime abord. Tony Wu propose de nombreuses versions de ses films: Cemetery  en compte 7, sur différents supports : super 8 et 16mm, ou plus récemment la série d’installation et film Resurrection, qui en compte 5.

Dans Pycho Shower (2001), comme dans Intimacy ou Cemetery, le bleu domine.

tumblr_mbqiqdW5J31ql18tio1_500L’écran en est saturé.  Hommage au film d’Hitchock, Psycho avec la scène de la douche,dans laquelle l’irruption du meurtre joue un rôle capital.  Le refilmage de cette scène centrale procède par saccades. Les saccades, les délais, les retards étirent la scène initiale et la métamorphosent. Un univers s’ouvre alors. En ralentissant la scène, en la décadrant, le cinéaste convoque un passé cinématographique qui inclus non seulement le cinéma des années 60, comme la Jeanne d’Arc de Dreyer. La scène initiale s’étire (mais à la manière de Douglas Gordon), elle se replie afin de mieux se déployer selon des modalités qui rappellent les procédés utilisés par Raphaël Ortiz et Martin Arnold. Il ne s’agit pas de la citation d’un processus : le cinéaste propose une médiation sur le regard, sur la distance et la mémoire du cinéma, à travers le cinéma. Déconstruction de la scène image par image et remontage, un remixage qui ne respecte pas nécessaire la continuité initiale.  Cette douche devient la mémoire d’un cinéma à venir. Tony Wu structure ses trois films grâce au travail chorégraphique qu’il accomplit avec les différents éléments mis en jeu.  L’arrangement des mouvements, leurs reprises, les variations et permutations du cadre, d’un geste, les répétitions d’une action, d’un plan deviennent ainsi des moments dans l’acquisition d’un savoir, qui travaillent notre capacité à gérer l’information déjà vue. Il convoque nos souvenirs comme il le fera plus directement encore en introduisant dans Making Maps (2002) des séquences de home movies, montrant des enfants qui se baignent.  Un futur éventuel est envisagé pour un enfant asiatique qui vit dans le monde des Blancs : écho lointain de la situation du cinéaste dans un monde dominé par le cinéma expérimental occidental.

De la même manière, nos souvenirs sont envahis d’images qui ne nous appartiennent pas directement, mais que nous incorporons, que nous faisons nôtres : images de conflits, images pornographiques, clichés cinématographiques. Tout concours à faire de notre mémoire un paysage traversé d’images dont nous n’avons été que spectateurs. Les images font surgir les possibilités masquées qu’elles contiennent (le travail de Martin Arnold irait dans ce sens), ou bien elles sont le miroir9 de nos pensées les plus secrètes, images sur lesquelles on revient sans cesse. Le travail sur le retour des images irradie la pratique filmique de Tony Wu. Des images de Making Maps déclencheront Maps Dreaming (2001). Incarnation (Boy) donnera naissance à Re : Incarnation (Boy) (2003). On pourrait multiplier les exemples qui font du recyclage, de la recombinaison et du retraitement des outils de prédilection du cinéaste, qui prolonge un travail en jouant avec les variations.

On en trouve une récente manifestation dans la série : Resurrection ( 2006 à 2008)10. Cette série travaille la relation que les émulsions entretiennent à la photographie, à la vitesse et au cinéma. Le défilement et la granularité des émulsions, 16mm, Super 8 et 8mm accumulés au fil des ans lors de voyages en Europe s’opposent aux images gelées majoritairement en négatif dans Europe Ressurection (2006). Dans ce projet somme, Tony Wu, explore les seuils de perception et de reconnaissance des images qu’il avait entrepris avec exTaipeit (2005) qui associe quatre couches de flux d’images: travellings latéraux de plan des fenêtres de métros de différentes villes du monde et transcriptions rapides de textes, à quatre sources audio selon une construction qui induit conflagration et télescopage d’informations et questionne nos seuils de perception. L’impression de collage en flux domine dans ce film, alors qu’avec la série de Resurrection, l fait face à une mosaïque de mouvement et de textures produisant par couches de fragment concassé, une topographie de ville, dans Europe Resurrection et une ville : Paris plus précisément dans les trois opus de 2008: Last Night I Had a Dream, About My Mother, But I Could Not See Her Face et Paris Ressurection. Ce dernier se distingue par le traitement des photos, qui syncopé et parfois en surimpression sont trouées, déchirées, en lambeaux laissant apparaître la lumière et permettent ainsi la production d’images composite proche du vitrail. En ce sens l’esthétique déployée se rapproche de celles qui sont développées par Carolyn Avery ou Cécile Fontaine selon des techniques de décollages (liftings) des couches émulsives.

Cette série se singularise par la production d’image composite, images non-inscrites sur le ruban, mais que la pulsation cinématographique rend possible. La série se déploie selon des champs qui vont du personnel et de l’intime dans son usage de bandes de films dont on distingue de un à quatre photogrammes pour le premier opus de la série (Europe Resurrection), quittant progressivement le champ cinématographique pour affirmer par degré une dimension graphique et composite qui font entrer le travail dans un champ plus contemporain et proche d’une esthétique numérique, alors que les moyens utilisés ne le sont pas. Cette interrogation sur les vestiges d’un passé lointain ou proche, Chieh-Jen Chen, la met admirablement en scène dans ses photos et dans ses films : “ Je ne peux m’empêcher de regarder à ces images d’anonymes torturés, exécutés. Il semble qu’on peut voir par-delà ces images, d’autres couches d’images et de mots, latents, non dits. …/… Dans cette compulsion à regarder ces photographies, souvent je me voyais être la victime, ou le bourreau, ou un collaborateur de ces photos. ”11

Depuis quelques années, cet artiste a travaillé à partir de photos de supplices, de massacres ou de torture. Le supplice s’est toujours montré, a toujours été pensé sous forme de spectacle : on se souvient de la description étonnante de Michel Foucault qui ouvre Surveiller et punir.

Une des photos de la série Genealogy of Self est réalisée à partir d’une photo du supplice du Lingchi, prise en 1905 par Georges Dumas. La photo historique, agrandie et transformée, est à l’origine du projet cinématographique de Chen.  

Il recrée, grâce au pinceau numérique, le supplice du Lingchi consistant à découper une victime en petits morceaux tout en évitant qu’elle ne meure trop rapidement. Comment ménager la victime et le spectacle ? À quoi pense la victime alors qu’agonisante, elle subit de nouvelles interventions, quel regard porte t-elle sur nous qui regardons ?  Ces questions sont centrales pour comprendre le travail de la photo et du film. La scène du film a été tournée en 16mm, puis manipulée image par image. Lingchi – Echoes of a Historical Photograph (2002) existe en deux versions: en simple écran ou comme installation en triple écran – forme sous laquelle il a été montré lors d’une Biennale de Taipei (2002). Dans sa forme en installation, la dimension mystique du travail est soulignée par le choix du triptyque.

3. Lingchi 2

Suite de lents travellings latéraux et de plans rapprochés de la victime, le film est pour la plus grande part teintée en sépia. Il montre les instruments et la préparation du supplice, puis son exécution. On est immédiatement saisi par la qualité de l’image, qualité que l’on retrouve dans tous ses films. Les compositions minutieuses, les mouvements fluides et lents d’appareils plongent les scènes filmées dans un temps suspendu, qui permettra de constituer une mémoire d’un évènement, d’un lieu, par le changement de point de vue. Cette composition est comparable à celles dont la religion et l’art ont fait grand cas à savoir la représentation  de corps souffrants ou hystériques. L’image est traitée comme le supplice : on n’est jamais directement confronté à la représentation du supplice, ce n’est ni “ gore ” ni même “ trash ”, et à la différence du Blow Job (1963) d’Andy Warhol, le hors champ n’est pas le moteur de  représentation12. Avec ce film, Chen Chieh-jen (se) demande si l’on peut accéder à ce que pensent le bourreau, la victime lors de l’accomplissement d’un tel rite? Et que dire, des transformations provoqués par le spectacle d’un tel supplice, dans la psyché des spectateurs ?   Seul un léger flou souligne la distance entre l’objet de notre regard – le supplicié – et le sujet qu’est le rite du supplice des huit couteaux. Par cet écart, nous pouvons continuer à voir encore et encore. Parfois, comme dans le Salo de Pasolini, la distance et le sentiment de voyeurisme sont accentués par l’irruption d’un photographe fabriquant un cliché stéréoscopique du supplice et de ses instruments. Il ne s’agit pas de body-art ou même de sa représentation13, tels que les promurent les actionnistes viennois ou les artistes chinois contemporains, mais plutôt d’une re lecture de l’histoire, à travers une reconstitution du supplice de la mort languissante. Tenus à distances, mais parfois nous passons de l’autre côté à l’intérieur du supplice, notre regard occupant la place des plaies. Nous sommes en présence d’une œuvre singulière qui interroge les techniques d’enregistrement d’un châtiment en faisant appel à l’histoire de ses représentations et à ses mésinterprétations culturelles. La souffrance du supplicié est muette, déréalisante elle finit par abolir les sens, d’où l’extrême malaise lorsque se fait entendre la présence ponctuellement un son sourd, transfert d’ondes électromagnétiques de la peau de l’artiste.

Le film interroge notre ambivalence vis-à-vis de la représentation de la violence, de sa mise en scène entre fiction et réalité, autant que les usages que nous en avons, que nous en faisons et ce d’autant que la photo du supplice et le film renvoient à l’économie du colonialisme et de son exploitation de l’exotisme qui évince l’autre confisquant toute parole singulière en dehors des siennes.

On retrouve le silence des exclus, des chômeurs, des déclassés dans d’autres films de Chen Chieh-jen, les ouvrières d’une usine de textiles dans Factory (2003), des étudiants, chômeurs, et sans abris dans Military Court and Prison (2007-08). 

factory À chaque fois, il est question de revenir sur un lieu, de revisiter des usines fermées pour cause de transfert de production vers d’autres pays, ou bien d’immeubles abandonnés, tours ou institutions judiciaires comme le tribunal militaire et sa prison afin d’inscrire une continuité malgré l’arrêt, l’abandon. Le film fait archive, il permet de constituer dans les lieux, la mémoire des outils de productions ou d’exclusions… Le film garde la trace, et permet d’écrire une histoire, de se réapproprier un évènement qui aurait pu avoir lieu; ainsi ce piquet de grève dans The Route (2006)14 des dockers de Kaohsiung, qui en 1997 avaient déchargé un cargo auquel les dockers du monde entier s’étaient refusés jusqu’alors face à la privatisation des docks dans le monde. Alors qu’ Empire ‘s Borders 1 (2008-09) met en jeu la disqualification d personnes désirant se rendre à l’étranger, par exemple aux Etats-Unis, ou à Taiwan. Les services administratifs refusant d’écouter les requêtes des voyageurs, des immigrants. Cette disqualification des personnes est devenue à ce jour l’une des techniques les plus utilisées par les démocraties du monde qui s’arroge le droit de laisser circuler les marchandises, mais pas les humains. Privés de parole et par conséquents de droits, les Chinois mariés à des taïwanais désirant se rendre à Taiwan, se retrouvent dans la même situation.

Tout le travail de Chen se focalise sur la possibilité de renouer avec des histoires, avec une histoire avec son histoire qu’il s’agisse de celle d’une personne autant que d’un pays; la dimension politique est centrale: « Taiwan est devenue une société de consommation avec une grande facilité d’oubli qui a abandonné son droit de se conter et cela m’a incité à m’opposer à cette tendance. Ainsi chaque film que je réalise incarne une modalité de résistance, on doit voir chaque film que j’ai comme un acte de connexion, qui lie l’histoire des gens exclus du discours dominant, les situations de vie réelle de sphères ignorées ou isolés. Je m’oppose, ainsi à l’état d’amnésie dans la société de consommation. » Avec Empire’ Border II, Western Entreprises Inc (2010), Chen Chieh-jen continue son investigation sur les lieux de mémoire et leur effacement. Cependant bien que les architectures et les lieux de travail déliquescents sont voués à s’effacer, les corps conservent encore la trace de l’aliénation. L’espace du travail a marqué les corps qui êtres fantomatiques errent dans les anciens lieux de travail délocalisés ou bien inutilisés, car obsolètes. Dans ce film l’irruption de l’histoire du père en préambule, il fit partie en effet de la NSA (National Salvation Army). Cette unité était une organisation militaire mise en place par la CIA pour combattre la Chine communiste. Ce préambule modifie le rapport que nous avons aux lieux l’immeuble de la Western Entreprises Inc et aux ouvriers, soldats (mais le sont-ils qui hantent cette fabrique désaffectée qui était en fait l’immeuble de couverture de la CIA à Taiwan). L’étirement des plans fait surgir le Stalker d’Andrei Tarkovski, alors que leur plastique s’apparente à celle que travaillait Serguei Loznitsa dans ses documentaires ou films de compilations. La présence d’un son lourd en rotation constante s’interrompt brièvement pour faire entendre quelques échanges laconiques entre différents personnages se souvenant ou essayant de comprendre. Tout participe dans ce film d’une tentative qui vise à écrire, ré écrire une histoire qui a été effacée, évincée. Comment faire face à cette absence, comment un peuple, des hommes peuvent-ils élaborer leur histoire si celle-ci est marquée par ses hiatus, ses trous noirs. Tout le travail de Chin Chieh-jen se polarise sur cette question de la constitution d’une mémoire qui n’existe pas car elle a été délibérément annihilée. C’est ainsi qu’il faudrait alors comprendre l’importance du noir et blanc dans la majeure partie des travaux de Chen. Dans Empire’ Border II, Western Entreprises Inc ont fini par ce demandé si il s’agit vraiment de noir et blanc ; la plastique et le soin apporté au traitement des teintes, confèrent à ses films une dimension picturale indéniable.

La pluralité et la diversité des œuvres retenues remettent en question notre regard autant que notre aptitude à  comprendre des cultures étrangères et dont nous n’avons en tout cas, en ce qui me concerne, qu’une connaissance limitée15. Pour reprendre les termes de son analyse, on pourrait dire que toute la difficulté réside précisément dans le fait que, nous nous attendons à voir ce que nous projetions d’y trouver. Et, si jamais cette attente n’est pas satisfaite, alors, notre jugement peut devenir négatif ; ce qui est dommage dans la mesure où la confrontation avec les cultures est justement ce qui permet d’envisager un dialogue c’est-à-dire ce qui permet de transformer notre regard. Mais dialoguer c’est envisager et confronter les points de vue, multiplier les interprétations.

yann beauvais

1 Yung hao Liu et Pai Zhang Wang ont traduit pour Film Appréciation Journal, le catalogue Le Je filmé (Centre Pompidou, ed scratch sous la direction de yb) n° 82, Taiwan Jui/Aug 96, de même celui sur Audio in Vision Out Mars avril 1999  à cet égard, exemplaire.les numéros  106 Jan Fev  et 107 Mars Avril  sur le super 8, coordonné par Wu Chun Hui en 2001, depuis de nombreux autres numéros ont été consacré où ont abordé le cinéma expérimental de manière plus régulière.

2 Cofondateur avec Pai-Zhang Wang d’Image Movement Cinematheque. Il a réalisé un film expérimental à San Francisco et travaille depuis 2002 sur un documentaire.

3 Sylvie Lin a écrit plusieurs articles sur différents cinéastes, vidéastes dans le cadre de cette revue.

4 Pour une mise en perspective des enjeux de l’animation contemporaine voir Dominique Willoughby : Le cinéma graphique; Editions Textuel, Paris 2009

5 Par exemple Untitled 8 (ejaculate in trajectory), 1989, ou  Semen Blood 3, 1990

6 Dans ce film, plusieurs formats sont utilisés: super 8 et 16mm et Hi-8.

7 Le Monde 19/06/10.

8 Donner un peu de couleur au ciel, in Paysages du contresens, Lee Ming-yu, Commabooks, Taipei 2010

9 Sur les rapports entre mémoire et miroir, voir Lin Chi-ming, “ Mémoire, histoire, généalogie ”, in Asiatica II, Paris / Galerie du Jeu de Paume, 2001.

10 Cinq opus à ce jour.

11 Chieh Jen Chen : About the Form of my Works, http://www.asa.de

12 Roy Grundmann a consacré à ce film de Warhol une étude passionnante, Andy Warhol’s Blow Job, Philadephie, Temple University Press, 2003. Cette étude s’attach principalement à la représentation et au hors-champ.

13 Voir Kurt Kren et Otto Mühl ont filmé de nombreuses performances des actionnistes viennois tout en y participant.

14 Le film prend le pretexte des grèves ayant fait suite au chargement dans le port de Liverpool du Neptune Jade : http://www.iww.org/unions/iu510/jade/

15 Fei Davei à très bien analysé les limites de la compréhension d’œuvres par un regard étranger in Another Long March  in Chinese Conceptual and Installation  Art in the Nineties, Chris Driesen et Heidi Van Mierls, Fundamental Foundation, Breda 1997

Autoportrait dans le cinéma (Fr)

Zeuxis n°14, Paris 2004

Si, comme le revendique de nombreux cinéastes, le cinéma expérimental est avant tout un cinéma à la première personne, un cinéma qui exprime et affirme une subjectivité, dresse le portrait d’une individualité à travers ses visions, alors on peut comprendre l’intérêt qu’ont porté les cinéastes pour l’autoportrait et qu’il soit une forme caractéristique dans le cinéma expérimental.

Il faudrait différencier l’autoportrait dans le cinéma expérimental du projet du journal filmé. Ces portraits filmés, autoportraits sont parties prenantes du projet autobiographique pour quelques cinéastes dont le propos cinématographique s’inscrit dans la perspective d’un récit filmé à la première personne.

La dimension temporelle inhérente au support cinématographique, entraîne nécessairement des altérations vis-à-vis de l’autoportrait qui, en peinture, en photographie restitue un moment donné quand bien même celui-ci soit le résultat d’une synthèse en proposant la condensation de plusieurs moments distincts ou attitudes.

L’autoportrait cinématographique ne se contente pas du seul plan fixe, il excède l’arrêt sur image. De son côté, la photographie peut s’envisager comme prélèvement, ou plus exactement comme ce moment de restitution d’un arrêt sur image d’un film dont on n’aurait pas trouvé toutes les images. On peut envisager alors l’autoportrait au cinéma comme la fusion possible de ces images virtuelles.

Plusieurs stratégies sont à l’œuvre des lors qu’il s’agit de (se) tirer le portrait. L’une consiste à mimer la prise photographique en demandant au sujet de se tenir face à la caméra pendant un temps donné (qui peut être la durée de la bobine 16mm ou super8). Le sujet est alors libre de ses mimiques autant que de ses postures, il peut décider de se mettre en scène dans ce cadre et s’incarne pendant la durée de la prise à la manière des personnes filmées par Andy Warhol pensaient contrôler leurs images dans les Screen Tests, ou dans les cinématons de Gérard Courant, alors que Gregory Markopoulos ne laissait pas autant de latitude aux personnes qu’il filmait dans les différentes séries de portraits qu’il s’agissent de Galaxie (1966) ou de Political Portraits (1969).

Dans l’autoportrait, la question du visage est prédominante. Comment aller par-delà du stade du miroir ? comment se perdre dans un visage ? La production du portrait permet de scruter les transformations du visage, peut-on parler de vieillissement (?), autant que la manifestation d’une expression. Le recours à l’extrême accéléré qui fige l’expression d’un sourire dans un continuum qui évacue le différent comme c’est le cas dans certains fluxfilm tel que Disapperaing Music for Face (1966 de Mieko Shiom). Il en est de même de Two Virgins (1968) de John Lennon et Yoko Ono. Ces films semblent abolir l’action au profit d’un présent et qui par son s’étirement, s’altère, à force de différer il induit le différent. Chez Andy Warhol, le différé est obtenu par la projection à 16 images seconde, qui transforme les paysvisages des protagonistes de Haircut, Eat, Blow-job. Ce ralentissement de la cadence confère au noir et blanc un aspect argenté, quasiment un velouté de l’image. On peut recourir à des artifices photographiques afin de gommer, effacer tout ou partie du visage, le recours à un éclairage très contrasté souligne la difficulté, le mal d’être, dont on a un exemple parlant dans Aus der ferne Memo Book (1989)de Matthias Mueller.

Le visage comme paysage, un véritable champ de bataille, est particulièrement bien illustré chez Olivier Fouchard qui dans ses différents Autoportraits, travaille les textures, le grain de l’émulsion en fonction de diverses manipulations photo chimiques. Les yeux aspirent, oxident les couleurs, deviennent des trous noirs. La variation ici n’est pas obtenue par un dispositif qui transforme lors du tournage le portrait comme c’est le cas chez Christian Lebrat (Autoportrait au dispositif 1981), Unglee (Forget Me Not 1979)et d’une autre manière chez Dominique Willoughby dans Bal (1981). Ces deux derniers cinéastes travaillant image par image en procédant par accumulation, comme le faisait à sa manière George Griffin des 1975 avec Head.

Faire son autoportrait ne signifie pas pour autant se filmer. Hollis Frampton en fait magistralement la preuve dans Nostalgia (1971). Un portrait réalisé à partir de photographies qu’il commente soi disant, alors que c’est la voix de Michael Snow que l’on entend sur la bande son, tandis que sont décrites les photos. Cette voix qui n’appartient pas à ce qu’elle dit, permet d’éviter l’épanchement du journal, de la confession, elle confère une altérité, elle est la voix de l’ego fictif, en l’occurrence celle d’Hollis Frampton. On retrouve des stratégies proches chez Su Friedrich dans Sink or Swimm (1990) et Michael Wallin dans Decodings (1988). C’est la fiction du sujet, le façonnage d’un individu selon son genre, sa classe qui sont analysées dans ces deux films.

Aujourd’hui, l’autoportrait déploie allègrement l’épanchement narcissique se répand d’autant plus facilement que les lieux pour accueillir les images en mouvement sous la forme d’installation se sont multipliés. La parole intime prend le pouvoir et occupe l’espace d’exposition, en fait son lieu de fiction ; pas un espace d’exposition sans projection, ou sans moniteur.

La production d’autoportrait dans le cinéma et la vidéo est aujourd’hui plus importante. Elle semble dominante au Japon, ou à l’instar de Horoyuki Oki et Yuri Obitani, nombreux sont les cinéastes qui travaillent à la lisière de l’autoportrait et du journal filmé. En cela ces cinéastes partagent ce goût du jour pour les autofictions à la manière de ce qui se fait en littérature (Christine Angot, Banana Yoshimoto) et dans les arts plastiques (Valérie Mrejen, Nelson Hendricks…)

Auparavant, dans les années 70, les portraits étaient plus souvent le travail du double portraits tels ceux de Maria Klonaris et Katherina Thomadaki, ou ceux du group Métro Barbes Rochechouart ou encore ceux de Yoko Ono et John Lennon.

L’intérêt pour les récits du quotidien, le travail sur la représentation de soi en fonction des critères de modes a envahi progressivement le film et la vidéo à la faveur du super 8 dans un premier temps et des mini dv. L’épanchement narcissique que manifeste l’outil vidéo s’est décuplé grâce à sa plus grande accessibilité. Il n’est plus question dans ces travaux d’une présentation dé subjectivé comme elle peut l’être dans certaines œuvres minimalistes. Ce n’est pas tant le sujet que l’action réalisée ou les processus déployés qui importent comme c’est le cas dans quelques vidéos de Vito Acconci, films de Dan Graham ou Valie Export.

Cette manifestation de soi selon de petites fictions du quotidien se déploie dans la plupart des premières vidéos de Sadie Benning, comme It was not Love (1995), transforme l’espace de son quotidien comme celui de la fiction se retrouve chez Helena Villovitch dans Je tricote (1997), et d’une manière plus performative Anja Czioska dans One Pussy Show (1998),lorsqu’elle se filme mettant tous ses vêtement.

Le sujet est ici donné, tout ce qu’il fait peut devenir l’objet d’un film. Les activités quotidiennes : s’éveiller (Pierrick Sorin), se laver (Anja Czioska), baiser (Frédéric Charpentier, Kerstin Cmelka), dormir (Sophie Calle)… sont les sujets des films. Parce que ces actes sont répétés, parce qu’ils sont quotidiens, ils sont enregistrés. La répétition entraîne la performance, et par la même l’enregistrement. Le super 8 a joué un rôle essentiel dans ces filmages car à la maniabilité de l’outil, il privilégie un parti pris anesthétique, dans la mesure ou ce format est considéré comme celui de l’amateur, anticipant par la même le foisonnement de la production impliquée par l’usage des mini dv.

yann beauvais

mostrar o que não se vê — Su Friedrich & o cinema (Pt)

Publicado em Francês em Gruppen n°6 Hiver 2013 Mont de Marsan

À sombra tutelar dos cineastas americanos, trabalhou na área do “documentário subjetivo”; Wharol, Mekas, ou seja artistas que documentaram micro-mundos, ambientes nos quais eles se identificavam, o cinema de Su Friedrich se desenvolveu privilegiando a fala, a escrita de um “eu”, se distanciando da celebração apenas em benefício de um posicionamento em relação ao mundo. Segundo Catherine Russel, mesmo se Warhol transforma seus amigos-atores em produtos, enquanto Mekas torna seus amigos cineastas em poetas de um novo mundo; aquilo que os motivava não era documentar os mundos, mas renovar as formas das representações cinematográficas, colocando em primeiro plano a experimentação formal e a expressão pessoal.
Essas duas abordagens serão criticadas pelos cineastas que se afirmaram nos anos oitenta, entre os quais Trinh-Minh-há, Peggy Ahwesh, Su Friedrich, Abigail Child, Leslie Thornton, Pratibha Parmar, Isaac Julien, Marlon Riggs, Richard Fung, são as figuras mais importantes.

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A primeira vez que eu assisti um filme de Su Friedrich, em Londres, foi Gently Down the Stream de 1981. Esse filme curto me surpreendeu, ele parecia muito distante de tudo que então acontecia na França. Ele associava diferentes técnicas e conteúdos, usados com pouca frequência (poucos usitados) no cinema experimental da época, apesar do fato do cinema do corpo ser um cinema subjetivo, o filme focava mais na performance que na intimidade. Gently Down the Streamcoloca a dimensão pessoal como prática política que torna do sonho um instrumento de análise de si mesmo e do social. A política dos corpos e dos gêneros, assim se manifestava através de uma série de sonhos gravada sobre a emulsão. Trata-se de uma seleção do seu diário de sonho. As imagens, acompanhando esses sonhos, não necessariamente ilustravam o conteúdo do sonho, a relação era menos sutil, menos tênue. Como escreve a cineasta, em um livro de artista que ela dedica a esse filme: “Quando a gente assiste ao filme, se leem os treze sonhos”. Os textos espalhados ritmam o filme, dando-lhe um aspecto tátil; eles ritmam e dão forma à imagem composta do filme, palavra por palavra, letra por letra, assinando, legendando, taxando as imagens fotográficas cujo elemento dominante é a água, imagem em movimento constituindo o segundo elemento da proposta. Os sonhos expõem os conflitos pessoais entre a política e a sociedade, frente à sexualidade, religião e feminismo. Esses temas são trabalhados ao longo da obra da cineasta.

Quando Su Friedrich se lança, embarca, no cinema experimental, este está amplamente dominado pela produção masculina. Ela constitui o corpus majoritário do panteão da Antologia Film Archive nomeado The Essential Cinema, apesar da importância das obras de artistas norte americanas como as de Maya Deren, Shirley Clarke, Marie Menken, Chick Strand, Joyce Wieland ou Carolee Schneemann. Os efeitos de questionamento da dominação masculina no cinema experimental e o vídeo demoraram a se atualizar no campo institucional – durante os estudos feministas, depois do artigo de Laura Mulvey Visual Pleasures and Narrative cinema – desenvolvendo-se a partir de meados de 1975. Para Laura Mulvey, um cinema feminista só podia ser um cinema de vanguarda opusendo-se ao cinema hollywoodiano, devendo “libertar o olhar da câmera, na sua materialidade temporal e espacial, e o do público no seu distanciamento apaixonado e dialético.” Essa libertação do olhar foi realizada por várias cineastas tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, desde o final dos anos setenta, e de maneira mais forte nos anos oitenta com a emergência de uma nova geração que, como Su Friedrich, redefiniram as práticas do vídeo e do cinema, sem se impedir de trabalhar narrativa e prazer visual, como acontece em Damned If You Don´t (1987) provando literalmente o pressuposto quanto às boas e más freiras de Black Narcissus (1947), de Powel e Pressburger.

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Para essas mulheres cineastas, as questões da diferença, da alteridade, do gênero e da raça são essenciais para que dessem forma, querendo ou não, tanto às nossas representações, quanto as dos outros. A inquietação, a instabilidade, que essas questões trazem à tona, aparecem nas montagens estouradas, fragmentadas, em Abigail Child, mas também nos estratos narrativos polifônicos de Yvonne Rainer, ou ainda, entrelaçando a ficção à realidade, num jogo que Su Friedrich coloca na maioria dos seus filmes. O reconhecimento da especificidade da sexualidade lésbica é importante para a cineasta, na medida em que ela foi, no cinema, no mínimo marginalizada ou sempre colocada como perversa. É com o movimento feminista e os movimentos gay e lésbico, que surgem representações positivas de lésbicas nos filmes de Jan Oxenberg e Barbara Hammer, nos anos setenta.

Como construir filmes a partir de sua experiência pessoal sem se deixar levar à complacência do narcisismo, é basicamente a questão que resolve a cineasta. Cada filme é elaborado a partir de um evento, de um questionamento, de um conflito. A resolução do conflito não é o objeto cinematográfico, a questão não é fazer uma terapia através do filme, mas sim usar o conflito como pretexto para colocar em andamento os processos criativos que, expondo o conflito, o ultrapassam, a fim de colocar em comum uma experiência. É no compartilhar dessa experiência, e portanto no distanciamento da cineasta em relação á “sua” história, que o filme se enraíza, a obra em si. A dificuldade está na faculdade de estabelecer a distância certa entre o afetivo e a efusão. Se as histórias que nós temos para contar estão próximas demais umas das outras, então não arriscamos sobrecarregá-las afetivamente, sem conseguir cortar o excesso de proximidade. A questão não é de se livrar do íntimo, mas achar os meios de falar de uma experiência singular sem se amarrar, ancorar, definitivamente a um sujeito. O trabalho do filme consiste na produção de um sujeito flutuando (objeto do filme), que é compartilhável, embora o que seja dito seja perturbador. O problema não está na perturbação, mas no fato que ela não esconde o projeto. Para isso, a cineasta desenvolve estratégias a fim de articular os aspectos formais ao pessoal, no curto texto publicado em 2003, reconhecendo a importância da percepção dos outros na elaboração dos projetos: “Esse grupo generoso de amigos flutuantes, que coletivamente passou centenas de horas ao longo dos anos, lendo textos e assistindo a projeções nas salas de montagem, me dizendo o que eles escutavam e viam.”

Em Sink or Swim (1990), o recurso a um alfabeto invertido impõe o número de partes do filme, vinte e seis histórias, seguidas de uma coda. Essas histórias contadas pela voz de uma menina se acoplam sobre imagens de fontes diversas. A relação entre esse texto (ouvido) e as imagens é flutuante, como se nós estivéssemos na presença de dois estados de um sujeito, que às vezes convergem, divergem, ou se casam brevemente, criando movimentos e velocidades de consciência distintas durante a percepção. O filme se propõe a tornar visível, e audível, simultaneamente, a voz da menina; a experiência da criança, como também tornar visível a ausência do pai. É pelo intermédio da voz que esses dois invisíveis se tornam acessíveis. O ponto de convergência das duas pistas, se realiza quando a cineasta datilografa uma carta ao pai que ela gostaria de ter lhe enviado. Convergência dos tempos pela produção de uma escrita em ação. Não é mais a lembrança, mas a produção em si de uma mancha, de um processo análogo a este que consiste em fazer um filme. Tornar visível, dar a ouvir são invariáveis dentro do movimento feminista que tentou, entre outras coisas, afirmar a existência de um gênero tomando posse e produzindo suas próprias representações. Porém, como o diz a cineasta: “Eu não quero amenizar o que as feministas fizeram, mas a maior parte do discurso da época se concentrava nas mães, nas filhas e nas mulheres em relação aos homens. Se falava dos homens, mas não de maneira direta. Ele sempre era invisível. Isso, é o outro aspeto da invisibilidade, tem, de um lado, os oprimidos que se sentem invisíveis, e do outro lado, o opressor cujo papel é invisível. Eles estão presentes, quero dizer os pais estão presentes, os líderes políticos tem uma presença pública, mas o que eles realmente são não é visível. O que se vê, é o papel público deles, o que eles são de verdade não é visto. Uma das razões de fazer Sink or Swim é de dizer que eu quero tornar visível esse pai pelo que ele realmente é.” A incorporação de trechos de programas de TV americana (Father Knows Best) apresentando uma célula familiar típica revela de maneira caricatural os clichês que as mídias de massa carregavam nos anos cinquenta.

SOSQuando se pensa emSink or Swim e no dispositivo que ele desdobra, a gente fica surpreso pela diferença existente na exposição e a articulação do pessoal e sua divulgação pública, comparado ao cinema pessoal, até então em voga. De fato, a questão não é para a artista criar um mito através de diversas reminiscências poéticas, ainda menos constituir uma lenda, também não se inscreve na produção de um discurso, chamando ou convocando a História das ideias e do mundo. À diferença de Hollis Frampton, a qual se faz frequente referência, e sobretudo o filme Zorns Lemma, quando se fala de Sink or Swim, a cineasta não participa dessa produção modernista, que é a grande narrativa e em particular da narrativa especulativa. De maneira mais simples, ela conta histórias, não uma história, ela convoca uma dimensão afetiva sem com isso esquecer da dimensão coletiva. O filme não se inscreve num universalismo do conhecimento, mas divide a partir da narrativa de uma experiência, um território comum, ele se inscreve assim numa fenomenologia da percepção em ação e nesse sentido se distancia consideravelmente das “grandes questões”.
Se Sink or Swim trabalha a figura do pai, entre outras coisas, The Ties That Bind (1984), questiona a história do relacionamento da cineasta com a sua mãe, perguntando para esta sobre seu passado na Alemanha, sobre o que ela fez durante a Segunda Guerra Mundial, sobre o seu deslocamento, sua mudança, ao acabar da guerra, por causa do seu casamento com um americano que a deixa em 1965, com três filhos, inclusive a cineasta. As perguntas ou comentários da cineasta são riscados na emulsão preta, enquanto se ouve e se vê o rosto da mãe dela, ou tomando banho num lago, mas as imagens desta nunca são sincronizadas com a voz. Esse empreendimento se cristaliza em volta da permanência do antissemitismo, e da oposição à guerra. A troca entre a mãe e a filha está ritmada por imagens do arquivo da Alemanha Hitleriana, por plantas contemporâneas da casa da infância da mãe, do campo de Dachau, e também por vários planos mostrando a atualidade da luta pacifista, contra as veleidades guerreiras de Reagan e de suas fantasias de guerra nas estrelas. O filme cria uma ligação entre as gerações através da permanência das lutas e oposição à guerra, à ocupação. A história da ocupação da casa familiar pelas forças armadas americanas e a devastação que ocorrem, em ressonância às violações e comportamentos das mesmas forças armadas de ocupação, no Iraque ou no Afeganistão. Os comportamentos são muito parecidos e produzem um ódio comum, em qualquer lugar ou época que for. Porém, como o filme explica bem, não se pode colocar no mesmo plano a luta do grupo White Rose, de resistentes alemães que pagaram com a vida a militância, e a das manifestantes americanas contra um pequeno grupo pró-nazista americano.
A cineasta se pergunta por que a sua mãe não fez nada para se opor diretamente ao nazismo, fora a recusa de se submeter ao regime, essa pergunta antecipa a que Barbara Strenberg faz no seu filme Beating (1995), em relação ao nazismo. Nas duas cineastas, o questionamento leva ao se perguntar o que é que elas mesmas teriam feito naquelas circunstâncias.

HS Close Up Three Kids Wire 5x3FCL MAIN-waist viewSe nos primeiros filmes, a escrita na película era um elemento essencial à manifestação da cineasta, em Hide and Seek (1996) agora só tem uma, importantíssima, pois ela está associada ao querer a constatação, marcando de maneira simultânea o desejo e o proibido, a lei a seu enunciado: “eu nunca me casarei”. A declamação inscreve a recusa da aceitação do casamento para os gays e lésbicas. Hide and Seek evoca as tormentas de uma adolescente frente à descoberta de seus desejos, essa ficção é entrelaçada a uma série de entrevistas de lésbicas que contam sobre suas adolescências e a descoberta de suas diferenças. Esse filme retoma a constatação que First Come Love (1991) tinha posto em evidência em relação ao casamento, que opunha planos de saída de recém-casados de igrejas e nomes dos países, proibindo o casamento de pessoas do mesmo sexo. Em 1991, apenas a Dinamarca tinha legalizado as uniões para casais do mesmo sexo. A fala da cineasta torna-se uma fala comum, ou mais especificamente, a de uma comunidade, que a partir de uma singularidade enuncia o coletivo. Esse deslocamento já tinha sido operado comThe Lesbians Advengers Eat Fire, Too (1993), no qual a cineasta aparece falando da mesma maneira que outras mulheres da sua experiência e da militância lésbica, como difundida em 1991/92, pelo Lesbians Advengers. EmHide and Seek, ela faz o papel de uma professora que interrompe a conversa entre duas meninas durante a projeção de um filme de educação sexual. Nota-se que o filme trabalha dois registros: o da ficção e o do documentário, os unindo através da produção de uma experiência compartilhada, a da invisibilidade, do afastar do diferente. A cineasta dá a ouvir e ver, mais uma vez, o que a célula familiar e a sociedade não quer ouvir, nem ver, e isso do ponto de vista de uma menina. A questão não é de contar a história pessoal como emSink or Swim, mas de compartilhar uma experiência coletiva, embora específica para cada uma. A superação do sujeito (da sua única experiência) numa narrativa inventada, cria uma distância suficiente para que a experiência se transforme, permitindo a elaboração de um coletivo, a partir do qual lutas individuais e coletivas possam ser pensadas, ditas e efetuadas. É articulando as duas esferas, o público e o privado, fazendo de um o momento do outro, que a cineasta volta ao particular em direção ao coletivo, e estabelece ligações entre as diferentes manifestações de resistência e de afirmação feministas, e com o movimento para o reconhecimento dos direitos das lésbicas e dos gays. A escolha da manifestação de si não se expressa para todas as lutas, mas se torna exemplo dessas lutas, nesse sentido a superação de si se faz dentro da sua dissolução, através da polifonia dos testemunhos, para a constituição de um sensível compartilhado, dessa maneira, a experiência do outro pode se dar a ouvir ou se misturar à da cineasta; lembre-se que em Sink or Swim a autobiografia domina, mas ao mesmo tempo coexiste a cineasta perfeita dos retratos das famílias americanas e das suas disfunções nos anos cinquenta e sessenta. Que seja a biografia da cineasta em Sink or Swim, ou a adolescência das meninas em Hide and Seek, ou mesmo na experiência da doença emOdds of Recoveries (2002). “Enquanto minha história elabora o filme, ela é menos importante que a experiência do espetador, que está livre para lembrar-se das suas próprias histórias, condenar, dialogar, ou se identificar com minha experiência.” No seu último filme, Seeing Red (2006), encontra-se de novo essa maneira de compartilhar uma experiência pessoal a um público maior que ultrapasse o ambiente íntimo.

O trabalho cinematográfico de Su Friedrich é anterior ao reality show e não participa da compulsão narcísica que a internet e os blogues acentuaram através da apropriação dos meios de televigilância, aplicados a si como se via, e podia se pressentir em No Sex Last Night(1995) de Sophie Calle e Gregory Shepard, e sobretudo nos milhares de vídeos pessoais colocados na internet a cada dia no You tube e Daily Motion. Porém, o trabalho compartilha com essas práticas o fato de privilegiar um cinema na primeira pessoa, um cinema trabalhado a partir das crises, dos nós emocionais que a cineasta enfrenta. Não se pode falar em um cinema da reificação, nós não estamos em f rente a uma busca desesperada pelo reconhecimento de si no mundo, como realiza Anne Charlotte Robertson, nós estamos mais perto do que se chama, na literatura, de autoficção. Segundo Sérgio Doubrovky, que criou a noção “autoficção é uma narrativa cujas características correspondem às da autobiografia, mas que proclama sua identidade com o romance admitindo integrar fatos da realidade com elementos fictícios, que seja na edição clássica ou na internet.” Com o advento, a chegada, do personal cinema(o cinema na primeira pessoa), pode-se dizer que a autoficção se tornou um gênero próprio, que torna possível a transcendência do diário filmado para o benefício do ensaio e isso a partir de dados biográficos mais sutis, mas trabalhados segundo modalidades que não necessariamente respeitam a linearidade esperada pela narrativa biográfica. A livre associação pode então se tornar o motor da ficção (existe uma palavra em inglês que mistura ficção aos fatos : faction). Vários filmes de tevê (biopic), narrativas que trabalham esse registro, põem em imagem a vida de um personagem público qualquer. A cineasta não se inscreve nesse universo da biopic, quando ela se aventura de maneira mais explícita, se colocando diretamente em cena, como ela fez em The Odds of RecoveryODDS Su Doctors Office Hand 4.8x3 e emSeeing Red, para manter uma continuidade que participe do diário filmado. Diário dos problemas de saúde ou diário de uma convalescência, de volta a ela mesma a partir de um olhar crítico sobre suas (nossas) atividades domésticas; por exemplo, cozinhar. As reflexões ou críticas auto endereçadas de Su Friedrich, nos leva a pensar em nossas próprias vidas e raramente é confortável, porque nós estamos entre a surpresa e o mal-estar de assistir a tais enunciados de um(a) outro(a) que refletem as nossas próprias experiências. Assim que a cineasta o nota: “Eu acho o diário filmado enquanto gênero, muito constrangedor e problemático; mais enquanto eu fazia esse vídeo; eu descobri que os problemas eram mais interessantes que frustrantes, e que eu queria e estava pronta para me constranger sem fim, então me senti obrigada a continuar a filmar, e depois a mostrar no intuito de aprender alguma coisa em relação ao tema desse gênero confuso e perturbador (turvo e turvador).” É nessa confusão, essa ambivalência na posição da autora ao mesmo tempo sujeito e objeto, mostrado e escondido simultaneamente que reside a força do diário, tal como realizado pela cineasta.

As formas cinematográficas que  a artista desenvolve, compartilham com os escritores da autoficção a habilidade ao despertar o interesse, a confusão, a rejeição e adesão simultaneamente, como o fazem vários cineastas que expuseram as crises e problemas existenciais. Porém, no final dos anos oitenta, os filmes que falam de doença e da AIDS transformam a busca e a exposição de si e dos outros. Matthias Muller, em Aus Der Ferne, realiza um filme pessoal, o diário de um luto e  a redescoberta de si, ele se coloca em cena, mas não fala, sua imagem basta, as tormentas se leem nas texturas, ele testemunha,  faz, a partir da morte de um amigo, um filme sobre sua recuperação. Ele não tem um diário da doença, como fez Hervé Guibert e vários outros. Ele mantem a distância. Su Friedrich decide se confrontar a se mantendo a distância. Com Odds of Recoveries e Seeing Red, a cineasta fala diretamente e se expõe em primeiro plano, enquanto nunca se vê o rosto dela no segundo, mas a gente ouve ela reclamar, questionar, provocar (invectivar). Essa recusa de se mostrar exibe o momento da ficção, favorece as digressões visuais. A voz deixa progressivamente o lugar para música das imagens, tanto quanto as dos sons em Seeing Red, onde Glenn Gould com o papel de Bach, apenas destaca a dimensão obsessiva do mal estar. Embora em First Comes Love, a cineasta acompanhava as diferentes cerimonias nupciais, de músicas populares de rythm and blues, nos cercando em um ambiente de bem estar. A sua presença não se encarna num rosto, mas em sua voz. E é esta voz ,e não a expressão do seu rosto, que nos informa do poder afetivo dos enunciados. Esse desvio inscreve o ponto de separação que nos leva do diário filmado à autoficção.

yann beauvais

Para mais informação sobre a artista: http://www.sufriedrich.com/

Tradução: B³ / Claire Laribe

«It’s all the same you, you’re queer anyhow!» Os Filmes de Mark Morrisroe (Pt)

publicado em francês em Gruppen n°4, Hiver 2012, Mont de Marsan

e dado como palestra no cclo o tempo das imagens # 5, B3, Recife

Minha vida Infância + Judy Garland Escola + impopularidade Vizinhança prejudicial Mudança traumatizante Puberdade + revista de putaria Sair de casa Prostituição + celebridade Levado um tiro Trauma do lar Libertação pela escola de arte Garçom Maturidade Prostituição provocadora E promiscuidade Amor É tão bom Sucesso França Trabalho na restauração Drogas + depressão Nova Iorque Mais depressão AIDS Alguém se incomodaria se eu me travestisse?[1]

O trabalho fotográfico de Mark Morrisroe, exemplar em mais de um aspecto, divide com seus contemporâneos dos anos 80 uma dimensão poética particular, através das marcas coloridas das anotações esboçadas nas margens das fotografias, que lembram os graffiti murais, bem como as palavras pintadas de Jean-Michel Basquiat, Futura 2000, sem chegar em Cy Twombly, se bem que… Essas inscrições desajeitadas afirmam uma subjetividade, assim como elas se colocam ao oposto da imagem civilizada da fotografia. São comentários que me lembram a presença da voz nos diários filmados de Jonas Merkas ou à irrupção da caixa de papelão interrompendo o fluxo de uma sequência, apontando outros universos, outros tempos.

Na riqueza dos tratamentos da imagem em Mark Morrisroe, acha-se uma proximidade com a atitude adotada por vários cineastas experimentais, que se opuseram e defenderam uma estética da matéria, trabalhando, triturando os diferentes estratos do suporte argêntico; suporte cujo futuro iminente era pensado como ultrapassado, obsoleto. O recurso a esse “materialismo” se generalizou no início dos anos 80 na Europa e nos Estados Unidos, principalmente em Boston, em torno das figuras de Saul Levine e Carolyne Avery. Essas marcas manifestam uma apropriação suplementar, elas inscrevem-se, sobretudo no campo da fotografia; uma revisão do uso da fotografia que, se distanciando do seu aspecto puramente mecânico, reafirma através de tais rastros uma dimensão artesanal, manual da fotografia, e reivindica por ela mesma, seu aspecto pictorialista[2], fazendo-a cair no campo do desenho. Uma dimensão que se inscreve em conflito, com o tornar-se máquina celebrado por Warhol alguns anos mais cedo. Essa grafia é tão mais pertinente na medida em que ela estratifica o âmbito pessoal das fotografias de Mark Morrisroe, fornecendo outras temporalidades e se abrindo a outros espaços afetivos. Mark Morrisroe desenvolve, como os outros membros da escola de Boston, uma perspectiva autobiográfica em suas fotos como nunca foi feito até então. A fotografia como arte menor (aquela que não tem realmente o estatuto de arte), quer dizer a do nosso cotidiano, torna-se o tema predileto de cada membro da escola de Boston. Não é tanto o entorno de relações que é retratado, mas a manifestação de um narcisismo no autorretrato que, para Mark Morrisroe, torna-se um gênero em si. Em suas fotos, ele convoca histórias (íntimas) das quais nós somos testemunhas, mais ou menos implicadas, mas ele faz isso ridicularizando simultaneamente as épocas antigas da fotografia, que ele altera tanto pelos temas que pelos tratamentos deles… Como o nota inteligentemente Norman Bryson, Mark Morrisroe em algumas fotos, convoca vários estratos da história da representação de Courbet a Paul Morissey[3]. Acontece o mesmo com os filmes Super 8, que retomam um amplo corpus do cinema underground, mas que não se reduzem a isso, nem o repetem, pois esses filmes participam da estética punk do momento, cujas palavras “no future” eram o lema (e não somente musical): movimento criado na Europa e na América do Norte a partir do final dos anos 70 e início dos anos 80. Lembremo-nos que os três filmes de Mark Morrisroe foram filmados entre 82 e 84 , mas nunca foram realmente incorporados no espaço do cinema experimental da época, nem ulteriormente (anteriormente)[4]. Eles sempre foram à margem do cinema experimental, embora esses três filmes tenham em comum com o Cinema of Transgression e o No Wave Cinema [5] dos anos 80 a mesma dinâmica da provocação, mas sempre incluso durante suas exibições pessoais. A produção desses filmes testemunha uma similaridade de gestos tanto no uso do formato super 8, como nos conteúdos, pois eles retratam um mundo marginal, o da prostituição, do travestismo, da confusão dos gêneros e das drogas e prolongam assim, renovando a iconografia gay dos anos 60 e 70. Ligações existem entre os mundos de Mark Morrisroe e os de Andy Warhol e Paul Morissey[6].  Da mesma maneira, o uso do trash, do cheap, estéticas apreciadas por Jack Smith e os irmãos Kuchar, e que se encontram implementadas nos primeiros filmes de John Waters, são centrais no universo de Morrisroe e isso não apenas no campo artístico, acredita-se em diferentes testemunhos[7]. Os filmes e as fotos de Mark Morrisroe são o eco de uma vida, através da captura de instantâneos retrabalhados, anotados. Eles são as marcas tangíveis das performances na vida de um personagem que se molda através dos diferentes papéis desempenhados, que sejam grotescos, burlescos ou patéticos. Os papéis, as fotos e os filmes permitem mexer diferentes personagens, eles são a escrita efêmera de um personagem que se cria e recria, recorrendo a ficções múltiplas para as necessidades da causa. É assim que se entende o recurso das fotos de filmes. Não são as fotos de localizações, ou de filmagens, mas de fotos de sets de filmagem, assistidas a partir de fotoprograma do super 8, assinado duplamente por Mark Morrisroe.    Ver a ilustração: Hello from Bertha (1983); para Nymph-O-Maniac (1983),Nymph-o maniac a foto do set está legendada como produção do Spectacular Studios!, datada de 1984. Em algumas fotos, Mark Morrisroe dá um título ao polaróide, mas acrescenta entre parêntesis indicação tal: Ode à Diane Arbus. Todas as marcas parecem criar uma distância, aparentemente, elas traduzem uma apropriação suplementar, a marca de uma subjetividade que se manifesta na produção de um universo fantasmagórico pessoal, a partir da retirada do real, pelo menos (tecnicamente) assistido, quer dizer manipulado. É preciso entender essa manipulação ao pé da letra. A manipulação se exerce duplamente, uma vez no nível do conteúdo, que se trate de retratos ou autorretratos, ou que ela se revele nas formas e técnicas usadas. Enquanto à fotografia, as marcas esboçadas funcionam como mais-valia, elas são os rastros de uma troca epistolar potencial, elas parecem dirigir-se a um destinatário particular (The Boy Next Door, Summer 1983, p 193). Do lado delas, as impressões digitais[8], os arranhões, dobras e manchas insistem sobre o caráter artesanal da produção das fotos, as quais são criadas integralmente por um corpo: o de Mark Morrisroe. (In the Garden of the Water Babies 1983, p 245).  Estes rastros bem particulares se veem em vários cineastas que, nos anos 80, decidem controlar todas as etapas e fabricação dos seus filmes, isso quer dizer que eles revelam os filmes eles mesmos, sem recorrer aos laboratórios. Dentre eles, pode-se citar Carolyne Avery, Phil Solomon, Mathias Müller, Jurden Reble. A produção, autonomizando-se, se desenvolve segundo uma estética mais crua, em relação com a cena Punk e Gótica, privilegiando a projeção nos espaços alternativos: clubes, bares. Esses rastros parasitas não são a  marca de um know-how, eles respondem a outros critérios que incorporam diferencialmente as modas de produção da imagem. Ela parece confiscar o materialismo dos cineastas estruturais[9], a matéria filme se expande contra um modo de representação burguês, que se acompanha de um conjunto de regras de produção e de apresentação da obra. À imagem lisa e civilizada do cinema narrativo industrial, os cineastas estruturalistas materialistas opõem a brutalidade de suas apropriações e desvios, que colocam em primeiro plano a materialidade do suporte em si, sem concessão nem reinvindicação pessoal. A questão é resistir a um modo dominante, enquanto os cineastas dos anos 80, que se apropriam dessa materialidade, o fazem numa ótica diferente, pois eles se empregam na irrigação subjetiva, nessa matéria fotográfica e cinematográfica. Estamos na presença de uma reterritorialização da matéria cinematográfica, que é reinvestida e se opõe à representação dominante própria, insípida, sem pathos, asseptizada, normatizada.

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A anormalidade, o diferente não são reinvindicados, mas explorados, e se dão como alternativas às produções anteriores que desenvolviam seus processos sobre a forma de resistência a uma ideologia da representação. Aqui a matéria é sobrecarregada, mostrada em todo seu esplendor, em todos os seus estados. O filme, as fotos, se estragam nas texturas, nas espessuras dos estratos argênticos constituindo a emulsão colorida. Os sujeitos se dissolvem na matéria, eles formam corpo com a matéria. O filme, a foto estão em gestação, temas por vir. Não é por acaso que nessa época, o corpo, o sexo e o gênero se impõem como temas dominantes no cinema e no vídeo; eles se inscrevem  num movimento que manifesta o seu interesse pelo pessoal, o íntimo, o singular, no qual a marca de um tema é predominante[10]. Essas marcas se inscrevem  no tratamento da matéria fotográfica que, no caso de Mark Morrisroe, privilegia a utilização de procedimentos específicos durante a revelação das fotos (sanduiche de um negativo preto e branco a um positivo colorido a fim de produzir uma revelação punica) ou manipulando o polaróide durante a sua revelação. Em todos os casos, o tratamento assinala um corpo engajado no moldar da imagem. O corpo de Mark Morrisroe se torna o seu tema predileto. A manifestação desse interesse ultrapassa a contemplação narcísica no sentido que o corpo é encenado de várias maneiras provocadoras, às vezes incomodantes.  Esse corpo de moço  também é o corpo de um jovem prostituto, que se chafurda no mundo da arte. Mark Morrisroe, como David Wojnarowicz, não penduraram no cabide da arte as suas atividades de antigos prostitutos, eles fazem disso o tema de fotos, filmes, textos. (Ver Sweet 16, Little Me as a Child Prostitute, [1984], p 143), a série Arthur Rimbaud in New York [1978/79], de Wojnarowicz). O recurso do campo é então essencial, na medida em que ele torna possível fazer das mascaradas (paródias) uma arma de decisão e de afirmação. O campo se define por um conjunto de gestos, comportamentos, atitudes, que modificam códigos sociais e fazem de um sujeito – um personagem, uma diva, uma doida – uma criatura flamejante  ou horrível, segundo as necessidades. Nos anos sessenta, antes que Susan Sontag o transforme em objeto de um famoso artigo[11], e que isso se torne um tema das queer-studies; o campo era mal visto: “a palavra campo  utilizada pela imprensa dominante geralmente é pejorativa, significando homossexual ou insincero, zoando de tudo que for feito. A maioria do tempo, nós nos divertíamos do nosso jeito e acreditávamos sinceramente no que fazíamos. A gente sempre estava exposta[12]” Retomando um argumento de Richard Dyer em relação a Jack Smith[13], pode-se dizer que Mark Morrisroe se inscreve nessa tradição do campo, que não faz mais o retrato íntimo do autor (sua personalidade), mas desenvolve as facetas do performer. Em dois de seus filmes, Mark Morrisoe de drag queen, faz dos seus alter-egos personagens, jogam com os códigos do seu universo ao benefício de uma teatralização que faz  do canhesto, da repetição, do inacabado, motores  de ficção. Já era o caso em algumas comédias de Andy Warhol dos anos 60, Harlot (1964)Harlot, Lupe (1965), The Life of Juanita Castro (1965), Camp (1965), The Chelsea Girls (1966), Lonesome Cowboys (1967). Jack Smith e Taylor Mead fizeram desses fracassos aparentes ferramentas muito eficientes de escárnio e de paródia que arruínam nossas expectativas, mergulhando a gente em um universo onde tudo (re)torna-se possível, onde nada é excluído. O personagem de drag nunca pode ser confundido com uma mulher, o que é afirmado é o travestismo. As palavras e os comportamentos dos “atores” parecem espontâneos, embora os filmes tenham sido escritos. Hello from Bertha (1981) é baseado na pequena peça de Tenessee Williams, embora Nymph-O-Maniac (1984) tenha seu roteiro feito a partir de conversas telefónicas sexuais e diálogos de filmes pornôs[14].  Nos filmes de Mark Morrisroe, as repetições sublinham o lado atuado da performance, embora pudéssemos acreditar que é uma gravação direta, tal como Shirley Clarke em Portrait of Jason (1967).

Lembra-se que Ronald Tavel recorria a estratégias hábeis para que os atores entregassem os seus textos, isso contra as intervenções de Warhol e da sua equipe que se opunham de todo jeito, induzindo suspensões na continuidade linear da ação. É possível encontrar tais suspensões nos filmes de Mark Morrisroe, por exemplo na ocasião da repetição de um discurso (tirado) de Jack Pierson à pedido do operador de câmera,  enquanto ele fala para Mark de drag : How come you’re dress like a women? (“Porquê você está vestido de mulher?”)  e depois : Are you one of those transexual? (“Você é um daqueles transexuais?”).  Ruptura na continuidade da ficção ao benefício de uma encenação. Inversão das prioridades; o surgimento da heterogeneidade é importante porque ela assina o artifício: o jogo como pluralidade de variações, de “possíveis”. A incorporação da repetição evoca os preparativos sem fim de uma performance de Jack Smith, a performance se constituindo de fato, através desse deslocamento de objeto, no qual ela acontece. Existe uma vontade feroz de mostrar cenas que vão chocar, ferir o bom gosto, nesse sentido Mark Morrisroe segue a linha maravilhosamente explorada por Jack Smith e John Waters em um registro, mas também vários artistas que trabalharam em minar o bom gosto “bem assentado”. Como Mike Kelley, Tony Oursler, Tony Conrad, Joe Gibbons, etc, Mark Morrisroe trabalha a partir disto, e brinca com os clichês, tais como da decência e do bom gosto. A questão do travestismo, da prostituição, da violência das relações é central; cada filme nos mostra alguns momentos na vida de criaturas que lutam para sobreviver. Nós não estamos no mundo de Tenesse Williams ou de John Cassavattes, mas num mundo mais amargo, mais cru, menos psicológico, e isso, mesmo se Hello from BerthaHello from Bertha é bem uma adaptação.  As relações entre os protagonistas, se limitam a trocas que vão da conivência à repudiação, transitando por várias formas de violência verbal, desconcerto e violência física. Esse mundo é mais sombrio que o de Jonh Waters, talvez porque a trama narrativa sempre está à mercê de um erro do performer. A provocação, o excesso são os motores, sempre mais na decrepitude, na decadência, mas não pode se ver um julgamento moral qualquer, é mais uma escolha estética que se quer trabalhar a partir do que é próximo a si, do que nos motiva, daquilo que nos habita. Assim, vestir-se de mulher, ter um papel fora de si, desviar os  códigos dos gêneros sexuais e os ridicularizar por excesso de mímicas, de piscar de olho ou por desconcerto, permite afirmar – além da auto ironia, dos estados de subjetividades, dos brilhos – fragmentos de sujeitos que  a “boa educação” desqualifica. Nesse trabalho não é tanto a provocação que importa, como as ofensas sobre os códigos da masculinidade e da feminidade, que são progressivamente laminados. A atribuição dos papeis do gênero é virado de cabeça para baixo, ou pelo menos perturbada[1].

Em The Laziest Girl in Town,The laziest girl in town 1The laziest girl in town 2Mark fala da diferença entre um transexual e um travesti: “um transsexual quer ser fisicamente mulher, embora um travesti gosta de vestir roupas  femininas, e é o que eu gosto de fazer”. Essa confusão no gênero agrada os protagonistas, fazendo-os atuar com o maior cuidado, mesmo que suas performances não correspondam às expectativas e à performatividade profissional pela qual o ator mergulha no papel que interpreta. Aqui, como em toda atitude campo, é o jogo entre o personagem e o atuante que nos interessa, é a oscilação entre os dois sujeitos que força o nosso interesse. A instabilidade do papel e do sujeito atravessa o filme, a performance manifesta assim possibilidades de subverter os papéis sociais e suas atribuições, segundo as atitudes e comportamentos campo. Como diria Taylor Mead em um dos seus aforismos dos homens apegados aos seus papéis do gênero: “Os homens lindos que não sabem onde os seus talentos residem; escolham a arte, a heterossexualidade, tudo a fim de evitar o que vem naturalmente, ou o que eles teriam obtido de uma cabeça aberta”[2] Uma outra dimensão que aproxima os filmes de Mark Morrisroe a os de Jack Smith e Taylor Mead, John Waters, mas também os de seus contemporâneos David Wojnarowicz e Nick Zedd, é a necessidade deles. As urgências deles testemunham suas energias. Cada filme propõe um espaço fechado, dentro do qual seres se usam e se abusam? Há de se notar que o ambiente de Mark Morrisroe domina: as fotos adornam as paredes, na frente mexendo-se uma fauna que mesmo reduzida, revela um mundo que oscila entre drag e droga. As drags fofocam, falam dos seus desejos, “Eu realmente preciso de uma boa trepada” Esse desejo é mimicado em uma cena onde ele pratica masturbação anal com um pepino, depois em uma cena Jack estupra Mark de drag. Assim, a intimidade é revelada e recomposta segundo as necessidades do filme, a partir do entorno de relações próximas, amantes, amigos… O filme não revela auto retrato como o fazem as fotos, mas propõe incursões nos mundos de Mark Morrisroe. Cada filme desenvolve momentos de subjetividades que questionam a sociedade através da homofobia e da definição dos papéis (It’s all te same you’re queer anyhow!). Nesse sentido, eles prolongam “a celebração de John Waters quanto à natura abjeta da ‘doidice’, comparativamente à sociedade americana”. Para retomar uma análise de Mike Kelley.[3] Os filmes de Mark Morrisroe se dão como sintomas culturais, eles assinam ao mesmo tempo a adesão à uma cultura dada, como ele a denuncia paradoxalmente. Os filmes de Mark Morrisroe frequentemente são apreendidos como “amadores”; eles respondem à mesma dinâmica que as fotografias, assumem o lado supostamente amador, mostrando ao mesmo tempo que o cinema não é um território reservado somente a pessoas patenteadas; nesse sentido eles dividem esse entusiasmo e essa democratização cinematográfica dos movimentos super 8 dos anos 80, antes que ela se amplie com o vídeo; assim como o trabalho dos ativistas da AIDS. Tomar posse do cinema, fazer cinema ou mais especificamente tornar seu o cinema, é conseguir ao mesmo tempo fazer e mostrar as imagens de uma geração, sem  mediação externa. É falar em seu nome, não ser dito por outrem. É afirmar sua liberdade sem se satisfazer com aquela que seria proposta para nós.  Todo trabalho de Mark Morrisroe participa deste processo de afirmação; mesmo que use a derrisão, a violência ou a destruição, não muda nada. A questão sempre é de afirmar estados, movimentos, pulsões, que não são necessariamente rosas, limpas, ou ronronantes. As pulsões não são civilizadas, elas são cruas e consequentemente mostradas sem artifícios (embora…). A abertura de Nymph-O-Maniac (1984)  homenageia John Waters, colocando em cena uma criatura generosa que sem ser brilhante, liga para clientes potenciais, descrevendo suas características físicas e o que ela poderia fazer. Encontramo-nos num mundo ilegal, fraudulento, constituído de prostitutas e lésbicas que moram em um apartamento, cujas paredes estão cobertas de fotos de revistas gays e de capas de LP. A câmera viravolta um pouco à maneira das sex comedies de Morrissey e Warhol; os cortes são bem aparentes quase strobes cut[4], os finais de bobinas super 8 às vezes interrompem a narrativa para melhor relançá-la por meio de um inter título: Later, ou Later than evening… Em um dos planos, no banheiro, percebe-se brevemente no espelho Mark Morrisroe filmando esse dia na vida de uma ninfomaníaca, que recebe à noite dois homens que a empurram antes de amará-la em uma cadeira e a estupram com um cabide metálico, fazendo-a abortar, e depois cortam sua mão direita. O filme acaba com a mulher xingando os dois agressores de bastardos. A violência nas cenas mostradas, principalmente a da mão cortada, antecipa o braço arrancado de David Wojnarowicz em uma das suas narrações[5] de Manhattan Love Suicide (1985) de Richard Ken; filme, porém, mais sanguenolento, pois elas ecoam a violência posta em cena pelo cinema da transgressão. O ambiente geral do filme de Morrisroe evoca mais o clima e o humor negro dos filmes de Jonh Waters; pelo seu lado sórdido e trash, mas ao contrário desse último, a ação se limita a um dia na vida de uma nin. Esse limite temporal não corresponde ao tempo da filmagem como foi o caso com Shirley Clark em Portrait of Jason. Mark Morrisroe não faz nem direct cinema, nem cinema verdade. Ele cria paraísos artificiais, mais ou menos feéricos ou

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sórdidos, que incorporam vários gêneros cinematográficos. Eles antecipam um estado do cinema contemporâneo que descompartimenta e privilegia formas híbridas. O cinema permite a Mark Morrisroe trabalhar, ao mesmo tempo, a confusão dos gêneros e suas representações, a violência doméstica cotidiana e dar a ouvir diálogos excessivos que lembram os textos

do seu Dirt Magazine (1975/76). Os filmes não documentam um evento como se fosse o caso com o snuff, filme perdido da occisão de um gato[6], mas eles testemunham de um modo de vida, de situações geralmente pouco mostradas e vistas ainda menos. Morrisroe cria realidades, não faz remakes, a paródia não é o objeto primeiro do filme; nesse sentido ele se diferencia de várias produções contemporâneas que fazem da paródia e do pastiche, seu objeto a partir de séries de tevê, como o faz com um humor ácido Leona[7], favelada de Belém, numa paródia das novelas da TV Globo.

[1] Mark Morrisroe, ed Klaus Ottmann, pg 22 Twin Palm Publishers, Santa Fé, 1999

[2] Le pictorialisme veut inscrire l’interprétation de l’individu dans l’espace de la photographie au moyen de’effets d’atmosphères, textures etc qui induisent une distane vis-à-vis du réeel photographié. Il s’agit d’introduire une dimension picturale, quasiment tactile dans la photographie.

[3] Boston School, Norman Bryson in catalogue du même nom, ICA Boston, Primal Media, Alston, 1995

[4] Rappelons que la grande exposition Big as Life (An American Histoy of 8mm) consacré au 8mm et super 8 organisé par la San Francisco Cinemathèque et le MOMA NY, n’incluait beaucoup de films « No Wave », et encore moins de films d’artistes. L’exposition s’est tenue en 1998-99, à un moment ou les séparations entre ces différents milieux semblaient caduques…

[5] Le Cinema of Transgression surgit au milieu des années 80 à New York ses représentants les plus connus sont Nick Zedd, Richard Kern, Manuel de Landa, Bradley Eros ;  ce mouvement a été nourri par le No Wave Cinemaapparu quelques années plus tôt, dans le Lower East Side. Parmi ses membres : Eric Mitchell, Scott and Beth B, John Lurie, Lizzie Borden, Vivan Dick, Bette Gordon et Michael McLard dont on retrouve la trace dans Ballad of Sexual Dependency, de Nan Goldin.

[6] Dans lesquels on devrait inclure quelques séquences de Chelsea Girls, mais aussi Trash ou Heat, et les vidéosVivian Girls et Fight.

[7] Jack Pierson : Sometimes I think I’d Rather Be a Movie Star than an Artist – Mark Morrisroe; Most Days I Think I’d Rather Be a Photograph than a Human Being- Jack Pierson in  Artforum January, 1994

[8] Doit-on y lire un clin d’œil malicieux au film de Duchamp Anémic Cinéma (1924-26) qui à la signature de Rose Selavy juxtapose son empreinte digitale

[9] Peter Gidal, Malcolm LeGrice, Birgit et Willem Hein auquel on peut ajouter Ryszard Wasko, Joseph Robakowski.  Voir Stuctural Film Anthology de Peter Gidal, BFI Londres 1976 et Abstarct Film and Beyond de Malcolm Legrice Studio Vista Londres

[10] Remarquons qu’il s’agit d’une époque qui face à l’irrution du Sida répond au moralisme et à la dénégation des représentations des pratiques homsexuelles par un activisme qui met en avnt des corps sensibles dans tous leurs états. Le champ de la photographie, du cinéma et de la vidéo sont alors des outils privilégiés dans ces éclosions subjectives

[11] Notes on Camp, Partisan Review 1964

[12] Réponse inédite de Taylor Mead à une question de Catia Riccaboni, en avril 90

[13] Richard Dyer : Now you see it  Studies on Lesbian and Gay Film, p. 103-04 Routlege, Londres 1990 Alors que « Flaming Creatures porte la marque de la la personnalité de Jack Smith, il n’est pas une exploration de sa psyché, et ne révèle pas non plus le moi intérieur des performers drag-queen qui sont là pour le spectacle. Il y a un glissement de la personnalité du cinéaste au profit de la personnalité du performer qui est aussi un déplacement de l’exploration de personnalité comme réalité intérieure à l’observation d’une surface externe. »

[14] D’après Stuart Comer in Lipstick Traces: The Films of Mark Morrisroe in Mark Morrisroe, Catalogue exposion FotoMuseum Winterthur JRP Ringier, Zurich 2007

[15] Sur ce trouble des genres voir Jean-Yves le Talec: Folles de France éditions la découverte, Paris 2008

[16] Taylor Mead : On Amphetamine and in Europe, Exerpts from the Anonymous Diary of A New York Youth Vol 3, p 131, Boss Books New York 1968

[17] Cross-Gender / Cross-Genre, in Mike Kelley Foul Perfection p 104-105 MIT Press 2003

[18] Les strobe cut ont été utilisés par Anthony Balch et W.S. Burroughs dans The cup-ups (1966) mais surtout ar Warhol dans Bufferin (1966). Un strobe cut est un plan précedé d’un photogramme blanc qui induit ainsi un flash illuminant le plan.

[19] Il s’agit de Stray Dogs, dans laquelle David Wojnarowicz, joue le rôle d’un jeune gay qui n’arrive à capter l’attention d’un peintre que lorsqu’il s’est arraché un bras.

[20] Ramsey McPhillips raconte l’histoire de ce film et de sa diffusion sur une chaine locale de Boston dans le Pat Hearn Show in : Who Turned Out the Limelight? The Tragi-Comedy of Mark Morrisroe, in Loss Within Loss, p 99 edited by Edmund White, University of Wisconsin Press, Madison 2001

[21] Voir sur you tube la série Leona a Assassina Vingativa, e Meu nome e Leona

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Tradução: B³ / Claire Laribe

A gente saía de manhã sem ter idéia (sobre José Agrippino de Paula) (Pt)

in Lugar Comun n° 28, Estudos de mídia, cultura e democracia, Rio de Janeiro, 2009

Há quase seis anos, morria José Agrippino de Paula, importante artista da contra-cultura brasileira que deixa uma obra singular composta de romances, de uma peça de teatro e de alguns filmes.

Obra chave da literatura brasileira, PanAmérica1compartilhava grande número de aspirações da juventude brasileira da épocaos anos 60, apropriando-se de boa parte da cultura americana. Neste romance e na peçaUnited Nations, José Agrippino de Paula desmontava, por meio do excesso, as mitologias cotidianas produzidas pela indústria cultural.

José Agrippino de Paula nasceu em São Paulo em 1937. Após estudos de arquitetura, ele passa a residir no Rio de Janeiro onde estuda até 1964.

É nesta cidade que ele vai escrever seu primeiro romance: Lugar Público2 . Trata-se de um verdadeiro romance de formação no qual o choque entre as culturas é patente. Ao formidável desenvolvimento das cidades da América do Sul corresponde uma expectativa da juventude que busca outros modelos no cinema e na música americana. O confronto entre uma ordem vacilante e o retrato de uma nova geração que sobrevive em uma cidade que supomos ser o Rio de Janeiro e que sofre diretamente o golpe de Estado de 64; A descrição de uma manifestação de operários, reprimida pelo Exército; A irrupção de tanques na cidade desertada e o anúncio do golpe de Estado no rádio são incorporados no romance. São aspectos relevantes do texto, mas não tão recorrentes como o tema da morte do pai ou como a questão da homossexualidade e da prostituição. O romance multiplica as descrições de zonas urbanas desoladas ou em pleno desenvolvimento, e é atravessado pelas derivas de um grupo proteiforme de amigos que tem enormes dificuldades para garantir sua sobrevivência. O interesse pela paisagem urbana e pela mitologia cotidiana é compartilhado com outros autores brasileiros dos anos 60 mas, no caso de Agrippino, esse interesse manifesta potencialmente uma cenografia que irá se desdobrar nos happenings realizados com Maria Esther Stockler e no seu filme Hitler 3o Mundo. Ele reconhece que “sua formação

em arquitetura tem tudo a ver com cenografia”  3 .  Desde 1961, tirando proveito do teatro Arena da universidade, ele monta uma adaptação de Crime e Castigo.

De volta a São Paulo, ele freqüenta os ateliês de Roberto Aguilar e de Maria Esther Stockler, onde ela ensaia um solo. José Agrippino e Maria Esther vivem juntos por breve tempo e trabalham separadamente em um primeiro momento: ela monta dois espetáculos no seio do

grupo Móbile 4  e ele escreve seus dois primeiros romances. Por ocasião de um festival produzido e financiado pelo Sesc SP, eles trabalharão juntos na peça Tarzan do 3o Mundo. O espetáculo, apresentado durante quinze dias, é o resultado de uma experimentação em laboratório por eles realizado na ocasião. Cada cena recorre a um artista plástico. Para além das diferenças, Maria Esther percebe a existência de uma linha que, embora não diretiva, assinala uma estética: a do collage. A justaposição ou simultaneidade das situações apresentadas moldavam um estilo singular. Se trata de uma colagem «as autoridades falando sempre coisas que (…) não tem interesse (…) nem muita sinceridade,

(…) as pessoas nem ouvem(…)» como o observa Maria Esther Stockler 5. Trata-se de uma escrita que justapõe blocos autônomos seja mais ou menos autobiográficos (referência à morte do pai, vida estudantil,…), seja exploradores de uma imagem cuja amplificação chama sempre outras. A potência fabuladora das imagens participam do sonho e da alucinação. Provenientes da linguagem cinematográfica, ela afirma as rupturas e permite justaposições de blocos temporais distintos que não devem seguir um desenvolvimento causal bem definido. A sucessão de eventos em blocos distintos se efetuam segundo uma lógica interna própria. As justaposições desencadeiam novas perspectivas e favorecem a multiplicidade das ligações afirmando suas próprias virtualidades. É pelo fato de proliferarem e fugirem que as imagens conduzem a nós de virtualidade que a narrativa, o filme ou o happening resolvem cada qual a sua maneira. A proliferação das imagens corresponde mais a um “pop-fantástico” do que a uma nova manifestação latina de um surrealismo fantástico. Podemos encontrar este “pop-fantástico” nas colagens de Erró dos mesmos anos, assim como em Science Friction(1959) ou Breathdeath (1964) de Stan VanDerBeek em que um mosaico, um tecido de relações rompe com a linearidade ou simetria da trama. Em José Agrippino de Paula, este fenômeno é reforçado pela presença de um “Eu” que não pertence a si mesmo, de um Eu anônimo e deslocado que cria uma pluralidade de vozes sem que nenhuma domine. Estamos constantemente na oscilação entre um Eu e um Outro, em um tempo diferido, por vir ou que já veio. O tempo privilegiado é aquele que vê a confrontação e a proliferação das imagens se suceder ao acaso das associações conforme ritmos e velocidades que manejam furos e suspensões ao longo da ação ou do evento. Os blocos são freqüentemente serializados emThe United Nations e PanAmérica; suas ocorrências não sistematizadas acenam para o aleatório. Zé Agrippino de Paula se apodera do cinema à maneira de um artista pop quando recicla os ícones do cinema hollywoodiano – Marilyn ou Liz. Mas utiliza todo o dispositivo cinematográfico produtor de irrealidade como faria o poeta. “Ao citar Marilyn Monroe, eu procurava fazer

como Warhol: criticar os mitos quotidianos criados pela indústria cultural.” 6 Os atores dos filmes, quase íntimos nossos graças à mídia, são por sua vez incorporados nas ficções. Esse trabalho lembra o de Warhol na medida em que se apropria de imagens de estrelas e de desastres, apaga detalhes da imagem em proveito dos planos e, desse modo, produz ícones que ele recoloca em circulação. Em Zé Agrippino, os atores se tornam protagonistas de um cinema pessoal: eles são colocados em cena como um sonho, uma alucinação, um delírio. Di Maggio, Marilyn Monroe são imagens sem espessura, são soldados de chumbo que passeiam por cenários que mudam constantemente. Eles não ocupam o espaço: eles estão na superfície da imagem, prontos para se deslizar para dentro de alguma aspereza da narrativa, do cenário. Em Warhol, Marilyn se desmagnetiza na proliferação cromática. Em de Paula, posta em cena sexualmente, Marilyn se torna uma imagem com a qual podemos gozar. Não se trata do mesmo desvio do sentido, embora ambos se inscrevam no Pop. A abertura de PanAmérica traz a produção delirante de uma filmagem que evoca a versão de Cecil de Mille. José Agrippino de Paula amplifica o mito da realização do filme transformando-o em uma epopéia a serviço do delírio de um tirano, encenada por um autor que não podemos verdadeiramente determinar. O cinema que interessa e aprecia José Agrippino de Paula é o cinema hollywoodiano; gosto que ele compartilha com alguns cineastas underground americanos (Kenneth Anger, George et Mike Kuchar et Jack Smith, por exemplo) que vêem em Hollywood uma fonte inesgotável de inspiração. A descrição das cenas de filmagem multiplica os pontos de vista de acordo com velocidades variáveis e de modo semelhante a uma edição paralela que permite a existência quase simultânea de várias cenas. Essa simultaneidade lembra o funcionamento do circo Barnum que, com suas três pistas, certamente influenciou a produção de happenings durante os quais diversos eventos ocorrem ao mesmo tempo em lugares distintos.

A descrição das filmagens, a polifonia e a proliferação dos pontos de vista nos colocam no seio do cinema. Não somos mais meros espectadores: nós agimos e produzimos nosso cinema. Hollywood já não é mais longe, mas se torna um prolongamento do nosso imaginário a partir do qual fabricamos novas imagens. Esta apropriação do cinema comercial permite a emancipação das regras e do bom gosto: passamos da referência a irreverência, com a maior candura. Modalidades particulares, nas quais a dilatação temporal e o percurso vertiginoso das novas imagens produzidas desempenham um papel preponderante, estão operando. Em The United Nations, os protagonistas de um jogo de xadrez gigante se misturam aos atores na filmagem de uma ficção, com Charles Boyer como Napoléon. Nos romances, as interrupções funcionam como parênteses autônomos e são produtoras de novas narrativas. As manifestações que precedem ou seguem o golpe de Estado são dispersadas ao longo de Lugar Público. Elas literalmente se encaixam com os personagens, e os mergulham e desencaminham para outros espaços mentais. Personagens recorrentes habitarão as narrativas, seja das peças de teatro seja dos longas-metragens: Hitler, o papa, Che Guevara (em PanAmérica eThe United Nations)… A escrita cinematográfica deHitler 3o Mundo, assim como aquela que norteia os diferentes happenings, contesta nossos hábitos de assistir a um filme, ver um espetáculo ou ler um livro.

Mais do que um caos, trata-se da produção de um chaosmos 7 que se impõe através dos artifícios romanescos e teatrais. Somos mergulhados em uma situação onde o desconforto, o imponderável, o intempestivo, o grotesco, o obsceno e o contestatório são os vetores da dramaturgia assim como da forma sob a qual ela se enuncia.

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Em PanAmérica, o realismo descritivo das cenas da gravação do filme convoca um delírio que não teria renegado o Jack Smith de Normal Love (1963-64) e de Yellow Sequence (1963). Nessa narrativa, José Agrippino de Paula ridiculariza e zomba das estrelas hollywoodianas. Elas não são mais nada além de caricaturas, de papéis travestidos. Sua apropriação pela linguagem e dentro da linguagem do artista prefigura aquelas de Hitler 3o Mundo ou aquelas deTarzan 3o Mundo e de Rito do Amor Selvagem. As reivindicações manifestadas se inscrevem no contexto particular da ditadura que se instala no Brasil em 1964. O consumo e seus mitos são tratados de modo mais ou menos crítico de acordo com o lado do Atlântico. Mais do que Lugar Comum, PanAmérica descreve o evento da sociedade do espetáculo na América do Sul, confrontando a epopéia de um guerrilheiro neste continente à realização de um filme épico. A introdução da Guerra Fria no seio do romance tanto ecoa os acontecimentos do Brasil de então quanto manifesta o desejo de quebrar certa hierarquização que põe a arte popular e a contemporaneidade bem ao pé da escada, longe da grande arte. Como outros artistas de seu tempo, José Agrippino de Paula afirma a necessidade de se responsabilizar pelas aspirações e os comportamentos de sua geração afirmando a não-separação entre a arte e a vida.

É preciso compreender sua fixação pelo cinema hollywoodiano e à música pop anglo-saxã neste sentido. De repente estamos na contemporaneidade, os jovens deLugar Comum saciam seus desejos sexuais ao som de diversas músicas e em locais propícios aos encontros, sejam eles lícitos ou não

“era um livro influenciado pela literatura francesa e pela nouvelle vague 8”. Enquanto em PanAmérica ela é menos fortemente afirmada, neste primeiro romance a homossexualidade vai ocupar um lugar importante. Encontraremos em Hitler 3o Mundo e nas peças de teatro, diferentes personagens homossexuais provocadores que se afirmam na transgressão. Essa transgressão das regras e dos comportamentos permite denunciar a hipocrisia de uma sociedade que não aceita a sexualidade de sua juventude. A provocação é uma arma a qual recorre o escritor-cineasta: um ditador homossexual um tanto ridículo aparece em Hitler 3o Mundo; em The United Nations, body-builders dourados interrompem o desenvolvimento da peça arranhando rostos e torsos ao alcance de suas unhas; em PanAmérica, dançarinos homossexuais põem suas bundas em evidência; Cassius Clay torna-se homossexual, por não conseguir parar de peidar…

 O fato do protagonista principal do início dePanAmérica ser um cineasta não inaugura devir algum do autor. Os filmes que ele vai fazer não assinalam a estética do cinema que ele descreve. O cinema que ele descreve é um cinema de grande espetáculo que recorre a meios consideráveis, que não poupa seus efeitos. Todavia, ele o desmistifica através da descrição delirante de seus mecanismos de produção. A crítica se manifesta pelo superfaturamento espetacular, como se o espetáculo só pudesse ser abolido pelo e dentro de seu próprio excesso. O excesso é constante em sua obra: deThe United Nations, PanAmérica, Tarzan 3o Mundo, passando por Planetas dos Mutantes ou Rito do Amor Selvagem. Sua crítica denuncia o imperialismo cultural expresso pelo cinema hollywoodiano e o poder econômico e militar exercido pelos Estados Unidos sobre o mundo nos anos 60. Enquanto em Lugar Público ele critica o cinema da Nouvelle Vague, em PanAmérica ele trabalha o excesso produzindo um simulacro de filme hollywoodiano. Aliás, a questão do simulacro é essencial para compreender o que é tramado na obra de José Agrippino de Paula. Ela motiva a polifonia das ações.

 Esta polifonia faz da colagem o momento constitutivo do processo de produção e de recepção da obra. Uma outra manifestação pode ser encontrada no trabalho sonoro. Aqui a publicaçao de algunas musicas de Zé agrippino é importante informandos nos sobre a importancia da improvização. Lembramos que, para José Agrippino de Paula, o collage é compreendido a partir de um conceito cinematográfico: a mixagem. No texto de apresentação de Rito do Amor Selvagem, ele se refere a este uso da mixagem como elemento dinâmico e específico da criação do grupo Sonda. A mixagem se trona o princípio da própria montagem. Ambas as técnicas de montagem e de mixagem operam em seu longa metragem.

Hiter 3o Mundo foi realizado em 1969 com a maioria dos membros do grupo Sonda. Ele foi feito enquanto Jorge Bodansky e José Agrippino de Paula filmavam a peça O Balcão em adaptação de Victor Garcia.

Quando Zé Agrippino se joga na realização deste primeiro filme, ele precisa encontrar alguém que possa filmar para ele que nunca utilizou uma câmera. O desejo de produzir imagens que são antes de mais nada imagens mentais como é o caso nos romances, ou então imagens que resultam de um processo de criação coletiva emhappenings, vai trazer a necessidade de um modo de colaboração distinto daquele que foi experimentado até o momento. O princípio da mixagem será aplicado a todas as fases da produção desse filme que permanecerá como experiência singular e formadora não apenas na carreira de Zé Agrippino, mas também naquela de alguns de seus participantes, entre os quais Jorge Bodansky principalmente. Este filme, situado fora do cinema marginal embora a ele ligado, é objeto único na paisagem cinematográfica brasileira, Uma outra particularidade de Hiter 3o Mundo está no fato de ter sido descoberto no Brasil apenas muitos anos após a sua realização, tendo sido projetado pela primeira vez em 1984, o que explica o fato de ter escapado da fúria da censura, contrariamente a outros filmes.

Muitos filmes do cinema marginal não mostram a miséria diretamente, distanciando-se da realidade e utilizando a parodia e o escárnio ; nesses filmes abundam citações e reciclagem de imagens ; o humor e a sexualidadesão ai importantes. Em contrapartida, o cinema novo mostra a miséria e a revolta, e contradiz as imagens e os discursos de propaganda do governo e da burguesia, como o fez Glauber Rocha em Barravento(1961), quando não apresenta as imagens esperadas pelos observadores europeus.

O filme de José Agripino de Paula é um objeto estranho no domínio do cinema marginal. O poeta concretizou a ideia de fazer um filme durante a produção de Rito do Amor Selvagem. Nessa época Jorge Bodansky filmava O Balcão na adaptação de Victor Garcia; e pôs-se à disposição de Zé, que « não sabia explicar exatamente o que queria, nem compreendia inteiramente as condições técnicas indispensáveis à realização de um filme (9) ». Precisando-lhe ao mesmo tempo, que teria necessidade para filmar de três coisas: “uma câmara disponível; ruinas de películas virgens vindas de outras filmagens e uma unidade de locomoção que era em geral uma Kombi VW emprestada »

A filmagem, na clandestinidade, durou um ano, em função do dinheiro e a disponibilidade dos protagonistas e do operador de câmara. A improvisação dominava. “Todas as manhãs saíamos sem saber a que se chegaria até à noite ». Encontramos neste filme varios participantes do Tarzan III Mundo – O mustang Hibernado e extratos de cenas são incorporados ao script de Rito do Amor Selvagem, como por exemplo a cena do bacanal e a do casamento.

Quando José Agrippino de Paula começa, não tem ideia da forma que tomará o filme; só o desejo de fazer um filme o motiva. O filme justapõe acontecimentos onde personagens são confrontados à multidão anônima de um espaço publico. cenas de interiores que asfixiam, planos que servem de interrupções ou de inserções, nas quais o espaço urbano do São Paulo dos anos 60 emerge com mais ou menos força. Trata-se de um espaço urbano caótico no qual os terrenos baldios deixam aparecer panos de fundo de uma cidade em construção, blocos de predios, edificios altos, vias de circulação. A cidade em desenvolvimento vê aumentar na sua periferia ou nos seus interstícios favelas ou zonas baldias: não se trata exatamente do campo, mas de outra coisa (percebe-se também esse traço em Glauber Rocha e Ivan Cardoso.) Trata-se da representação do espaço urbano de um país emergente, um país em desenvolvimento no qual o tecido urbano não está organizado mas parece responder a uma disseminação mais próxima da polinização que da planificação, que faz estar lado a lado, por exemplo, um edifício moderno e um rio seco que se tornou esgoto.

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Não seguimos a deambulação de um personagem através de uma cidade como se faz em Pestilent City (1965) de Peter Goldman, The Flower Thief ou The Queen of Sheeba Meets The Atom Man (1963) de Ron Rice. Blocos de cenas opõem-se ou enfrentam-se com uma dinâmica que reforça a trilha sonora. Esta última é um elemento ativo da desmontagem cinematográfica; a sua riqueza evoca as numerosas pessoas que trabalharam. Em um piscar de olho malicioso, Zé Agrippino, credita no genérico José Mauricio Nunes (10) como autor da trilha sonora. A trilha sonora reflete uma grande diversidade de abordagem e usos da matéria sonora. Passa-se do cochicho à manipulações sonoras (como por exemplo a inversão do desenrolar da fita) ou placagens de músicas POP da época, como Jimmy Hendrix. Todos quiseram apropriar-se da trilha sonora mas na última instância, como o confirma Jorge Bodansky, foi de José Agrippino a última palavra. Na sequência do não pagamento do negativos a um laboratório, os técnicos montaram o som ao contrário. Ele fez seu este imprevisto guardando algumas destas passagens.

Às vezes, os comentários de Hitler Terceiro Mundo em voz off, evocam as modulações da voz de Jack Kerouac em todos os papéis de Pull My Daisy (1959), às vezes, a voz convoca a poesia concreta. A dinâmica da performance falada assinala a presença do corpo, de outra maneira. A narração polissincronizada não se liga ao acontecimento filmado, são comentários sobre a imagem e em redor dela, como os que realiza Jack Smith (Blonde Cobra, 1963, de Ken Jacobs). O comentário desrealiza o presente filmado em aproveitamento de uma outra temporalidade heterogénea, que se inscreve de froma desequilibrada em relação aquela da captação. Por este desvio, o corpo do locutor adquire uma outra presença e rivaliza com a da tela . Este diálogo retomado induz distanciamento da ação representada. A aderência, se tanto for que nunca existiu, é abolida em aproveitamento de uma justaposição desarmônica. O processo não é ocultado mas também não é afirmado. O comentário atualiza o que não está na imagem, jogando com o estatuto da voz em off. Desloca mais que substitui e permite olhar a imagem, de outra maneira. Uma pluralidade temporal afirma-se então na imagem, que não mima a realidade, mas dá forma à uma realidade cinematográfica específica.A riqueza sonora em Hitler Terceiro Mundo é resultante do trabalho realizado nos espetáculos precedentes, nos quais encontrava-se uma grande variedade de sons: sons eletrónicos live até as músicas gravadas, colagem de discursos e diatribes políticas que evocam os cut-ups de William Burroughs. A integração meticulosa do som aos outros componentes dos espectáculos : danças, luzes, teatros, circo, visa a produzir uma Arte-soma, para retomar os termos de José Agrippino de Paula e Maria Esther Stockler. Esta prática é reatualizada em Hitler Terceiro Mundo.

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O filme é composto de uma suite de sequências que exploram diferentes efeitos do poder. Após uma curta introdução numa cozinha que mostra um homem em terno e gravata, o filme se desenvolve com uma sequência na qual uma situação absurda evoca o cinema de vanguarda americano do fim dos anos 40 e 50. Um homem e uma mulher num fusca parado figem rolar, saltando sobre os seus assentos como se tivessem arrebentados e soltos. A partir do momento em que eles se encontram no garagista para trocar o pneu, o filme abandona qualquer realismo para evoluir num campo específico, o POP fantástico próprio a José Agrippino de Paula. As cenas se sucedem fora de qualquer lógica, privilegiando rupturas e acidentes. O caráter político fortemente marcado foi frequentemente minimizado em favor de uma leitura que privilegia a originalidade da proposta cinematográfica, de acordo com a definição que dá Jairo Ferreira :“Cinema de invenção se apóia na arte como tradição/tradução/transluciferação. Utiliza-se de todos os recursos existentes e os transfigura transfigura em novos signos em alta rotação estética: é um cinema interessado em novas formas para novas idéias, novos processos narrativos para novas percepções, que conduzam ao inesperado, explorando novas áreas da consciência,

revelando novos horizontes do (im)provável. 9»

Os filmes, pelo menos para os dois projetos do ano 69,Hitler Terceiro Mundo e Rito de Amor Selvagem prolongam os caminhos inovadores das peças, seja a nível da produção bem como da performance. No filme varias cenas utilizam clichés sobre a tortura, ou parodiam o fausto da encenação numa ditadura de estado, ou a ridiculizam. Pode-se citar a cena de assinatura do decreto de execução, ou aquela na qual a mãe do condenado vem reclamar o seu levantamento em Hitler. Ela surge quando Hitler e o seu amante lavam-se numa minúscula sala de banho. A improbabilidade de tal encontro aumenta tanto da proposta poética que de uma abordagem na qual a política é inseparável do quotidiano. José Agrippino de Paula, questiona neste filme, o encerramento das pessoas nas instituiçœes psiquiátricas, policiais e militares. Ele Ausculta a sociedade brasileira após anos de ditadura descrevendo comportamentos extraordinários para com os transeuntes em lugares públicos: favela, estação, e outro edifício de São Paulo. Um enorme samurai distribui legumes às crianças de uma favela, como se estes fossem ordinários animais de jardim zoológico, antes de amontoá-los numa Kombi para atravessar a cidade; ele improvisa em galerias comerciais uma dança com uma espada, na frente de um público enfeitiçado; polícias capturam “A Coisa” no bairro do mercado municipal perto de São

Bento. Como diz o autor em 2000 ou 2003 : «Hitler, Terceiro Mundoé um filme, antes de mais nada, político.   10»

Recorrer à policia no momento em que muitos brasileiros a evitavam, é pelo menos irônico, mas reflete também esta característica do desvio. A capacidade de um personagem em contornar, a sua esperteza em driblar a lei, as proibições, ilustra-se pela incorporação da polícia na ação do filme que denuncia as derivações de um regime autoritário. A sua capacidade a manipular o imprevisto permite-lhe apoderar-se de qualquer acidente os quais reencontraremos em seus filmes super 8 realizados na África.

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Os modos de apropriação que utiliza José Agrippino de Paula, evocam inicialmente o conceito de antropofagia de Oswald de Andrade, e parece relativamente afastado da compreensão que tem Hélio Oiticica exceto no que diz respeito à « dilatação », ou o Penetrável que é «projeto ambiental …/… uma espécie de campo experimental com as imagens.» Tal projeto «contribuir fortemente para essa objectivação de umaimagem brasileira total, para a derrubada do mito universalista da cultura brasileira, toda calcada na Europa

e na América do Norte, num arianismo inadmisível: na verdade, quis eu com aTropicáliacriar o mito da miscigenação.11»

Em Tropicália, é a experiência que fazem os espectadores do ambiente que está jogo. Esta experiência preconiza a participação e induz uma dilatação das capacidades sensoriais habituais dos espectadores. A dilatação da experiência reflecte uma transformação dos processos perceptivos devido às drogas. O fluxo de imagens em Zé Agrippino ilustra esta absorção que digere as referências, dilata as consciências, explode a temporalidade. Se Agrippino de Paula se apodera da imagem e joga com algumas referências POP, o faz de acordo com a afirmação «é a proposição da liberdade máxima individual como meio único capaz de vencer

essa estrutura de domínio e consumo cultural alienado.12»  Assim as imagens deslizam, os usos se desdobram anexando a especificidade brasileira a uma radicalidade das propostas. Pensemos em uma das últimas sequências de Hitler Terceiro Mundo, quem vê o Samurai tentar excluir as imagens difundidas na televisão, e que não conseguindo, faz-se harakiri. Em Zé Agrippino as coisas ajustam-se mais do que são atribuídas, designadas; estão sempre no fluxo e neste sentido provocam uma transformação constante da percepção, ou mais ainda manifestam esta transformação como processo do fluxo. José Agrippino Paula trabalha de acordo com o registro da metamorfose como define por Michel Foucault “A metamorfose cujo ponto de vista, sempre, foi fazer triunfar a vida juntando-se os seres ou de enganar a morte passando de uma figura à outra.” Esta prática de José Agrippino de Paula, prefigura o uso contemporâneo do morphing, no qual os constituintes de uma imagem transformam-se a fim de configurar novas. Estas mutações de imagens são uma resposta tanto que uma resistência ao imperialismo cultural: não se submeter mais as imagens, mas fazer-las suas. Há efetivamente globalização, mas é alterada; a inscrição na circulação dos ícones se efetua de acordo com registos que não dependem mais dos poderes de comunicação, mas da imaginação e de uma percepção flutuante. Hitler Terceiro Mundo adiciona tanto quanto divide as ações e os personagens.

Restam apenas quatro super 8 de José Agrippino Paula. Três foram realizados na África durante uma estada de dois anos com a sua companheira antes de ir para Nova Iorque em 1973 e estão incluídos no filme de dança. Dois são capturas de ritos de possessão do Candomblé ao Benim e o Togo. Enquanto que o terceiro Maria Esther: Danças na Africa (1972) propõe diferentes coreografias de Maria Esther em ambientes diários: um quarto que dá sobre uma praia, os telhados de uma casa da África do Norte.

O trabalho de super 8 se dissocia dos filmes precedentes na medida em que a sua abordagem é mais documental. O poeta filma ritos e danças de possessão. A sua abordagem pode aparentar-se as Maya Deren que filma no Haiti. Se José Agrippino de Paula captura ritos, ele não faz filme-ritual. Recordemos que para Maya Deren o rito inscreve uma desapossessão de si, que a cineasta traduzirá através de uma captura coreográfica.

Se as footages de Deren em redor do vodu foram encarados como parte de um conjunto mais amplo de um filme colagem, não é o caso dos filmes super 8 de José Agrippino de Paula. Nos filmes de Candomblé, nos de Maya Deren sobre o Haiti e em alguns filmes sobre transe de Jean Rouch, o papel da câmara é preponderante. Ela participa da dinâmica do transe enquanto que captura o conjunto do fenômeno coletivo. Em Jean Rouch, o projeto etnográfico funda a filmagem enquanto que a posição do cineasta altera a neutralidade desejada. O controle dos instrumentos condiciona a flexibilidade da captura. É através desta experiência de livre captura, de pertinência na captura, de controle da improvisação que se inscrevem os filmes super 8 de José Agrippino de Paula. Se o conhecimento do assunto filmado, por exemplo um rito, pudesse constituir para Maya Deren ou Jean Rouch uma condição necessária para a filmagem, isse não é o caso de José Agrippino Paula que compartilha com Chick Strand esta faculdade de “ir para que há de melhor”, “atento ao que é importante, por uma noção do que será importante. ” Encontramos em alguns filmes de Zé a afirmação da improvisação, que favorece tournés montés, ou as rápidos varreduras de uma cena que mostra a pessoa em transe e os membros da comunidade que a cercam, acompanham-a. A improvisação encontra se na suas musicas que foram registradas recentemente no CDEngruzilhadas Exu 7.que perecia ais uma anti misica. A câmara está constantemente em movimento, passando do grande plano de uma mulher que dança à multidão em retirada, na frente de casebres, para retornar para esta mesma mulher posicionando-a em frente aos músicos. Os planos sucedem-se, alternando planos aproximados dos participantes e planos mais largos, como as primeiras sequências de Candomblé no Dahomey (1972). A câmara levada à extremidade do braço oscila entre contreplongées dos dançarinos e a tomadas da altura de um homen. José Agrippino de Paula capta o que pode no momento que aquilo se desenrola. Não organiza o material a fim de nos fazer compreender o rito, não faz obra etnográfica. Filma simplesmente o que se passa, ai onde está. A sua abordagem do assunto é táctil tanto quanto coreográfica. Brinca com a manuseabilidade do super 8, que lhe permite estar mais perto do que se filma sem parecer intrusivo.

As varreduras nos dois filmes Candomblé no Dahomey etCandomblé no Togo (1972) valem-se das exposições e da claridade. A granulosidade da película se pronuncia mais ou menos de acordo com a exposição e os movimentos de câmera. A trilha sonora não sincrônica parece ter sido acrescentada posteriormente, ainda que certas percussões tenha sido registadas no momento da filmagem.

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Os dois outros filmes evocam o personal cinema, e mais particularmente o cinema de Stan Brakhage. Um cinema à primeira pessoa, um cinema que abre os olhos ao mundo e faz do mundo um campo de experiência visual. Um cinema visionário, que nos faz descobrir por seus enquadramentos, pelos seus ritmos, pela beleza de uma paisagem, pela subtileza de um movimento, pela fenda de um reflexo de um corpo na água como em Céu sobre Água.Depois de sua volta da África José Agrippino de Paula muda a sua maneira de filmar; ele privilegia o que chama de “ takes impresionistas”, esperando horas a fim de captar uma luz adequada, uma nuvem… O cinema torna-se então o instrumento de uma procura, um álibi para uma deambulação mental.

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1Publicado em 1967 em São Paulo; em francês nas Éditions Leo Scheer Paris 2008.

2 Publicado em 1965, reeditado em 2004, Editora Papagaio.

3Julio Bresanne e Joca Reiners Terron, 2002

4 Com Helena Vilar e Iolanda Amadei.

5 Maria Esther Stockler , entrevista concedida a Maria Theresa Vargas, Arquivo Multimeios, CCSP.

6 Revista Veja, n° 1702 de 30 de maio 2000, p 142.

7Ver esse conceito em Deleuze, Gilles. Logique du sens. Paris : Les éditions de minuit, 1969.

8Jorge Mautner falando de JAP no livrerino do disco Exu 7 Encruzilhadas Secs-Sp, 2011.

9 Cinema de invenção p 23, de Jairo Ferreira, editora Limiar, São Paulo, 2000.

10 In Miriam Chnaiderman : Panaméricas de Utópicos Embus – acolhendo enigmas  in Rivera, T. e Safatale, V.  Sobre arte e psicanálise, SP, Escuta.(101-112)

11Tropicália 4 mars 1968, Hélio Oiticica, in Catalogue du Jeu de Paume, Paris 1992, p 125

12Tropicália Idem p. 126